A construção está entre os setores que mais contribuem para a emissão de gases para a atmosfera. No rumo à descarbonização, é fundamental desenvolver soluções que resultem em edifícios mais saudáveis, confortáveis e sustentáveis. Para tal, exigem-se metodologias, técnicas e soluções que promovam a economia circular e, assim, um setor capaz de gerar valor. A “Descarbonização, Economia Circular e Sustentabilidade na Reabilitação Urbana” foi mais um tema em destaque na VIII Semana da Reabilitação Urbana (RU) de Lisboa, que decorreu entre os dias 11 e 13 de maio em formato híbrido.
Num projeto que a Vanguard Group está a desenvolver na Comporta, a sustentabilidade e a economia circular são palavras de ordem: “São 1380 hectares e a preocupação assenta na aplicação das melhores técnicas ao nível da energia e da água”, começa por dizer José Cardoso, CEO da Vanguard. Dentro dos planos, está previsto o lançamento de um “programa vasto de construção em madeira”, com “novas tecnologias” de baixa intensidade de carvão: “Vamos promover a economia circular e criar um ecossistema de produção de alimentos e vamos desenvolver o tema das comunidades energéticas”, garante. Noutros projetos levados a cabo pelo grupo, a preocupação está também na “certificação green” em todos os edifícios.Em matérias de sustentabilidade, o CEO da Vanguard nota que há um problema de consciencialização: “Cada um de nós tem que sentir que isto é verdadeiramente importante. Sinto que estamos todos atrasados, em relação aos desafios que nos são colocados no futuro próximo”. E, por isso, é fundamental “dar passos” mais assertivos, sustenta.
[blockquote style=”2″]Agentes facilitadores para a introdução da mobilidade elétrica na cidade[/blockquote]
No equilíbrio entre “sustentabilidade” e “rentabilidade económica”, Pedro Vicente, administrador da Habitat Invest, sublinha a importância dos promotores imobiliários estarem à frente da legislação: “Estamos confrontados com um quadro ambiental e climático dramático”. Por isso, as empresas devem estar um “passo à frente” na legislação, “ou seja, que não estejamos à espera de ser confrontados com obrigações legislativas que nos vão ser limitativas num futuro próximo”. A Habitat Invest, em parceria com a Saraiva e Associados, está a desenvolver um projeto, em vias de certificação BREEAM, que assenta na “descarbonização dos edifícios”, mas num sentido mais lato e não tanto focado na construção em si: “Desejamos ser agentes facilitadores para a introdução da mobilidade elétrica na cidade. Alguns dos nossos produtos passarão a estar ligados à mobilidade elétrica, não só na forma como facilitamos e agilizamos o processo de carregamento de veículos elétricos a partir dos edifícios como também alguns edifícios estarão equipados com veículos elétricos”. Segundo o responsável, este projeto “é uma preocupação genérica que todos temos que interiorizar na atividade das nossas empresas e quem não seguir este caminho estará a atrasar-se irremediavelmente”, vinca.
[blockquote style=”2″]O caminho deve assentar no “bom senso” e no “compromisso” de todas as partes[/blockquote]
No desafio de “introduzir soluções sustentáveis”, Miguel Saraiva, CEO da Saraiva e Associados, considera que não é difícil: “Os arquitetos talvez tenham sido o veículo inicial de toda esta sensibilidade, ao nível da sustentabilidade”. Aliás, a “aproximação a esta tema técnico” foi “séria e realista”, que “criou um veículo de sensibilização” junto dos promotores imobiliários e das propriedades públicas: “É uma virtude para os promotores imobiliários e para a construção porque o processo de sustentabilidade vem desde a ideia até à exploração”. Trata-se assim de um “processo de continuidade” e, por isso, “todos os agentes envolvidos” têm um “papel ativo e bem definido” que é conduzido pela “arquitetura e engenharia” e consubstanciado pelas “opções dos promotores”, que são factuais com as empresas de construção: “A realidade, hoje, diz-nos que a mais-valia que nós criamos, em termos sociais, é tão grande que hoje ninguém coloca em causa fazer um projeto de sustentabilidade”, declara. Mas a sustentabilidade tem diferentes níveis de aproximação: “Quando fazemos uma reabilitação num edifício pombalino não é o mesmo que fazer num edifício dos anos 70”. Antes dos avanços no setor da construção, os arquitetos e os engenheiros trabalhavam com materiais na sua origem (madeira, ferro, pedra e vidro) como elementos-base da sua construção, explica o responsável, destacando que as “necessidades” atuais conduziram à introdução de outro tipo de materiais mais ligados ao ambiente: “Felizmente, há uma sensibilidade a esse nível da materialidade e o balanço começa a ser bastante positivo”. Mesmo estando longe daquilo que é pretendido, Miguel Saraiva defende que o caminho deve assentar no “bom senso” e no “compromisso” de todas as partes: “Hoje, os impactos das decisões, em termos de sustentabilidade, não são impactantes em termos de preços. Há uma vantagem nítida em oferecer uma forma de habitar mais sustentável e que se reflete também na saúde das pessoas”.
