A subutilização da capacidade instalada e a falta de enquadramento legal são algumas das questões que estão a deixar aquém a atividade dos dois Centros Integrados de Recuperação, Valorização e Eliminação de Resíduos Perigosos (CIRVER) portugueses, localizados no concelho da Chamusca. As conclusões são de um estudo encomendado à consultora 3 Drivers pelos CIRVER Ecodeal – Gestão Integral de Resíduos Industriais Perigosos e SISAV (Sistema Integrado de Tratamento e Eliminação de Resíduos), que permitiu fazer um balanço da atividade dos consórcios.
Em 2008, após uma chamada lançada pelo Governo para dotar o país de dois CIRVER, o Ecodeal e o SISAV foram os vencedores. Em causa estava o cumprimento do princípio de auto-suficiência estabelecido nas diretivas europeias sobre resíduos.
Mas, nove anos depois, os resultados divulgados não coincidem com aqueles que foram avançados de início. Confrontados com ganhos não tão significativos, o que acontece neste momento é que “algumas trabalham bem e outras mal”, dizia o general manager da Ecodeal, referindo-se à instalação de sete unidades de recuperação, valorização e eliminação de resíduos perigosos (RP) integrados em cada CIRVER, um dos requisitos incluídos em clásula.
Durante a apresentação dos resultados do estudo à imprensa, Manuel Simões garantiu que “algumas destas unidades estão subaproveitadas”, situação que justifica pela quantidade de resíduos recebidos, produzidos em Portugal, inferior à projetada. Realidade à qual acresce ainda o atraso da publicação da lei dos solos contaminados, agravada pela inexistência de um guia de classificação destes lixos, que resulta na classificação incorreta dos resíduos.
O mesmo considera a EGEO, representada pelo presidente da Comissão Executiva, Filipe Serzedelo, que reiterou as mesmas condicionantes à atividade dos CIRVER portugueses. O responsável aproveitou a ocasião para deixar um alerta: “Este é um setor com o qual não se pode brincar”.
Mas também da parte do Estado não dizem faltar esforço. Embora reconheça que existe “um controle muito apertado”, Filipe Serzedelo crê que esta opção tem tanto de pesada como de sensata, dado que “um resíduo perigoso não tratado ou tratado mal é uma bomba-relógio”.
Responsabilidades à parte, os primeiros passos foram percorridos em maio deste ano, um mês marcado pelo início da fase de teste das guias eletrónicas. Mas só a partir de 1 de janeiro de 2018 passam a ser obrigatórias.
Também presente na ocasião, António Lorena, consultor sénior da 3DRIVERS, sublinhou o contributo dos CIRVER não só para a resolução de passivos ambientais como também para evitar a importação de serviços.
Questionado sobre as características de mercado, a 3DRIVERS concluiu que “temos uma dinâmica de preços muito competitiva, tendencialmente mais baixa que a generalidade dos países europeus, e em linha com os mercados concorrenciais”, adianta o consultor. Também em quantidade de unidades, António Lorena frisa que “Portugal está bem apetrechado”.
Ainda assim, nota que foi “criada uma certa expetativa que está um pouco aquém”. O Ecodeal, por exemplo, conta atualmente com 25 colaboradores dos 50 previstos.
CIRVER exigem maior controlo dos operadores de gestão de RP
Contas feitas, sabe-se hoje que a diferença entre o estimado pelo projeto do concurso e o que se verifica são 200 toneladas de RP, de um total de 500 identificadas pela Agência Portuguesa do Ambiente (APA) e o Observatório dos CIRVER (http://observatoriocirver.apambiente.pt/) – que não são encaminhadas para os dois centros portugueses. “O preocupante é não saber onde elas estão”, lamenta Manuel Simões, que acrescenta: “Nós nem sequer sabemos se elas são geridas como RP”.
No mesmo contexto, segundo conclusões da 3DRIVERS, a existência de um maior número de entidades licenciadas para intermediação (134 empresas) do que propriamente a eliminação (11) ou valorização (19) dos residuos “abre caminho a possíveis desclassificações informais dos RP”, explica António Lorena.
“Nós temos todos os holofotes virados para os CIRVER”, considera Manuel Simões que, sobre a inexistência de regras vinculativas no mercado nacional de gestão de RP, pede “que as regras se apliquem a todos”. E frisa: “A única coisa que defendemos é que o controle dos outros operadores seja idêntico para eles como é para os CIRVER”.
2,5 milhões em contributos para a economia regional e nacional
Os contributos económicos dos CIRVER representam atualmente 24 milhões de euros anuais em prestações de serviços, de acordo com dados referentes a 2015. Ambos são responsáveis por assegurar 310 postos de trabalho e 17 milhões de euros de valor acrescentado bruto.
Na Chamusca, verificam-se igualmente benefícios para a região, a única do país que, na altura, aceitou estas instalações. Só no momento da instalação, umas das cláusulas do caderno de encargos do concurso obrigava a que os dois centros contribuíssem com um milhão de euros para a autarquia, atual detendora de 2,5% do capital social dos CIRVER.
Também em 2015 foram destinados 2,5 milhões em contribuições para o Estado, dos quais 600 mil foram atribuídos à Câmara Municipal da Chamusca.
Licenças renovadas nos mesmos moldes
“Gostaríamos de ter umas coisas diferentes, mas pensamos que é melhor que os moldes continuem como estão porque”, referiu Filipe Serzedelo sobre as licenças ambientais e de exploração, acrescentando que “apesar de tudo, é uma solução com que o país está bastante bem servido”.
Manuel Simões aproveitou o encontro para anunciar que a Ecodeal fez recentemente o pedido de extensão da sua licença ambiental, renovada até 2023. Também o SISAV tem a sua licença válida até 2018. Já a prorrogação da licença de exploração será solicitada, o mais tardar, durante o próximo ano.
*Este artigo foi publicado na Ambiente Magazine 75.