Os efeitos combinados da seca, do aumento dos preços da energia, combustíveis e matérias-primas e do conflito na Ucrânia trouxeram o setor agrícola português para uma situação de crise sem precedentes que requer uma intervenção imediata por parte do Governo e da Comissão Europeia. O alerta é da CAP (Confederação dos Agricultores de Portugal), que aponta a necessidade do Governo reconhecer a dimensão e amplitude desta crise e que responda com um Plano Estratégico de Resiliência Alimentar em articulação com a Comissão Europeia.
No passado dia 24 de fevereiro, essencialmente motivada pela situação de seca severa e extrema que se vivia em Portugal, mas não ignorando o início do conflito na Ucrânia, a CAP endereçou ao Governo um conjunto de mais de 30 medidas concretas, resultantes de um processo de diálogo com os seus Associados, para evitar a degradação da situação que o setor produtivo atravessava. “Não houve ainda resposta a essas propostas: cada dia que passa sem apoios concretos à produção são dias perdidos que condicionam o presente e o futuro do setor Agroalimentar”, alerta a Associação.
Todos os problemas que existiam há vinte dias agravaram-se com a guerra que se vive em território europeu: “os preços das matérias-primas dispararam e os aumentos com os custos da energia e combustíveis assumiram proporções insustentáveis para garantir a viabilidade económica de algumas atividades agrícolas”. Neste momento, com os atuais custos da energia e combustíveis e dos demais fatores que integram a cadeia de valor da produção, com destaque para os fertilizantes e para os alimentos para animais, é a própria produção nacional, de forma particular em algumas fileiras, que está em risco, alerta a CAP.
De acordo com Eduardo Oliveira e Sousa, presidente da CAP, “defendemos nesta reunião que a criação de um Plano Estratégico de Resiliência Alimentar para o setor, que acolha as medidas apresentadas pela CAP e, porventura, outras adicionais que o Governo entenda incluir, é a resposta adequada para fazer face às enormes exigências do atual momento. Estamos numa corrida contra o tempo e não estou certo de que o Governo compreenda inteiramente a situação de urgência em que nos encontramos. Sem viabilidade económico- financeira, os agricultores, em algumas fileiras, podem mesmo ter de parar a sua atividade. Precisamos, por isso, que este Plano tenha uma aprovação célere, sem prejuízo de algumas medidas poderem desde já ser colocadas em andamento”.
A CAP reitera a necessidade do Estado prescindir de lucro com os aumentos de preços verificados em todos os fatores de produção (se os preços sobem, o IVA arrecadado também sobe) e tomar medidas efetivas de redução dos preços da energia e dos combustíveis.
Governo tem de empenhar-se junto da Comissão Europeia
No passado dia 3 de março, numa reunião de urgência realizada em Bruxelas na sede do COPA (Comité das Organizações Profissionais Agrícolas), que é a maior organização do setor agrícola Europeu, a CAP pediu à Comissão Europeia que tomasse medidas de caráter não financeiro, tendo em vista obter derrogações sobre exigências da PAC (Política Agrícola Comum) que podem contribuir para mitigar esta crise gravíssima que o sector agrícola está a atravessar.
“A realidade agrícola portuguesa, sobretudo pelo contexto de seca, não é comparável com a realidade de outros países europeus”, constata a CAP, defendendo que “Portugal use todo o seu peso diplomático e político em Bruxelas para que não venha a sofrer os efeitos de uma catástrofe a curto prazo”.
Conjunto de medidas já apresentadas pela CAP à Comissão Europeia e que, no entender da Assoicação, Governo português deve apoiar:
- Reconhecimento, por parte da Comissão Europeia, da situação de catástrofe em que Portugal se encontra, para que seja possível tomar medidas de caráter excecional no âmbito da Política Agrícola Comum;
- De entre essas medidas excecionais, devem ser autorizados pagamentos diretos aos agricultores, para garantir que a produção não para;
- Derrogação para semear e pastorear a áreas de pousio, áreas que por exigência da PAC não podem ser utilizadas – a Alemanha, neste momento, já recuperou para a produção de careais cerca de um milhão de hectares de terras em pousio, para garantir o aumento do seu autoabastecimento
- Prever um apoio direto aos agricultores para alimentação animal – este apoio é determinante para que haja dinheiro para comprar rações, pois com o recente aumento de preços tornou-se financeiramente incomportável pagar a base da alimentação animal;
- Diminuição do período de retenção dos animais na exploração;
- Intervir no mercado através de compras centralizadas de matérias primas essenciais à produção (fertilizantes, por exemplo), mas também de cereais que estão na base da alimentação animal;
- Flexibilizar as regras para a importação de cereais oriundos de mercados terceiros;
- Permitir a alimentação de animais em regime de produção biológico com alimentos não biológicos – uma vez reconhecida a situação de catástrofe em Portugal, deverão ser aplicadas as derrogações;
- Adiantamento das ajudas da PAC aos agricultores;
- Medidas de investimento mais céleres e menos burocráticas – tais medidas podem e devem ser trabalhadas por forma a serem integradas no Plano de Recuperação e Resiliência para o setor Agro;
- Aumento do valor da regra mínima para permitir que os agricultores tenham acesso a linhas de crédito de longo prazo bonificadas para reporem a tesouraria.
A CAP defende um Plano Estratégico de Resiliência Alimentar, delineado em articulação com a Comissão Europeia, que inclua medidas concretas de apoio à produção: “Só assim seremos capazes de responder às enormes exigências que enfrentamos”.