Cientistas e diplomatas de 130 países abriram ontem, em Paris, uma reunião global sobre biodiversidade, deixando a mensagem de que “a destruição da natureza ameaça o homem tanto como as alterações climáticas e merece atenção para evitar impactos devastadores”, cita a Lusa.
A reunião internacional, sob a égide da ONU, decorre até sábado para adotar a primeira avaliação do ecossistema mundial nos últimos 15 anos, num “inventário sombrio da natureza, vital para a humanidade”.
“As provas são incontestáveis: a nossa destruição da biodiversidade e dos ecossistemas atingiu níveis que ameaçam o bem-estar da humanidade, pelo menos tanto quanto as alterações climáticas induzidas pelo homem”, afirmou, na abertura da sessão, Robert Watson, presidente da Plataforma Intergovernamental Científica e Política da Biodiversidade e Ecossistemas (IPBES).
O grupo de especialistas trabalhou durante três anos num relatório de 1.800 páginas que “deve tornar-se a verdadeira referência científica sobre a biodiversidade”, assim como as conclusões do Painel Intergovernamental para as Mudanças Climáticas já são para o clima.
“A palavra biodiversidade às vezes parece abstrata, mas diz respeito a todas as espécies animais ou vegetais que vivem no planeta, incluindo aquela que se coloca ela mesma em perigo ao destruir a natureza: a humanidade. E o homem não pode viver sem essa natureza, que lhe presta serviços de valor incalculável, desde insetos polinizadores a florestas e oceanos que absorvem CO2, até medicamentos ou água potável”, declarou Robert Watson.
O cientista considerou que, à semelhança do clima, “este mês de abril de 2019 pode marcar o início de uma viragem semelhante para a biodiversidade e as contribuições da natureza para as pessoas”. “Muitos esperam que esta avaliação seja o prelúdio para a adoção de metas ambiciosas na reunião de 2020, na China, dos Estados-membros da Convenção das Nações Unidas sobre Diversidade Biológica (COP15)”, afirmou.
Praticamente nenhum dos 20 objetivos previamente definidos para 2020, que visam uma vida “em harmonia com a natureza” até 2050 será alcançado, de acordo com o esboço do relatório obtido pela agência noticiosa francesa AFP, que será discutido, alterado e depois aprovado linha a linha pelos delegados, antes da sua publicação, prevista para 06 de maio.
“O património ambiental global (…) está a ser alterado a um nível sem precedentes”, adverte o texto. Um quarto das 100.000 espécies avaliadas — uma pequena porção das estimadas oito milhões existentes na Terra — já estão ameaçadas de extinção, sob pressão da agricultura, pesca, caça ou mudanças climáticas, acrescenta.
“Uma rápida aceleração da taxa de extinção de espécies” é esperada pelos cientistas, de acordo com o relatório preliminar, e entre 500.000 e um milhão podem estar ameaçadas, “muitas nas próximas décadas”.
“Este relatório é fundamental e recordará a todos nós esta surpreendente verdade: As gerações de hoje têm a responsabilidade de legar às gerações futuras um planeta que não esteja irreparavelmente danificado pelas atividades humanas”, disse Audrey Azoulay, diretora executiva da UNESCO, a agência das Nações Unidas que promove a reunião.
“A ciência diz-nos o que o nosso conhecimento vem a reportar há décadas: A Terra está a morrer”, disse José Gregório Mirabal, presidente da organização Coordenação das Organizações Indígenas da Bacia Amazónica.
“Pedimos urgentemente um acordo internacional para a natureza, para restaurar metade do mundo natural o mais rapidamente possível”, acrescentou, sublinhando que este relatório pela primeira vez leva em consideração as prioridades dos povos indígenas.
O texto liga claramente as duas principais ameaças de aquecimento e danos à natureza, identificando algumas causas semelhantes, em particular práticas agrícolas e desflorestação, responsáveis por cerca de um quarto das emissões de CO2, bem como danos diretos aos ecossistemas.
Contudo, admite que, “dada a escala das reformas a serem implementadas, que implicam uma verdadeira transformação dos estilos de vida num planeta cada vez mais populoso, a resistência pode ser ainda mais forte do que a da luta contra as alterações climáticas”.