Covid-19 é uma “expressão dos profundos desequilíbrios dos ecossistemas e perda de biodiversidade”, alerta Quercus
A Quercus fez o balanço ambiental relativo ao ano que agora termina, sobretudo ao nível nacional, selecionando os “melhores” e os “piores” factos, e apresentou algumas perspetivas para o ano de 2021.
No comunicado divulgado à imprensa, a associação ambientalista não tem dúvidas de que a pandemia é uma “expressão dos profundos desequilíbrios dos ecossistemas e perda de biodiversidade”, considerando ser um “grito” do Planeta para o apelo aos hábitos de vida das populações. Para a Quercus, a perceção do conceito de Uma Só Saúde – One Health – não está refletida na forma de atuação das autoridades sanitárias e dos responsáveis políticos, contudo é essencial incorporá-la para uma regeneração efetiva da nossa saúde.
[blockquote style=”1″]Os piores factos ambientais de 2020 [/blockquote]
- Aumento de resíduos descartáveis não recicláveis, retrocessos nas políticas de gestão de resíduos e deposição ilegal de fibrocimento contendo amianto
Devido à pandemia houve um aumento ao recurso a produtos descartáveis não recicláveis, como o uso de luvas, máscaras ou fatos. Com a argumentação da proteção contra o Covid-19 foi adiado para 31 de março de 2021 a proibição do uso de copos, embalagens, talheres, palhinhas, pratos, tigelas e palhetas de plástico descartáveis, no setor da restauração e similares, o que é lamentável e injustificável. O novo regime geral de gestão de resíduos autoriza deposição de resíduos em recuperações paisagísticas de antigos areeiros e pedreiras, no âmbito do seu “enchimento”, e não revê os valores-limite (VLE) para o teor total de parâmetros orgânicos, no que respeita ao controlo da deposição em aterros para resíduos inertes, o que representa um claro retrocesso nas políticas de gestão de resíduos.A proibição da deposição de resíduos de fibrocimento contendo amianto em aterros para resíduos não perigosos, resultou no aumento do abandono ilegal deste tipo de resíduos, em pedreiras e areeiros, contentores para resíduos indiferenciados e mata
- Avanço da agricultura superintensiva (amendoal, olival, abacate) destrói habitats e aumenta procura de água (que não existe) para mais regadio
São vários os problemas ambientais que têm vindo a ser relatados devido ao avanço na instalação de monoculturas superintensivas principalmente no Sul do País (Beira Baixa, Alentejo, Costa Vicentina e Algarve) relacionadas com a contaminação do ar, dos solos e da água, diminuição de biodiversidade, nomeadamente com a destruição de montados e habitats naturais, áreas de REN e RAN, com evidente degradaçãodos solos, entre outros, sobretudo devido às práticas utilizadas e uso de pesticidas.
- Eucalipto ocupa o segundo lugar, por espécie, da área florestal em Portugal Continental
O 6º Inventário Florestal Nacional indica que os eucaliptais ocupam 844 mil hectares. Uma área que é inferior à que tem sido estimada e que representa cerca de 26% da floresta continental. Os dados recolhidos revelam um incremento sistemático da área ocupada ao longo dos últimos 50 anos, incentivado mais recentemente para a produção de energia (biomassa). Este tipo de ocupação nada resiliente aos incêndios florestais contribui todos os anos para incêndios de grandes dimensões com grandes impactos ambientais e sociais.
- Menos atividades de regeneração e continua a desmatação indiscriminada
O medo instalado pela pandemia tem condicionado a realização de atividades de regeneração do território, nomeadamente plantação e ações de renaturalização dinamizadas pela Quercus, pelo seu cancelamento ou falta de inscrição de voluntários, apesar de asseguradas as regras de distanciamento social.Estas atividades além de necessárias para uma resposta estrutural à crise sanitária, promovem diretamente a saúde dos participantes através da atividade física e o contacto com a natureza. Paradoxalmente, prossegue a desmatação indiscriminada e o abate de árvores que deveriam ser protegidas, nomeadamente de árvores bombeiras, como os carvalhos, nas faixas de gestão de combustível, em reação aos grandes incêndios de 2017. Tal prática continua assim a empobrecer o país hipotecando o futuro pelos problemas gerados para a manutenção dessas áreas desmatadas e aumento da vulnerabilidade do país a secas, e consequentemente a incêndios incontroláveis, sendo por isso uma orientação contrária ao problema a que se pretende responder.
