Circularidade não é só um ganho para o ambiente, mas também para a economia, defendem especialistas
A taxa de circularidade em termos mundiais tem vindo a decrescer: em 2018, foi de 9.1% e, em 2023, é de 7.2%. Os números são bastante alarmantes e a situação agrava-se, com Portugal a estar bastante aquém em termos europeus. Este foi o ponto de partida para Luísa Magalhães, diretora executiva da Associação Smart Waste Portugal (ASWP), relembrar a importância de se transitar de uma economia linear para uma economia circular, onde a inovação e as novas tecnologias assumem um papel preponderante no setor dos resíduos.
O painel “Inovação no setor da embalagem e logística, numa perspetiva de circularidade” promovido na passada quarta-feira, 19 de abril, na Empack e Logistics & Automation Porto 2023, contou com Bruno Pereira, diretor de Economia Circular do Pólo de Inovação em Engenharia de Polímeros (PIEP), Marisa Almeida, responsável pela área do Ambiente e da Sustentabilidade do Centro Tecnológico da Cerâmica e do Vidro (CTCV) e Viviana Pinto, diretora de Economia Circular do Instituto de Ciência e Inovação em Engenharia Mecânica e Engenharia Industrial (INEGI). Coube a Luísa Magalhães a moderação.
Num mundo que enfrenta um conjunto de desafios, desde o aumento da população, as alterações climáticas até ao desperdício alimentar, cabe à sociedade tomar decisões que contribuam para a mudança de paradigma e, assim, alavancar a transição de uma economia linear para uma economia circular: “E aqui os plásticos têm já um papel importante nesta transição. E, no futuro, ainda mais”, considera Bruno Pereira.
Se as previsões indicam que a população vai aumentar, significa que terá de haver mais recursos disponíveis para dar resposta: “Aquilo que enfrentamos é que estamos a extrair recursos e, portanto, é importante que, quando se desenvolvam produtos ou soluções para a sociedade, se pense que o produto vai ter uma segunda e terceira vida e, que, no fim da utilização tem de ser reencaminhado para o sítio correto para que possa ser valorizado”. Neste processo, o responsável lembra os “enormes investimentos” em tecnologias ao nível da “reciclagem e mecânica que transformam o plástico”, dando-lhe uma segunda vida: “Temos de trazer as tendências e as inovações que necessitamos”.
Sobre plásticos o diretor de Economia Circular do PIEP assegura que o foco assenta precisamente na transição da economia linear para a circular, algo que não depende só dos “transformadores da indústria de plásticos”, mas também de toda a cadeia de valor: “O setor transformou-se por completo e não chega as empresas que produzem matérias-primas, temos que envolver o setor da indústria química e conseguir atingir a circularidade, mesmo naqueles produtos em que é difícil de ser feita a reciclagem mecânica”. Na cadeia de valor, Bruno Pereira destaca também a importância de se envolver os donos de marcas próprias, dando como exemplo as cadeias Continente, Lidl ou Mercadona, bem como o envolvimento das autarquias: “São, hoje, os locais onde é feita a gestão dos nossos resíduos”. Neste sentido, o responsável relembra que a circularidade de todos os setores é algo que é ambiental, mas também económico: “Quando falamos em circularidade ou na redução da pegada de carbono, se pensarmos que os resíduos que produzimos passam a ser matéria-prima do nosso território, vamos alavancar nova indústria, mais emprego e maior resiliência económica e social”.
“Mais de 50% da produção nacional vai para o estrangeiro, ficando difícil termos novamente o produto”
Numa altura em que o planeta enfrenta uma crise de matérias-primas seguida de uma crise energética, nunca foi tão importante a adaptação e o encontrar de novas soluções: “Aqui o vidro tem também um papel relevante” no que à inovação diz respeito. De acordo com Marisa Almeida, o vidro de embalagem é, intrinsecamente, dos materiais mais ubíquos e dos únicos 100% reciclável: “Com um vidro velho podemos fazer uma garrafa de vidro nova”. Ainda assim, tem os seus impactos e as suas questões de inovação: “Foi publicado, em março, uma proposta de matérias-primas críticas (cerâmica, vidro ou lítio) que, a nível mundial, vão ser escassas e, portanto, esta perspetiva de circularidade é muito bem-vinda”.
Como desafios, a responsável lembra que Portugal é um país exportador deste resíduo: “Mais de 50% da produção nacional vai para o estrangeiro, ficando difícil termos novamente o produto”. Por outro lado, acresce o fator da consciencialização da sociedade, onde é sabido que as metas de reciclagem do vidro ainda estão muito aquém, bem como da competitividade: “O preço do gás natural, no ano passado foi galopante e, este ano, [está] mais controlado, mas estamos com [uma situação de] inflação”, alerta.
“Matéria-prima secundária permite reduzir os custos das nossas empresas de 70 a 90%”
Já Viviana Pinto refere que, em matéria de Economia Circular, aquilo que “pretendemos é fechar o ciclo destas matérias-primas” que são descartadas: “É importante salvaguardarmos que as matérias-primas ganhem uma segunda vida. Se olharmos para as nossas cadeias de abastecimento, desde pandemia até ao contexto geopolítico, houve uma disrupção e o facto de conseguirmos fechar internamente o nosso ciclo (contexto nacional), permite-nos tornar a nossa cadeia de abastecimento mais resiliente, mais segura e menos dependente de fatores externos, salvaguardando a continuidade do nosso negócio”.
Segundo a responsável, é necessário ter em atenção alguns aspetos quando se pretende tornar a cadeia de valor e a cadeia logística mais circulares: “Olhando para o conceito circular “supply chain”, pensamos, em primeiro, como reduzir os impactos das matérias-primas e como vamos operacionalizar todo o nosso negócio, de forma que seja circular, tendo em conta as compras, as operações, o transporte desse produto, o descarte e a recolha para podermos voltar a integrá-lo num novo processo produtivo”. Assim, do ponto de vista da logística, há que ter em atenção a questão do transporte: “Quando olhamos para um modelo de negócio circular (…), vamos ter de ver a logística inversa de transportar novamente o produto até as nossas instalações” e também “para os processos produtivos, garantindo que vamos reaproveitar a matéria-prima e (..) como vamos incorporá-la na nossa produção”. Neste ponto, Viviana Pinto refere que “essa matéria-prima secundária permite reduzir os custos das nossas empresas de 70 a 90% e, em alguns casos, conseguimos integralmente substituir a matéria-prima virgem por secundária, eliminado os custos de compra dessa matéria-prima”.
Nesta ótica de circularidade, a diretora de Economia Circular do INEGI aborda ainda a quantificação de todos os impactos: “No momento em que estamos a conceber o produto e a desenhá-lo (…), temos que olhar para as alternativas de matérias, materiais e processos que podemos melhorar, de forma a termos uma otimização em termos não só de impacto ambiental, mas dos custos”. Ou seja, “traçar cenários comparativos e definir claramente o produto que vamos analisar, os processos produtivos que estão em causa, toda a energia que gastamos na produção ou avaliar a fase de descarte”, atenta a responsável, destacando a importância de se perceber “qual é o ganho de impacto ambiental e de custo nessa reutilização e reincorporação”.
Em jeito de conclusão, Viviana Pinto refere que a economia circular não assenta, apenas, numa perspetiva ambiental, mas também na otimização dos custos na produção e nas cadeias de valor.
A Empack e Logistics & Automation Porto decorreu nos dias 19 e 20 de abril na Exponor.