Cientistas da UCoimbra usam bactérias para impressão 4D mais sustentável
Uma equipa de cientistas da Universidade de Coimbra (UC) desenvolveu materiais para tornar a impressão 4D (quatro dimensões) sustentável e ecológica, baseada em celulose produzida por bactérias. O projeto abre portas a um sem número de aplicações, desde a medicina até aos transportes e setor têxtil, refere a UC num comunicado.
De acordo com a UC, a impressão 4D surge a partir da impressão 3D, acrescentando a dimensão tempo, permitindo imprimir objetos tridimensionais inteligentes, ou seja, objetos que, com o tempo e mediante estímulos externos, como a temperatura, luz ou pH, entre outros, mudam de forma.
“Da impressão 3D à 4D: poderá a celulose bacteriana fazer a ponte?” Esta foi a questão de partida para o desenvolvimento do projeto, liderado por Ana Paula Piedade, investigadora e docente da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra (FCTUC). Financiado, no valor de 250 mil euros, pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) e por fundos europeus (COMPETE 2020), o projeto conta com a colaboração do Instituto Politécnico da Leiria (IPL).
Para poder responder à questão, a equipa decidiu utilizar as bactérias como “ferramentas vivas” na produção de celulose, um polímero natural altamente versátil. À semelhança do que acontece em qualquer empresa, o processo de recrutamento e seleção é uma etapa fundamental. Assim, a equipa de Microbiologia Ambiental da UC que integra o projeto começou por identificar um conjunto de bactérias e selecionar as que demonstraram ter mais capacidade para a função. Para tal, recorreu à Coleção de Culturas de Bactérias da Universidade de Coimbra (UCCCB).
“Através da análise genómica, o grupo de microbiologia identificou as bactérias que possuem genes para a produção de celulose. Foi então escolhido um conjunto de bactérias, que foram posteriormente caracterizadas e testadas, tendo sido selecionadas duas estirpes”, explica Ana Paula Piedade.
Concluído este processo, a “fábrica” de bactérias iniciou a laboração até se obter a celulose necessária para produzir um material que possibilitasse a impressão 4D. “As celuloses obtidas foram misturadas com polímeros dissimilares (com propriedades diferentes de cada uma das celuloses) e, a partir daí, produzimos os biocompósitos e desenvolvemos os filamentos adequados à impressão 4D”, descreve a investigadora.
Contado assim, parece que foi um processo simples, mas não: “A equipa teve de efetuar diversos estudos e enfrentar muitos desafios complexos”, lê-se no mesmo comunicado. O maior deles, segundo Ana Paula Piedade, foi, e continua a ser, conseguir a “reversibilidade do material, ou seja, garantir que o mesmo material que assume diferentes formas mediante os estímulos externos é capaz de, por si mesmo, voltar ao formato original. A tecnologia 4D permite que o material se transforme e regresse depois à forma inicial”.
Superados os vários obstáculos e desafios, foram impressos com sucesso diferentes tipos de objetos, abrindo portas a uma vasta gama de aplicações. Por exemplo, produzir “dispositivos que possam atuar em locais onde não há eletricidade, dispositivos capazes de mudar de forma consoante a solicitação mecânica que têm, roupas inteligentes para atletas de alta competição, que regulam a transpiração em função da temperatura ambiente, dispositivos biomédicos, enfim, há um “mundo de possibilidades”, afirma a líder do projeto.
A tecnologia agora desenvolvida é sustentável e de baixo custo, porque as bactérias apenas necessitam de “comida” (que pode ser, por exemplo, resíduos alimentares) para produzirem celulose, e amiga do ambiente: “97% do material usado fica na própria peça que é impressa, ou seja, o resíduo produzido é mínimo e, mesmo assim, esse resíduo pode ser usado para a produção de mais filamentos”, refere Ana Paula Piedade.
Além disso, quer o material compósito, quer a celulose são completamente biodegradáveis e biocompostáveis. Outra grande vantagem de usar as bactérias, segundo o mesmo comunicado, é o facto de elas produzirem celulose pura, ao contrário, por exemplo, da celulose obtida das árvores, que exige vários tratamentos de purificação.
A cientista da FCTUC esclarece ainda que estas bactérias usadas para o fabrico de celulose não são patogénicas: “Pelo contrário, são fortes aliadas para tornar possível a impressão 4D. Não podemos esquecer que as bactérias resultam de milhões de anos de evolução, elas aprendem e adaptam-se”.
A fase seguinte da investigação vai centrar-se no desenho de estruturas para aplicações específicas, designadamente na conceção de dispositivos que possam tirar vantagem deste efeito 4D. “Vamos explorar diferentes abordagens para a fabricação de dispositivos 4D, pois é necessário pensar muito bem como é que vamos imprimir, definir a geometria do que se vai imprimir e otimizar processos que garantam o efeito de 4D”, remata.