Perdas e Danos, Mitigação, Adaptação e Financiamento Climático. Estes foram os temas centrais da Conferência das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas (COP27) que decorreu entre o dia 6 e 18 de novembro, em Sharm El Sheikh, no Egito. Como balanço final, a Associação ZERO e a Oikos constatam que as discussões foram marcadas pelos constantes apelos e reivindicações por maior ambição e justiça climática, culminando positivamente num acordo sobre a criação de um Fundo para Perdas e Danos.
Ainda assim, segundo estas Associações, o texto final não reflete a necessidade de eliminar gradualmente todos os combustíveis fósseis, condição essencial para assegurar um aquecimento não superior a 1,5°C em relação à era pré-industrial. “O incumprimento destas premissas significa que todo o financiamento climático corresponde a dinheiro que pode abrandar um pouco a nossa velocidade, mas mantém-nos na “autoestrada para o inferno” – é fundamental que se aproveite o ímpeto criado em torno da justiça climática, direcionando agora a luta para a tarefa árdua de garantir melhores resultados nestas frentes na COP28 nos Emirados Árabes Unidos”, lê-se no comunicado, divulgado pelas Organizações, que marcaram presença, desde o primeiro dia, na COP27.
Relativamente ao tema das negociações técnicas por parte das delegações dos países, em destaque na segunda semana da COP27, a ZERO e a Oikos lamentam, a “falta de liderança, transparência e preparação da Presidência egípcia que apresentou o primeiro esboço de um texto de decisão incipiente, pouco ambicioso e excessivamente tardio, que não refletiu a urgência da ação e atrasou em demasia o processo negocial, com documentos a serem revelados sem espaço para análise e concertação das partes e da sociedade civil”. Já as negociações políticas que se seguiram foram pautadas por “clivagens acentuadas entre países, sobretudo numa lógica de cisão entre o Norte e Sul Globais, apesar das advertências feitas pelo Secretário-Geral das Nações Unidas para que as Partes esquecessem as suas divergências e se unissem num esforço global e conjunto para evitar a catástrofe”, lê-se no mesmo comunicado.
A vitória final e devida do financiamento para Perdas e Danos
Segundo as Associações, a COP27 abriu com uma boa notícia que elevou os ânimos de todos aqueles que têm vindo a reivindicar financiamento para perdas e danos ao longo de vários anos (“a ideia foi originalmente apresentada em 1991, há 31 anos”) – pela primeira vez este item fundamental foi incluído na agenda. Contudo, no decorrer das negociações tornou-se evidente que “conseguir um fundo específico para perdas e danos não seria uma vitória fácil pela complexidade relativamente à disponibilização de financiamento, de quais os países que podem e devem assumir essa responsabilidade, e ainda quais devem ser recetores, num texto que no final aponta para os países menos desenvolvidos, pequenos Estados insulares em desenvolvimento, Estados africanos, mas não exclui à partida outros países em desenvolvimento”. Esta foi uma vitória histórica da sociedade civil, em particular das populações mais vulneráveis, que lutaram pela criação deste fundo. Tal será, de acordo com a decisão agora tomada, um “processo ainda moroso”, mas relevante, a par de outros meios de financiamento, afirma a ZERO e a Oikos.
As questões da mitigação, ou seja, a redução de emissões, têm também assumido um lugar de destaque nas negociações, sobretudo a discussão relativa ao limite de aumento da temperatura média global de 1,5ºC. Os mais recentes relatórios mostram-nos que estamos num caminho que está completamente desenquadrado deste objetivo, contudo, ainda é possível cumprir o 1,5ºC. De mais a mais, não podemos deixar de notar que o 1,5ºC não é um objetivo, é um limite (que não deve ser ultrapassado).
Em matéria de “mitigação” ou “redução de emissões” assistiu-se, no decorrer da COP27, a uma tentativa de “corroer a confiança neste limite”, apontando antes para o limite de 2ºC que está igualmente previsto no Acordo de Paris. “Países como a China e a Índia têm procurado evidenciar que o objetivo real do Acordo de Paris seria limitar o aumento de temperatura a 2ºC, sendo então possível cumprir com o Acordo se se alterasse a meta. Esta é uma tentativa verdadeiramente nefasta de justificar e prolongar a aposta em combustíveis fósseis e era, portanto, vital que se orientassem os esforços de mitigação no sentido de cumprir com o 1,5ºC”, refere o comunicado. Para as Associações, “aspetos cruciais da mitigação não foram consignados no plano de implementação de Sharm El Sheikh e não se progride em relação a Glasgow, como sejam o garantir um pico de emissões antes de 2025, a necessidade de metas mais ambiciosas de todos os países, ou o abandono progressivo ou definitivo dos combustíveis fósseis”.
Na área da energia, ambas as Associações constatam que a referência às energias renováveis fica “aquém do desejável”, abrindo caminho a “modos de produção insustentáveis”. Acresce ainda que, “esta COP27 e todos os países que nela participaram, também não estiveram à altura e não souberam defender o futuro da humanidade perante os interesses das grandes empresas de petróleo e gás. Não é à toa que esta COP acolheu através das delegações de diversos países mais de 600 lobistas de combustíveis fósseis”.
Financiamento climático
Em matéria de financiamento, a ZERO e a Oikos consideram que houve alguma relutância por parte de alguns países, incluindo a UE, de garantir que o dinheiro que os países falharam em entregar a partir de 2020, seja pago na sua totalidade até 2025. Na perspetiva destas Associações, a dívida deveria continuar a ser passada de ano para ano até ser saldada na totalidade, o que, na prática significa um total de 600 mil milhões de euros entre 2020 e 2025. “Infelizmente, a decisão da COP27 não inclui linguagem neste sentido, e continua a existir uma lacuna muito grande em termos de financiamento climático”, lamenta,-
Apesar da COP27 ter resultado em “avanços importantes no financiamento para perdas e danos”, a ZERO e a Oikos consideram que “continuamos na ´autoestrada do inferno` e o número de saídas que nos garantam um planeta habitável é cada vez menor”.
No que a Portugal diz respeito, estas Associações destacam positivamente o anúncio de uma contribuição de um milhão de euros para o Fundo de Adaptação a acrescentar aos quatro milhões incluídos no restante financiamento climático para mitigação e adaptação. Ainda assim, os montantes devem ser “revistos em alta” numa lógica de “trabalho conjunto com o governo no sentido de olhar para critérios que substanciem um valor justificado e equilibrado por parte do nosso país”, rematam.