Cidades: Os sete passos para serem mais sustentáveis

Atualmente, 55% da população mundial vive em áreas urbanas, mas a perspetiva é que esse valor cresça 70% até 2050, segundo as estimativas da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico. Esta tendência de crescimento reforça a necessidade de ferramentas que acelerem tal transformação. A pensar nisso o BCSD Portugal (Business Council for Sustainable Development) lançou o “Guia cidades sustentáveis – a transformação urbana em sete passos” para apoiar os decisores políticos no processo de transformação urbana em cidades sustentáveis e inteligentes. Desafiamos o BCSD a partilhar a sua visão acerca deste processo de transformação necessário, bem como a escolher sete cidades* que, numa ótica de sustentabilidade, já estão a dar passos significativos.

Sobre o guia, Maria João Coelho, Head of Sustainability Knowledge do BCSD Portugal, explica que o mesmo apresenta uma metodologia composta por sete passos, além de casos de estudo e da indicação de ferramentas úteis. De forma sintética, estes setes passos de transformação urbana para a sustentabilidade começam com a definição de “metas aplicáveis”, ou seja, “identificar as obrigações existentes aplicáveis a cidades” e das “necessidades locais”. O terceiro passo assenta no “benchmark,” ou seja, “mapear o que já se faz noutras cidades”. O “plano de ação” ocupa o quarto passo e assenta em “delinear um plano para o desenvolvimento sustentável da cidade”. Como quinto passo, Maria João Coelho destaca a “governance”, dotando as instituições com as “competências necessárias” para interagir com múltiplos stakeholders. Em sexto lugar está a necessidade “monitorização”, isto é, “medir a implementação face aos objetivos estabelecidos, através de um conjunto de indicadores”. E, finalmente, a “evolução”, definindo um “sistema periódico de avaliação e de revisão das prioridades estabelecidas”, sucinta.

Maria João Coelho, BCSD Portugal

Ao nível de desafios, a responsável constata que são vários os entraves sociais, ambientais ou de governança à sustentabilidade, desde logo a “criação de emprego e combate à pobreza e exclusão social”, a “adaptação a fenómenos climáticos extremos”, a “gestão das alterações demográficas e diversidade cultural” ou o “evitar conflitos e promover uma paz duradoura”. Um dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Agenda 2030 das Nações Unidas (ODS17) é precisamente “tornar as cidades e comunidades inclusivas, seguras, resilientes e sustentáveis”, vinca.

Ainda assim, neste processo de transformação das cidades, a sustentabilidade coloca em evidência “importantes oportunidades”, desde logo nas áreas de “mobilidade e transportes, planeamento e construção, energia e ambiente, tecnologia e inovação, e governança”. São oportunidades que contribuem para cidades “menos congestionadas, com recurso a transportes públicos e modos suaves de mobilidade”, proporcionando “uma melhor qualidade de vida para todas as pessoas”.

“Portugal é e será um dos mais afetados pelas Alterações Climáticas”

Ricardo Rio, CM Braga

“Fluxos urbanos instáveis, disrupção tecnológica constante, coesão social, alterações climáticas e o excessivo consumo de recursos”. Estes poderiam ser alguns dos “maiores riscos globais” que justificariam a razão para Braga, ou qualquer outra, ser uma cidade sustentável. Contudo, desde muito cedo que esta cidade se quis posicionar como sendo uma verdadeira “smart and trendy”, assente em dois eixos fundamentais: “Uma cidade inovadora baseada em sua dinâmica empresarial de base económica e tecnológica” e “uma cidade feliz que ganha forma pela qualidade de vida, dinâmica social, cultural e sustentável”. É assim que Ricardo Rio, presidente da Câmara Municipal de Braga, avalia a performance da cidade, lembrando que o “desenvolvimento económico” foi fundamental para “potenciar a criação de emprego, estimular o investimento sustentável e disseminar a cultura cosmopolita”: “Ser sustentável é algo intrínseco e Braga é sustentável porque alia todas as dimensões do seu conceito numa visão integrada”. Desta forma, Ricardo Rio incentiva outros autarcas a adotarem uma “agenda para a Sustentabilidade”, considerando ser uma oportunidade oferece um “roteiro de médio e longo prazo” para o desenvolvimento: “Aplicar políticas com base nos princípios da sustentabilidade ou até, mais especificamente, nos ODS17 constituem uma ferramenta eficaz para a concretização de altos níveis de qualidade de vida”, defende.  Ao nível do potencial do país, o autarca não tem dúvidas de que “Portugal é e será um dos mais afetados pelas Alterações Climáticas”, sendo uma realidade que, por si só, já deveria ser uma motivação.

“Envolver os diversos stakeholders da cidade na prossecução de um objetivo comum ambicioso”

Filipe Araújo, CM Porto

Quando rumamos ao Porto, é já visível a atuação da cidade, abordando a sustentabilidade de forma “integrada e holística”, algo que se reflete nas “múltiplas áreas de intervenção” que são promovidas na cidade, “desde a promoção da utilização do transporte público ao incentivo à mobilidade elétrica, dos investimentos na transição energética à promoção do bom uso da energia, da expansão dos espaços verdes e respeito pelo património arbóreo ao desenvolvimento da mobilidade suave, bem como do incentivo à ação climática capaz de descarbonizar a cidade à promoção de uma economia cada vez mais circular”, exemplifica Filipe Araújo, vice-presidente da Câmara Municipal do Porto, lembrando que “a cidade tem a ambição de atingir a neutralidade carbónica até 2030, pelo que o caminho só poder ser tornarmo-nos mais sustentáveis a cada dia que passa”. A premissa assenta na importância de se envolver os diversos stakeholders da cidade – “cidadãos, entidades públicas e privadas” – na prossecução de um “objetivo comum ambicioso” que coloque todos a contribuir para a mesmo fim: “A mudança será possível graças a um esforço concertado de todos. Foi isso mesmo que fizemos com o Pacto do Porto para o Clima”.

