“Comprar novo é mais barato do que reparar?”
“Comprar novo é mais barato do que reparar”. Esta é ainda a forma de pensar de muitos cidadãos que, ao contrário de optarem pela reparação dos equipamentos elétricos, dão prioridade ao novo. Reconhecendo a problemática de que o lixo eletrónico representa já um dos fluxos de resíduos com o mais rápido crescimento do mundo – estima-se que a quantidade de E-waste gerada possa vir a exceder os 74Mt em 2030 – a União Europeia lançou, em 2018, o movimento Right to Repair, que se materializa através de uma “landing page” com uma manifestação contra fabricantes que começaram a impor barreiras que tornavam a reparação dos produtos cada vez mais difícil. Neste movimento estão presentes diversos grupos de reparação, ativistas ambientais, atores da economia social, defensores da autorreparação e poderá estar qualquer outro cidadão que deseje obter o direito à reparação e que acredite que os produtos devem durar mais tempo e, por isso, devem ser reparados.
Enquanto rede mundial de lojas especializadas na venda e compra de bens em segunda mão, a Cash Converters faz parte do movimento que defende a reparação por permitir que um produto que não está em fim de vida possa ter uma segunda oportunidade. Comentando o pensamento de “comprar novo é mais barato do que reparar”, Paulo Freitas, diretor de Recursos Humanos e porta-voz da Cash Converters em Portugal, é da opinião que, além de ser mais caro para as carteiras dos consumidores, é mais caro para o planeta, devido ao enorme impacto ambiental que tem: “A reparação, (ao contrário da aquisição de novos produtos) requer um diagnóstico e acompanhamento caso a caso e uma operação de reparação por um técnico especializado”. Contudo, o responsável reconhece que na União Europeia, os “regulamentos sociais, ambientais e tantos outros tornam a mão-de-obra mais cara” e, por sua vez, a forma como os produtos são concebidos torna a “reparação mais difícil e demorada do que era suposto”, tornando as peças “mais caras do que deviam ser” devido ao monopólio do fabricante: “Com a aplicação de um regulamento que preveja que as baterias incorporadas nos aparelhos possam ser facilmente removíveis e substituíveis durante a vida útil do mesmo, será possível chegar mais facilmente ao objetivo de desmistificar e tornar mais barato o processo de reparação dos produtos”. Mas, além da medida referente às baterias, para mudar mentalidades, é preciso mais do que alterar sistemas de determinados produtos: “É preciso permitir a utilização das taxas de IVA para promover atividades de economia circular que visem, em particular, os serviços de reparação”, precisa.
Estas são precisamente algumas das medidas previstas no Right to Repair: “O movimento que pretende remover as barreiras existentes à reparação de produtos para que os consumidores tenham oportunidade de os reparar ou de os levar a um técnico da sua preferência que o possa fazer, sem que seja mais caro reparar do que comprar um equipamento novo”. Desta forma, será possível “estender o tempo de vida dos produtos” e, consequentemente, “travar a produção e acumulação de lixo eletrónico”, fazendo com que seja necessário criar medidas que estendam o tempo útil de vida dos produtos: “ O Right to Repair pretende assim aumentar e tornar mais acessível a sua taxa de reparação tendo em consideração, não só impactos financeiros, mas também os impactos sociais e ambientais que lhe estão associados”.
Para tornar a reparação de produtos mais fácil e barata, a iniciativa incorpora um conjunto de medidas que se prendem com a “obrigação dos fabricantes disponibilizarem peças de substituição quando necessário, permitirem o acesso a reparadores independentes quando o consumidor assim o desejar e também a garantia da standardização de peças para que se torne mais fácil aceder a reparadores independentes”, ao contrário do que acontece atualmente, em que é apenas possível reparar os produtos danificados em reparadores das marcas. Assim, os fabricantes terão de “produzir peças universais” e os “produtos terão sistemas abertos” nos quais se poderão remover peças quando necessário: “Tal não se verifica hoje em dia, já que, mesmo que tenhamos apenas uma peça avariada, o produto não pode ser reparado caso a peça não possa ser desintegrada do restante sistema, não permitindo o prolongamento da sua vida útil”, refere.
