O Governo, pela segunda vez em escassas semanas, com base nas previsões do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA), mandou publicar em Diário da República um Despacho com a assinatura de diversos ministros, que “declara a situação de alerta entre as 00h00 de 27 de julho de 2020 e as 23h59 de 28 de julho de 2020, para todos os distritos de Portugal continental”. Esse despacho determina a “proibição de realização de trabalhos nos espaços florestais e outros espaços rurais com recurso a qualquer tipo de maquinaria”.
A CAP – Confederação dos Agricultores de Portugal falou com a ministra da Agricultura antes da publicação deste último Despacho, tendo em vista partilhar conhecimento e argumentos técnicos que, privilegiando a segurança, salvaguardassem a atividade agrícola. A Ministra não tomou em consideração o conteúdo do que lhe foi transmitido. Como tal, foi criada uma situação com consequências nefastas para a Agricultura, para a economia e para o emprego, sem que exista qualquer acréscimo ou benefício para a segurança ou para a prevenção de riscos.
Ora, no referido Despacho, não só não se distinguem os riscos associados aos trabalhos nos espaços florestais dos realizados nos espaços rurais como, de entre estes, não se distinguem o tipo de atividade ou de setor.
Adicionalmente, falta clareza ao conceito de “maquinaria”. A CAP tomou conhecimento, pela comunicação social, que as autoridades estão, para efeitos de fiscalização, a considerar veículos como tratando-se de maquinaria e a impedir, por exemplo, a apanha de melão na zona de Elvas, do tomate no Ribatejo, ou de uvas na Vidigueira e no Redondo. Que sentido faz proibir o tratamento e a colheita destes bens perecíveis, cujo risco de incêndio associado é praticamente inexistente?
A intenção de prevenir para melhor agir é positiva. Contudo, o medo e o desconhecimento não são bons conselheiros para quem tem por missão governar o País e tomar decisões em benefício da comunidade e da diversidade de realidades que a compõem. Os organismos públicos do Estado Português devem ter a capacidade técnica de orientar e sustentar decisões de natureza política com impacto na atividade agrícola e económica. Não terá sido o caso, desconhecendo-se quaisquer pareceres técnicos que sustentem que a Agricultura toda deve parar por causa do calor. Existe algum parecer técnico que tenha recomendado uma proibição desta natureza e extensão?
Os nossos governantes devem ser capazes de distinguir as atividades que comportam risco, das que não comportam qualquer risco. Da mesma forma, existem algumas atividades com risco, que praticamente desaparecem quando realizadas em horários com temperaturas reduzidas. Realidade esta que o referido Despacho ignora totalmente.
Todos temos vindo a assistir aos trágicos incêndios que vêm devastando o nosso país, com a lamentável perda de vidas humanas. Prevenir e combater os incêndios deve ser, evidentemente, uma prioridade da ação governativa e um esforço nacional coletivo que a todos convoca. Acontece que a proibição da atividade agrícola, nos termos deste Despacho, nada tem a ver com a proteção de pessoas e bens. É uma proibição baseada no medo e no desconhecimento, o que merece o nosso frontal repúdio.
Apelamos, por isso, às autoridades, para que, no cumprimento do Despacho, façam o trabalho que o Governo deveria ter feito e percebam se a uma determinada atividade em concreto está associado um risco efetivo. A apanha de melão e de tomate com um trator, ou o tratamento de uma vinha, não representam qualquer risco. Levado à letra, um pivot de rega num campo de milho não poderia estar a funcionar durante este período. O que, evidentemente, é um disparate.
Apela-se assim às autoridades que tenham o bom-senso que faltou a quem determinou esta proibição generalizada. As culturas precisam de ser cuidadas e os produtos agrícolas precisam de ser colhidos. Este despacho confunde tudo e, porque confunde tudo, proíbe tudo e trata tudo por igual. Mais: A atividade agrícola ordenada e com regras é um poderoso instrumento de gestão do território, que cria condições naturais que evitam a propagação dos incêndios. O setor não merece esta desconsideração e apela para que, em futuras declarações de situação de alerta, os despachos que venham a ser produzidos sejam mais claros e prevejam as atividades permitidas e os setores abrangidos, discriminando positivamente aqueles que não apresentem riscos. A CAP estará pronta para disponibilizar apoio técnico.