- Prolongamento da vida útil da Central Nuclear de Almaraz até outubro de 2028
Em abril deste ano, o Conselho de Segurança Nuclear (CSN) espanhol emitiu um parecer favorável ao prolongamento do funcionamento da Central Nuclear de Almaraz, em Espanha, até outubro de 2028, impondo algumas condições. Infelizmente, tudo aponta para que o Governo Espanhol venha a alargar o prazo de funcionamento desta estrutura, ignorando todos os problemas de segurança que a mesma apresenta e assumindo uma posição errada, irracional e de gravidade extrema, que poderá viabilizar que a Central de Almaraz, totalmente envelhecida e obsoleta, continue a trabalhar e a colocar toda a Península Ibérica em risco até ao ano de 2028.
[blockquote style=”1″]Os melhores factos ambientais de 2020[/blockquote]
- Redução das emissões e melhoria da qualidade do ar
A pandemia forçou a uma drástica redução das emissões de gases de efeito de estufa, em particular pela redução do transporte aéreo, que teve como consequência imediata a melhoria da qualidade do ar. Contudo, esta redução das emissões motivada pelas medidas de confinamento e restrições à livre deslocação de pessoas será transitória caso não haja mudanças estruturais nos hábitos e nas políticas públicas de desincentivo aos meios de transporte mais poluentes e incentivo a meios menos poluentes como a ferrovia, de produção descentralizada da energia (autoconsumo) e de uma efetiva redução do consumo de energia em geral, facto que requer respostas transversais, como circuitos alimentares curtos e uma agricultura regenerativa.
- Avanços nas políticas sobre resíduos: ecodesign e redução de embalagens; suspensão das autorizações para importação de resíduos
O novo regime geral de gestão de resíduos abre novos caminhosno ecodesign das embalagens, mais reutilização, uso de embalagens próprias e da compra a granel e promove a incorporação de matérias-primas recicladas.A suspensão das autorizações dadas para eliminação, no âmbito dos processos de importação de resíduos, que contribui para uma estratégia nacional que promova os princípios da Economia Circular na política de gestão de resíduos.
- Aumento da procura de produtos locais, biológicos e no turismo rural e de natureza
O pânico gerado pela Covid-19 veio expor as fragilidades do sistema de produção e comercialização de alimentos, baseado nos chamados circuitos longos agroalimentares e, em contrapartida, conduziu a um aumento dos circuitos curtos agroalimentares, como os mercados locais ou da encomenda de cabazes entregues ao domicílio. É desejável que esta mudança de hábitos para uma aproximação entre produtores e consumidores seja duradoura, pois a produção agrícola exige planeamento e o esforço para responder ao súbito aumento da procura não venha a colocar os produtores locais numa situação vulnerável de dificuldade de escoamento. As restrições às deslocações e a fuga ao turismo massificado levou à descoberta por muitos portugueses das regiões do interior e da oferta de turismo rural e de natureza, sendo este um setor com grandes potencialidades ainda por explorar, e uma resposta social e económica. Contudo, terá de ser incentivada a vertente mais ecológica para salvaguarda dos valores de atração turística.
- Espécies em perigo recuperam
Este ano algumas espécies ameaçadas como o Lince -Ibérico mostram sinais de clara recuperação que este ano já conta com mais de 109 indivíduos A população atual é constituída em maioria por linces jovens com idades entre um e três anos e está centrada em Mértola e Serpa, mas existem pequenos núcleos ou exemplares dispersantes em Castro Verde e Almodôvar, no Alentejo, e Alcoutim, no Algarve. O Abutre-preto (Aegypius monachus), classificado como Criticamente em Perigo em Portugal, é uma espécie que tem o seu principal núcleo reprodutor no Parque Natural do Tejo Internacional. é um dos três núcleos reprodutores da maior ave de rapina da Europa em Portugal, juntamente com o Baixo Alentejo e o Douro Internacional, mas durante 40 anos não nasceram crias de abutre-preto no país, desde a década de 70. Criticamente Em Perigo e confinado a três núcleos reprodutores em Portugal, o abutre-preto continua a dar provas do seu regresso. Este ano no Tejo Internacional nasceram, e sobreviveram, 17 crias. Nesta época reprodutora foram confirmados 24 casais na área do Tejo Internacional, dos quais 23 reprodutores. A Águia imperial Ibérica (Aquila Adalberti) uma das aves de rapina mais ameaçadas da Europa, também aumentou a sua população reprodutora em Portugal para 24 casais, na Beira Baixa e no Alentejo, região esta que concentra a maioria dos casais existentes em Portugal.
