O primeiro trimestre do ano já terminou e a Europa parece correr contra o tempo quando o tema é sustentabilidade. Desde a pandemia da Covid-19 à guerra na Ucrânia, são cada vez mais os desafios que se colocam aos setores da energia ou a alimentação. Fomos ao encontro de alguns municípios portugueses para perceber quais são as perspetivas para este ano nas várias áreas onde têm maior atuação.
“Um ano de enormes desafios e de oportunidades”. É assim que Laura Rodrigues, Presidente da Câmara Municipal de Torres Vedras, perspetiva 2023: “A gestão da energia, da água e dos resíduos estarão no centro da atuação do Município, com a implementação de medidas e projetos alinhados com a Agenda 2030”, afirma. Devido ao aumento dos preços, a autarca lembra que a gestão da energia representa “um desafio ambiental” e “financeiro”, num concelho onde “os gastos com iluminação pública são significativos, dada a grande extensão do território”. No entanto, o atual contexto é também visto como uma oportunidade num “território apelativo para a implementação de soluções de produção de energia renovável”. Aliás, “somos dos municípios que apresentamos um dos maiores índices de produção de energia eólica a nível nacional”, precisa. A gestão da água é outro dos grandes desafios, considerando que “garantir um território resiliente, o bem-estar social das comunidades e a gestão sustentável do recurso são tarefas exigentes”, aponta a autarca. Por isso, o município desenvolve desde 2019 uma gestão sistémica do Ciclo Urbano da Água, apoiando o desenvolvimento do Plano de Controlo de Afluências Indevidas pela Águas do Tejo, cujo objetivo é “reduzir as afluências indevidas de pluviais ao sistema de drenagem e de tratamento de águas residuais”. As primeiras obras vão arrancar este ano. Em desenvolvimento, encontra-se também uma “análise do sistema de águas pluviais face ao sistema de águas residuais”. O Município integra também o projeto “Água +”, da Águas do Tejo Atlântico, assumindo um “claro compromisso na gestão circular do recurso água: este projeto visa a reutilização da água residual tratada na Fábrica de Água de Torres Vedras (ETAR de Torres Vedras) ou outras unidades existentes no território para diversas utilizações, com particular foco na utilização desta água para a rega de espaços verdes e plantações agrícolas”. Neste âmbito, foi já celebrado um protocolo para “avaliar a possibilidade de reutilização de “água+” das Fábricas de Água existentes na Bacia do Alcabrichel e na Bacia do Sizandro para a rega de plantações agrícolas no nosso território”, acrescenta.
Laura Rodrigues destaca também as Comunidades de Energia Renováveis: “Os cidadãos que se encontrem numa relação de vizinhança próxima, além de produzir e consumir energia, poderão ter atividades de partilha, armazenamento e de venda da energia excedente”, algo que contribuirá para “reduzir as emissões de CO2, garantir a independência energética e permitirão atuar ao nível do combate da pobreza energética”. No setor dos resíduos, a autarca acredita que 2023 será um ano de mudança, com a “implementação de um sistema de recolha seletiva de biorresíduos por proximidade”, através do projeto “Torres Vedras + Bio”, que abrangerá os cerca de “13 mil habitantes” da cidade. Assim, “serão instalados cerca de 160 contentores para utilizadores domésticos e 140 contentores para utilizadores não-domésticos”, explica a autarca, acrescentando que, no primeiro ano do projeto, o objetivo é “recolher e encaminhar para valorização orgânica 1.115 toneladas de biorresíduos”, e para os anos seguintes, “pretende-se atingir as 2.453 toneladas/ano”. Ainda em 2023, o Município dará continuidade à rearborização e arborização com espécies autóctones das propriedades municipais e de Juntas de Freguesia e o estabelecimento de diretivas no Plano Diretor Municipal que “possibilitem o ordenamento dos espaços florestais e a sua adaptação às alterações climáticas”.
“Continuar o alinhamento do Município (de Braga) ao Desenvolvimento Sustentável”
Perspetivando 2023, Ricardo Rio, Presidente da Câmara Municipal de Braga com o pelouro do Desenvolvimento Sustentável, acredita que o “foco coletivo do mundo” está a ser canalizado para a “sobrevivência” das crises atuais que irão afetar o setor agrícola, mas também os setores alimentar e energético, com repercussões no custo de vida, polarização social e política. Para lidar com estas dinâmicas globais, o município bracarense entende que a sua política de implementação e persecução dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e a Agenda 2030 será a solução: “A superação de muitos dos desafios depende dos Municípios e Governos locais, que estão bem posicionados para conhecerem e responderem diretamente às necessidades e aspirações das pessoas”. Desta forma, perspetiva-se “continuar o alinhamento do Município ao Desenvolvimento Sustentável a estas temáticas”, assegura.
