“Cobertura dos gastos deficiente promove comportamentos pouco responsáveis na prevenção e reciclagem”, alerta ZERO
A ZERO (Associação Sistema Terrestre Sustentável) teve acesso aos dados que constam no Relatório Anual dos Serviços de Águas e Resíduos em Portugal (RASARP 2020), produzido pela ERSAR (Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos), que caracterizam o setor dos resíduos urbanos no ano de 2019. Os dados demonstram que os “municípios subsidiaram os custos com a recolha e tratamento dos resíduos urbanos num valor muito próximo de 100 milhões de euros, desviando recursos financeiros que poderiam ser aplicados em investimentos prioritários nas áreas ambientais e sociais”, lê-se no comunicado da ZERO.
Pela análise dos elementos disponibilizados, a associação ambiental constata: “Diz-se que a evolução média do indicador ´cobertura dos gastos`, o qual avalia a sustentabilidade da gestão do serviço em termos económico-financeiros no que respeita à capacidade da entidade gestora repercutir os custos com a atividade nos utilizadores, é cada vez mais insatisfatória, passando de 86% em 2017 para 83% em 2019”.
É neste contexto que 171 entidades gestoras apresentaram um “desempenho deficiente”, isto é, encontram-se com “valores de cobertura de gastos abaixo dos 90% ou superiores a 120% (9 das entidades cobraram valores desnecessariamente altos aos seus utilizadores), e apenas 53 apresentaram uma qualidade de serviço mediana ou boa, ou seja, com cobertura dos gastos entre 90% e 110%”. Segundo o comunicado da ZERO, “houve ainda 32 entidades gestoras que não prestaram qualquer informação relativa à cobertura dos gastos, incumprimento que não se compreende face às obrigações legais de reporte anual de dados à ERSAR”.
Acresce que pelo menos 52 municípios, principalmente situados no interior, optam por “não repercutir os custos da gestão dos resíduos urbanos nos seus munícipes”, uma situação que, segundo a associação “gera desresponsabilização e penaliza a prevenção e a reciclagem dos resíduos”, criando já a “curto prazo um problema financeiro para as entidades”, face à previsível subida de custos induzida pelo aumento da Taxa de Gestão de Resíduos, a qual “penaliza a deposição em aterro e a incineração, e aos investimentos que serão necessários para incrementar a recolha seletiva dos recicláveis, incluindo os biorresíduos”.
De acordo com a ZERO, esta é uma situação que necessita de ser resolvida pelos municípios que apresentam um “desempenho insatisfatório ao nível da cobertura dos gastos”, através da “definição de planos de recuperação progressiva do tarifário ao longo dos anos”, garantindo sempre a “introdução de tarifas sociais para os utilizadores económica e socialmente mais vulneráveis”.
Poderes da ERSAR têm de ser urgentemente reforçados
É perante este cenário “nada animador”, para o qual se exigiria uma “forte regulação”, que, diz a ZERO, se assiste à “aprovação de uma proposta” apresentada no Parlamento que “veio fragilizar a atuação da ERSAR, retirando poderes de fixação das tarifas e de aprovação de regulamentos tarifários, tanto nos serviços de águas e saneamento, como dos resíduos urbanos”.
A aprovação desta proposta do Partido Comunista Português com votos do proponente e do Partido Socialista, com votos contra das restantes bancadas parlamentares, no âmbito da votação do Orçamento do Estado para 2021, criou uma “situação caricata” em que, na prática, ao nível do território continental, “temos uma entidade reguladora que praticamente não tem poderes de regulação”, lê-se no comunicado.
A ZERO lembra que a ERSAR já “não possuía poderes de fixação de tarifas nos sistemas geridos pelos Municípios” e, agora, parece ter também ficado “impedida de o fazer nas restantes situações previstas nos seus Estatutos”.
Assim, e face a esta situação que contraria os princípios do poluidor-pagador (que obriga o responsável pela poluição a assumir os custos) e do utilizador-pagador (obriga o utente de serviços públicos a suportar os custos da utilização dos recursos, assim como da recuperação proporcional dos custos associados à sua disponibilização, visando a respetiva utilização racional) estabelecidos na Lei de Bases do Ambiente, a ZERO exige aos partidos políticos com representação parlamentar, bem como às duas deputadas não inscritas, a remoção do artigos 428.º e 429.º do Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro (aprova o Orçamento do Estado para 2021). A associação ambienta exige, igualmente, um “reforço dos poderes da ERSAR” em matéria de fixação das tarifas, de regulamentação e de fiscalização no âmbito dos serviços de águas e resíduos, alterando a Lei n.º 10/2014, de 6 de março (aprova os Estatutos da Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos), por forma a “garantir que nos próximos anos os indicadores com impacte ambiental revelem melhorias significativas”, atendendo que o país irá “enfrentar um desafio de enorme exigência no cumprimento das metas comunitárias de prevenção e reciclagem”, refere o comunicado.