[blockquote style=”2″]Democraticidade de acesso na habitação, nos produtos ou no mercado[/blockquote]
Reaproveitar mais e injetar menos materiais novos é um desígnio para as empresas de construção: “Nós olhamos para as tendências que estão a acontecer, por força das circunstâncias, de forma antecipada até ao período da pandemia”, refere Paulo Carapuça, administrador executivo da Casais. Para o empresário, um dos problemas está nos “resíduos do setor da construção” que têm uma taxa de aproveitamento muito baixa: “Provoca um impacto naquilo que é a taxa de participação no carbono em termos globais, cerca de 37%”. Para tal, a aposta centra-se na “construção híbrida” e em “acompanhar todas as evoluções e tendências dos arquitetos”, criando “metodologias de funcionamento que atingissem escalas de rentabilidade maior, menor transporte e também algum pré-fabrico”, destaca.
E porque a sustentabilidade não se resume apenas ao ambiente, o gestor destaca o equilíbrio social: “A sustentabilidade tem também que ver com a democraticidade de acesso na habitação, nos produtos ou no mercado”. Para responder democraticidade de acesso, a Casais opta por “soluções modelares e mais simplificadas”, mas que respondem ao mercado de forma rápida: “Exige-se muito a integração, simplificação e parceria entre entidades públicas e provados”. E o facto de ser democrático “não quer dizer que não tem qualidade nem conforto”, declara. Também a questão da água é um tema indispensável: “Temos um ciclo de aproveitamento muito baixo e ainda não dividimos as redes”. Apesar dos “índices, indicadores de vontade e metas”, o setor enfrenta “impasses burocráticos e administrativos” que não consegue vencer: “É um grande desígnio”, declara.
[blockquote style=”2″]Nem sempre é possível ter um projeto perfeito do ponto de vista da sustentabilidade[/blockquote]
Para Vasco Appleton, partner da A2P, conhecer os edifícios não é fácil, exigindo aprendizagem e tempo, “mas, se nos mantivermos com o objetivo de sermos poupados e se quisermos reaproveitar a estrutura existente, conseguimos ir pelo caminho de produzir obras com muito menor impacto, do ponto de vista do gasto material e da geração do desperdício”. No entanto, há sempre limitações: “Nem todos os arquitetos têm esta filosofia de seguir o caminho da sustentabilidade”. Depois, surge a vontade do dono da obra: “Ainda há preconceito em relação à estrutura da madeira”, exemplifica. Outras das limitações tem que ver com a própria regulamentação que exige, cada vez mais, projetos muito bem feitos que cumpram com os requisitos: “Nem sempre é possível ter um projeto perfeito do ponto de vista da sustentabilidade, se quisermos cumprir estritamente com regulamentação. Esse equilíbrio nem sempre é fácil de atingir”. Ainda assim, a “comunidade técnica” está a saber enfrentar todas limitações impostas, destaca.
Numa perspetiva mais lata, João Menezes, secretário-geral do BCSD (Business Council for Sustainable Development) de Portugal, olha para a sustentabilidade como um “desígnio de competitividade e de resiliência da economia e dos modelos de negócios das empresas”. Aliás, é uma exigência crescente de todos: “As pessoas querem, através das suas opções de consumo, de investimento e de trabalho, ter um impacto positivo no mundo”, refere. Quando surgiu o conceito “sustentabilidade”, este começou por ser olhado como um “adereço ou despesa”, mas, atualmente, está a “transformar” a sociedade, as economias e os modelos de negócios das empresas a um ritmo muito idêntico à transformação digital: “Os dois vetores de transformação do século XXI serão a transformação digital e a sustentabilidade”, afirma.
Olhando para os desafios, João Menezes destaca a ideia de fazer “zoom out” do edifício para o território: “Problemas complexos precisam de soluções integradas e isso invoca os diversos players e uma dimensão mais vasta que é o território”. Para João Menezes, “não há sustentabilidade sem se trabalhar em conjunto e em prol da sustentabilidade”. Depois, tão importante, é avançar por “decisão voluntária”, isto é, “sem ter que vir o legislador a impor comportamentos obrigatórios por lei. Não é num ambiente com demasiado constrangimento legal que nós queremos desenvolver a sustentabilidade”, remata.