A título de exemplo, o Município tem no seu portfólio um conjunto de projetos ligados à Agenda 2030, como é o caso do “Baterias 2030”: “Este projeto está focado no desenvolvimento de tecnologias aplicadas às baterias do futuro e à sua transferência para ambiente urbano”, criando “soluções disruptivas, fiáveis, sustentáveis, facilmente escaláveis, passíveis de serem integradas em toda a cadeia de valor e acessíveis ao consumidor”. No âmbito da água e dos resíduos, um dos principais projetos é a construção do emissário e da ETAR do Este. De acordo com o autarca, esta é uma “infraestrutura essencial para Braga”, pois irá permitir dar resposta ao “aumento da produção de águas residuais que se tem verificado nos últimos anos”, devido ao crescimento populacional registado na cidade, o que faz com que a ETAR de Frossos esteja perto de atingir a sua “capacidade máxima”. A obra representará um investimento de cerca de 30 milhões de euros, tendo uma comparticipação de 9 milhões de euros através do POSEUR. A implementação da coleta seletiva de biorresíduos é outro dos projetos que será realizado através da “distribuição de sacos de cor específicos e pequenos contentores destinados exclusivamente aos biorresíduos domésticos”, explica Ricardo Rio, acrescentando que “os sacos contendo os biorresíduos devem ser colocados nos contentores já existentes para os resíduos indiferenciados num sistema de co-coleta, sendo os resíduos separados na secção de triagem do operador em alta (Braval)”.
“Se nada for feito, vamos hipotecar o amanhã das novas gerações”
É com “muita responsabilidade” que o Município de Famalicão perspetiva o ano 2023: “Estamos seriamente preocupados com o futuro do território em termos de sustentabilidade e estamos a atuar em conformidade”, começa por dizer Mário Passos, Presidente da Câmara Municipal de Famalicão, reconhecendo que “o futuro se ganha hoje e que, se nada for feito, vamos hipotecar o amanhã das novas gerações”.
Ao nível de projetos, o Município tem em curso, desde o final de 2022, um Plano de Ação para a Transição Energética que visa “reduzir o consumo de energia em 30% no território até 2030”, através da “aplicação de mais de duas dezenas de medidas”. É certo que o Plano de Ação Climática será apresentado “em breve”, mas, no setor água, por exemplo, “fomos dos primeiros municípios do país a tomar medidas concretas para a necessidade de poupança de água e uma ampla campanha de sensibilização para a questão”. O autarca reforça também que, quanto à floresta, também está em curso o projeto “30 mil árvores para 2030”, uma nova meta ambiental traçada pela autarquia depois de atingida, em 2021, “a meta das 25 mil árvores até 2025”.
O papel dos Municípios na prossecução das metas que Portugal está comprometido
No entender de Laura Rodrigues, os municípios são determinantes na implementação de políticas de desenvolvimento sustentável e no alcance das metas previstas para os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) que compõem a Agenda 2030: “É inegável o papel de alavanca que a administração local detém no desenho e implementação de modelos de governança sustentáveis e inovadores e o poder que possuem para tornar os seus territórios atrativos”. No que toca ao posicionamento estratégico de Torres Vedras, a concretização da Agenda 2030 “é já uma realidade”, assegura a autarca, recordando, a este nível, o “reconhecimento obtido pelo Município, que já recebeu dois prémios ODSlocal, em 2021 e em 2022”. Laura Rodrigues reforça ainda o interesse da Autarquia na “promoção do desenvolvimento justo, equilibrado e com respeito pelo ambiente”.
Quem parece corroborar a mesma ideia é Ricardo Rio que não tem dúvidas do empenho das cidades na concretização dos ODS: “Sem elas, isso não será possível”, tendo em conta que, segundo um estudo publicado da OCDE, “65% dos objetivos dependem das cidades. Os ODS fornecem uma oportunidade sem precedentes para alinhar agendas a nível global, nacional, regional e local, promovendo a coerência das políticas para o desenvolvimento sustentável”, reforça o autarca. Ricardo Rio reconhece que, até recentemente, faltava à União Europeia um “forte compromisso com os ODS na sua narrativa e governança”, bem como no “apoio às cidades para a sua implementação local”, algo que tem mudado: “2023 será um ano importante para a União Europeia e para Portugal levar esta agenda em frente, com a preparação da Revisão Voluntária sobre os ODS e ainda com a apresentação deste relatório na Cimeira que as Nações Unidas vão realizar em setembro”.
Já do lado de Famalicão, o Plano Estratégico Famalicão 2030 é um documento “estruturante e definidor” que respeita os “compromissos eleitorais e alinha a estratégia municipal com as prioridades e recursos das estratégias internacionais e nacionais”, considera Mário Passos, reforçando que “só com este alinhamento poderemos construir um território coeso e harmónico, tanto a nível local, como regional e nacional. Será determinante o papel das autarquias”, sustenta.
*Este artigo foi incluído na edição 98 da Ambiente Magazine