[blockquote style=”1″]”É sobretudo importante cultivar estes comportamentos desde o início – ou seja, formar as crianças e jovens desde cedo para a circularidade e para modelos de consumo mais inteligentes e conscientes”[/blockquote]
Desde que foi lançada, a iniciativa tem crescido bastante e, atualmente, conta com mais de 40 organizações ativas em mais de 16 países europeus. Apesar de ainda não existirem números relacionados com o movimento, em Portugal, esta iniciativa acaba por influenciar grandes e pequenos retalhistas a apostar em novas medidas que promovam a circularidade de produtos eletrónicos: “No nosso país, temos vindo a sentir uma crescente aposta nos negócios C2B, isto é, negócios como o da Cash Converters que promovem junto dos consumidores a venda de produtos que já não usam e a compra de produtos em segunda mão. Outro exemplo é também a Worten que se assumiu já como um possível reparador forte de produtos como estratégia para captar novos clientes”, exemplifica. Também o facto de ainda não haver uma “legislação nacional”, Paulo Freitas constata que há um caminho a ser delineado no país para promover medidas que serão benéficas para este movimento, sendo o Plano de Ação da Economia Circular em Portugal, um bom exemplo disso: “Neste plano, estão previstas medidas como a criação de instrumentos políticos que promovam o uso eficiente de recursos, a partilha de informação publicamente acerca da importância de um consumo mais circular, a promoção de iniciativas de investigação e desenvolvimento sobre esta matéria e ainda a intervenção, quando necessário, em instrumentos financeiros de modo a valorizar iniciativas nacionais que contribuam para a economia circular, como projetos como o Right to Repair”.
Mesmo com o Right to Repair a ser um impulsionador para a mudança de mentalidade, o porta-voz da Cash Converters não tem dúvidas de que a sociedade em geral tem um papel fundamental nesta transição, desde os Governos, escolas até às empresas: “É sobretudo importante cultivar estes comportamentos desde o início – ou seja, formar as crianças e jovens desde cedo para a circularidade e para modelos de consumo mais inteligentes e conscientes”. Esta é uma realidade que já acontece em países como a Finlândia ou a Holanda, onde são “dinamizados programas nas escolas que permitem que professores e alunos tenham contacto frequente com a economia circular”, tornando-os mais conscientes dos impactos ambientais da economia linear e agentes nesta mudança de paradigma. Além disso, é também importante os Governos tomarem um “papel ativo na construção de legislação e regulamentos” que venham “dar resposta aos desafios ambientais atuais e promovam comportamentos verdes junto da população”, sucinta.
[blockquote style=”1″]”…qualquer transição requer um grande investimento”[/blockquote]
Há um conjunto de riscos que Paulo Freitas quis alertar para o caso de uma “não mudança” de paradigma, chamando a atenção para os grandes impactos ambientais da produção de novos produtos, provocando catástrofes cada vez mais recorrentes, alterações climáticas, extinção de espécies, e, no limite, a extinção da própria espécie humana: “O Planeta Terra não aguentará muitos mais anos o modelo de consumo linear, massivo e compulsivo que temos vindo a adotar até aos dias de hoje”.
Ao nível das oportunidades que a reparação proporciona, as previsões da União Europeia, tendo em conta o Right to Repair, são de grandes impactos a nível económico, social e ambiental. Em relação aos impactos macroeconómicos, as previsões são de que sejam neutros, como “custos mais elevados para os vendedores e fabricantes em determinados setores”, mas “receitas mais elevadas devido ao aumento da procura noutros”, como por exemplo, no setor da reparação, para empresas de segunda mão e de remodelação. Em contrapartida, com a facilitação do acesso à reparação, “serviços e períodos de responsabilidade mais longos são suscetíveis de reduzir a necessidade dos consumidores de substituir bens com defeito por novos”, refere. Quanto aos impactos sociais, prevê-se que o Right to Repair encoraje comportamentos mais sustentáveis e incentive os consumidores a utilizarem os produtos durante mais tempo, a repará-los tendo em vista o prolongamento da sua vida útil e ainda promover a maior adesão à compra e venda em segunda mão: “Consequentemente, para quem compra será também uma forma de poupar na carteira”. Por outro lado, o movimento poderá impactar ainda a “criação de emprego”, já que “novas oportunidades de trabalho podem surgir em setores como o da manufatura e reparação”, afirma o responsável, destacando, os efeitos a nível ambienta, nomeadamente, na área da “eficiência de recursos e da redução de resíduos”.
E porque “qualquer transição requer um grande investimento”, neste setor a situação não é diferente: “Se é mais rentável para os fabricantes venderem novos produtos do que facilitar a reparação, só uma legislação e determinados apoios podem garantir que estes permitam ter os produtos reparados fornecendo as ferramentas e informações necessárias”. Por outro lado, existem ainda “bastantes mitos” no que diz respeito à economia circular que acabam por travar, de certa forma, o avanço desta transição: “Que os produtos em segunda mão não têm garantia, ou que não é seguro comprar em segunda mão ou que só compra em segunda mão quem não pode comprar novo”, exemplifica.
Defensora deste movimento, a Cash Converters, através do seu “Movimento Converters”, apela à mudança para hábitos de consumo mais inteligentes e conscientes e maior aposta dos portugueses na circularidade para reduzir os números de desperdício.
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