Um estudo liderado pelo Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos (CIBIO-InBIO) da Universidade do Porto concluiu que os conflitos armados estão a provocar a extinção de animais selvagens ameaçados no deserto do Saara-Sahel, adianta a Lusa. A zona do Saara-Sahel compreende partes da Argélia, Burkina-Faso, Chade, Egito, Eritreia, Líbia, Mali, Marrocos, Mauritânia, Níger, Nigéria, Senegal, Sudão e Tunísia, locais onde ocorrem 5% dos conflitos mundiais, indica um estudo do CIBIO-InBIO divulgado.
Segundo nota informativa do centro, o aumento do acesso a áreas anteriormente remotas, da disponibilidade de armas de fogo e das atividades de exploração de recursos naturais (sobretudo na Argélia, Egipto, Líbia e Níger) durante o século passado, “amplificaram dramaticamente o impacto das atividades de caça”. Em consequência disso, dos 14 animais vertebrados de grande porte que existem na região, 12 estão atualmente classificados como “extintos na natureza” ou “ameaçados de extinção”.
De acordo com o CIBIO-InBIO, esta situação tem vindo a agravar-se devido ao aumento dos ataques de grupos extremistas, sequestros, escravidão e contrabando de armas e drogas. Este estudo, publicado recentemente na revista científica “Conservation Letters”, comparou dados dos conflitos com a distribuição de três animas de grande porte que existem no deserto do Saara-Sahel: a gazela-dorcas, o adax (espécie de antílope em perigo crítico de extinção) e o elefante africano.
Nos casos da gazela-dorcas e do elefante africano, a investigação mostra uma “associação clara” entre a redução desses animais e o aumento dos conflitos, enquanto no caso do adax há uma associação com a exploração petrolífera. Estes padrões são “representativos do declínio catastrófico da vida selvagem na região”, indica o investigador do CIBIO-InBIO José Carlos Brito, citado no comunicado.
Os dados mostram igualmente que os abates ilegais aumentaram dois a três anos após terem eclodido os conflitos na Líbia e no Mali e que, no sul do Saara-Sahel, onde os conflitos duram há mais tempo e onde a população e a rede viária são mais densas, os animais de grande porte foram “quase exterminados”. As soluções para a conservação da biodiversidade no Saara-Sahel passam pelo incentivo à valorização da biodiversidade, pelo uso sustentável dos recursos naturais e pela criação de sanções, sendo “crucial” a consciencialização das comunidades locais para a importância cultural, económica e ecológica da biodiversidade, avança o investigador.
A nível internacional, apontou a necessidade de uma mudança de atitude por parte dos países que produzem e comercializam armas e munições. “É importante compreender o círculo vicioso estabelecido entre comércio de armas, conflitos, migração e risco de extinção das espécies selvagens. As interferências de países terceiros nas zonas de conflito, como o caso das ações militares da União Europeia e Estados Unidos no conflito da Líbia, não consideram os riscos e consequências a longo prazo para as populações humanas e biodiversidade”, refere.
A integração da proteção ambiental nas estratégias de paz, o desarmamento de civis, milícias e grupos extremistas, assim como a restrição à aquisição de armas e munições são algumas das medidas a curto prazo para reduzir este problema. “As autoridades religiosas islâmicas, em particular, têm a credibilidade para reformular as atitudes éticas em relação à biodiversidade e para incutir modos de vida favoráveis ao meio ambiente”, defende José Carlos Brito.
A longo prazo, salienta a importância de um equilíbrio entre a conservação ambiental e o desenvolvimento socioeconómico.No entanto, para tal, é fundamental que os “cientistas empenhados na conservação colaborem com agentes políticos e investigadores focados na vertente militar, em busca de soluções inovadoras para os desafios que se colocam às regiões em conflito”.
Da equipa do CIBIO-InBIO envolvida na investigação fazem parte Duarte Gonçalves, Maria Joana Silva, Fernando Martínez-Freiría, João Campos, Teresa Silva, Cândida Vale, Zbyszek Boratyski, Hugo Rebelo e Sílvia Carvalho, participando ainda investigadores de outras 21 instituições.
*Foto de Reuters