As massas de ar quente de África que “invadem” a Península Ibérica, gerando ondas de calor como as que atingiram Portugal em 2018 e a Europa Central em 2019, aumentaram de frequência nos últimos 40 anos, concluem cientistas. A conclusão consta num estudo divulgado pela Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (UL), onde trabalham alguns dos cientistas que participaram na investigação, a ser publicada na edição impressa de dezembro da revista da especialidade Weather and Climate Extremes.
O estudo analisa dados desde 1948 sobre as “intrusões de massas de ar” quente do deserto do Sara na Península Ibérica, nos meses de verão, concluindo que foram cada vez mais frequentes e severas, sobretudo a partir de meados de 1970, com estes fenómenos a atingirem “latitudes cada vez mais a norte” na Europa.
A justificação pode estar numa correlação de fatores, como o crescente aumento da temperatura do ar e “alterações nos padrões atmosféricos”, provocadas pelo aquecimento da atmosfera, adiantou à Lusa o autor principal do estudo, Pedro Sousa, investigador do Instituto Dom Luiz da Faculdade de Ciências da UL.
Nas regiões da Península Ibérica e do Mediterrâneo, as ondas de calor surgem frequentemente associadas às entradas de ar do norte de África, devido à proximidade territorial, mas nem todas têm a mesma “assinatura”, uma vez que podem estar envolvidos outros fatores.
No caso, porém, das ondas de calor que atingiram a Península Ibérica em agosto de 2018 e em junho de 2019, os “dois eventos mais intensos e recentes” que foram analisados, “o principal motivo” que esteve na sua origem foi “uma intrusão muito marcada” de ar quente proveniente do norte de África, afirmou Pedro Sousa, especialista em climatologia e dinâmica atmosférica.
Em agosto de 2018, a onda de calor afetou a zona oeste da Península Ibérica, com “a massa de ar com caraterísticas desérticas” a entrar pelo “oeste peninsular”, chegando à região espanhola da Galiza, “algo totalmente inédito até essa ocasião”, descreve a Faculdade de Ciências da UL em comunicado.
Portugal continental não escapou a esta “invasão” de ar quente africano, tendo “muitos recordes absolutos de temperatura máxima” sido batidos, acrescenta o comunicado, exemplificando que a região de Lisboa teve valores da ordem dos 44ºC.
Em junho último, o ar proveniente de África atravessou a zona leste da Península Ibérica e chegou a grande parte da Europa Central, estendendo-se para norte.
O fenómeno, que não afetou desta vez Portugal, “causou temperaturas extremas que se estenderam do Mediterrâneo espanhol ao sul da Alemanha”, com França a registar pela primeira vez máximas acima dos 45ºC, assinala o mesmo comunicado.
No estudo participaram ainda investigadores do Instituto Português do Mar e da Atmosfera e da Universidade Complutense de Madrid, em Espanha. A equipa pretende em seguida avaliar cenários futuros com base nos dados obtidos.