Transformação passa, inevitavelmente, pela “transição energética” nas comunidades

Um território de montanha como Seia enfrenta outros desafios, como a salvaguarda do meio ambiente e dos seus recursos naturais. Quem o diz é o presidente da Câmara Municipal de Seia, Luciano Ribeiro, destacando que, face a essa realidade, o município aderiu, desde o primeiro momento, ao adapt.local – Rede de Municípios para a Adaptação Local às Alterações Climática, centrando a sua estratégia num “equilíbrio consciente” entre as áreas ambiental, social e económica. Para o autarca, os princípios duma cidade sustentável assentam no desenvolvimento sustentável que é aplicável a “políticas públicas voltadas para uma cidadania ativa e para a construção de uma sociedade justa, inclusiva e de baixo carbono, racional e eficiente na utilização dos seus recursos”, que “conjugue a equidade entre gerações, a qualidade de vida dos cidadãos e o crescimento económico”. Assim, passa pelo “equilíbrio entre os domínios da governança, economia, social e ambiente”, defende. Nesta ótica, Luciano Ribeiro considera que a transformação das cidades portuguesas passa, inevitavelmente, pela “transição energética” nas comunidades: “O país reúne recursos naturais que devem ser valorizados com forte apoio às famílias e as empresas a para promoverem a sua autonomia energética”.

“A colaboração e cooperação é indispensável ao desenvolvimento sustentável que procuramos”

Laura Rodrigues

Torres Vedras é uma cidade sustentável porque é um “lugar atrativo para viver, trabalhar e investir”, mas também porque “proporciona equidade no acesso ao bem-estar dos seus habitantes”. De acordo com Laura Rodrigues, presidente da Câmara Municipal de Torres Vedras, a “garantia de qualidade de vida passa, precisamente, pela preocupação em conjugar a redução dos impactos ambientais dos sistemas urbanos com o fomento da coesão social e da competitividade económica”. Em paralelo, Torres Vedras procura “conjugar tradição com inovação”, algo que a autarca acredita que seja essencial para “cidades e comunidades mais sustentáveis”. Nesta ótica, Laura Rodrigues considera que os passos essenciais que uma cidade deve integrar para ser sustentável passa, desde logo, por “garantir o acesso de todos a habitação segura, saúde e educação de qualidade”, bem como a “todos os serviços básicos”, além de “acesso a sistemas de transporte seguros, inclusivos e a preço acessível para todos”, fomentando uma “mobilidade sustentável e universal”: Os municípios têm um papel insubstituível no que toca a esta transição”, sustenta a autarca, sublinhando a necessidade de “catalisar a transformação das cidades,” uma vez que este processo contribui de forma significativa para o “combate ao aquecimento global e para a melhoria da qualidade ambiental do ar, da água, do solo e do uso do”.

“As cidades destacam-se pelas suas singularidades”

Vítor Aleixo, CM Loulé

A sustentabilidade, no entender de Vítor Aleixo, presidente da Câmara Municipal de Loulé, é uma meta e um desafio que implica toda uma viagem com muitos atores e que ainda agora começou: “Estamos no início e, portanto, não, não somos ainda uma cidade sustentável”. Loulé quer tornar-se num “território sustentável” e, para isso, “trabalha há já vários anos, embora, de forma mais consistente e com intencionalidade política muito mais recentemente”, afirma. Dos vários momentos que têm posicionado a cidade no rumo à sustentabilidade, destaca-se a adesão do município à Agenda 2030 das Nações Unidas, através da Plataforma Municipal ODSlocal, que desafia práticas empresariais sociais e comunidades locais a olharem para as suas políticas à luz dos ODS17. Vítor Aleixo não defende que hajam princípios ou passos que vão determinar se uma cidade é ou não sustentável: “As cidades destacam-se pelas suas singularidades e é nesse pressuposto, do conhecimento profundo de cada território que deve estar focada a ação para a sustentabilidade”.  Mas o autarca defende três âmbitos transversais: “o conhecimento, a educação e sensibilização ambiental e a possibilidade de desenvolver sinergias locais para a ação concreta de toda a comunidade”. No entender de Vítor Aleixo, para que todas as cidades portuguesas estejam alinhadas rumo ao futuro mais sustentável, é essencial que seja “privilegiado o cumprimento dos ODS17”: “É a estratégia mais global de que dispomos, que requer uma ação à escala mundial de governos, entidades, instituições e sociedade civil para erradicar a pobreza, para um mundo mais sustentável e criar uma vida com dignidade e oportunidades para todos, dentro dos limites físicos do planeta”.

*Lisboa e Castelo de Vide não responderam até ao fecho desta edição

 

Este artigo foi incluído na edição 95 da Ambiente Magazine