- Fim da apanha noturna de azeitona em olivais superintensivos
Depois da Quercus ter solicitado ao anterior e ao atual Governo que tomasse medidas legislativas urgentes, no sentido de proibir a apanha noturna de azeitona por meios mecânicos nos olivais superintensivos da região do Alentejo, o Governo veio finalmente em 2020 reconhecer os impactes negativos desta prática e proibi-la em território nacional. A Quercus estimou, sob uma perspetiva conservadora e a partir de dados oficias, a morte de 70.000 a 100.000 aves protegidas por ano em Portugal.
[blockquote style=”1″]Perspetivas para 2021[/blockquote]
- Pacto Ecológico Europeu
O Pacto Ecológico Europeu manifesta a vontade da Comissão Europeia na neutralidade climática estimulando a economia, melhorando a saúde e a qualidade de vida das populações, o qual integra diversos documentos, como a Lei Europeia do Clima, o plano de ação para a economia circular,a estratégia «do prado ao prato» e a Estratégia Europeia para a Biodiversidade, com o lema muito oportuno: “Trazer a natureza de volta às nossas vidas”. Um grande desafio será a coerência entre as políticas setoriais e passar das intenções às práticas concretas.
- Década do Restauro dos Ecossistemas 2021-2030: Melhor gestão do território!
A Quercus reforça a necessidade de uma visão integrada (holística) e uma boa fundamentação técnica para uma intervenção ponderada e coerente no território nacional. Pior que o erro é insistir no erro! No contexto da Década do Restauro dos Ecossistemas 2021–2030 declarada pela ONU, impõe-se acima de tudo inverter o ciclo de mais perturbação e destruição da Natureza e dar prioridade às «Soluções Baseadas na Natureza». Uma abordagem de permanente controle, além de um desperdício, está condenada ao fracasso!
- Ação climática em todos os setores!
O atual foco na energia das políticas públicas relacionadas com o clima deverá alargar-se de forma integrada a todos os setores para a indispensável coerência, com destaque para as políticas de gestão e ordenamento do território e do setor agroalimentar. É importante compreender a centralidade da própria natureza e dos seus ciclos, para uma compreensão mais integrada entre o esforço na redução de emissões e aumento do sequestro e dos serviços ecológicos. Além do contexto favorável a este processo trazidas pelo Pacto Ecológico Europeu e da Década do Restauro dos Ecossistemas, a Declaração de Glasgow lançada oficialmente no dia 14 de dezembro de 2020 desafia os governos locais e nacionais a assumir o compromisso para enfrentarem a emergência climática através de políticas alimentares integradas, ligando assim alimentação e clima.
- Fundo de recuperação da UE pós-Covid e Presidência Portuguesado Conselho da União Europeia– prioridade às pessoas e ao ambiente!
A Quercus espera que prevaleça uma visão integrada e vontade política para resistir ao poder dos interesses privados de grandes grupos económicos que têm conduzido à perda de condições de vida de muitas atividades económicas locais, desde o turismo rural, restauração, à agricultura e pesca das populações locais.
- 2021 Ano de eleições autárquicas: Ação climática que integre todos os setores, promoção da saúde pública e a biodiversidade
Para além de refletirem na ação local as políticas públicas de âmbito nacional e internacional, as autarquias locais têm autonomia e capacidade de liderar nos processos de mudança, como se tem verificado no abandono dos herbicidas em áreas urbanas.Também esta capacidade de liderança e transformadora das autarquias locais assumida através da Declaração de Glasgow será um apelo aos governos nacionais a agirem também no alargamento a políticas alimentares integradas para se enfrentar a emergência climática, como o apoio à produção local em modo biológico no fornecimento a cantinas escolares e programas de educação alimentar a toda a população em cooperação com atores locais, nomeadamente ONG.