Cabo Verde é considerado um lar seguro para as calhandras-do-raso
No passado mês de abril, a Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA), em conjunto com a ONG Cabo Verdiana Biosfera 1 e com a Direção Nacional do Ambiente de Cabo Verde translocou mais de 30 calhandras-do-raso, do ilhéu Raso para a ilha de Santa Luzia. A ação decorreu com sucesso e é não só um marco histórico na conservação, por ser a primeira vez que se translocam calhandras no mundo inteiro, mas também por ser um marco científico, visto que muitos investigadores vão seguir e estudar essa introdução num novo habitat. Esta ação foi financiada pela MAVA – Fondation pour la Nature e teve como parceiros várias outras instituições ao longo dos últimos anos.
A calhandra-do-raso é uma das espécies mais ameaçadas do mundo. Reside no pequeno ilhéu do Raso, em Cabo Verde, e é nestes 7 Km2 que vive toda a sua população. Em 2004, após vários anos de seca consecutiva, apenas 50 aves existiam neste ilhéu árido e seco e a espécie estava à beira da extinção. Desde então, vários esforços foram feitos para salvar a espécie e após alguns anos de chuva adequada (da qual a calhandra depende para se reproduzir) a população aumentou o suficiente para se mudarem alguns indivíduos para Santa Luzia. Nesta ilha onde outrora já existiram calhandras, a presença de água e de mais alimento permite que esta pequena ave possa encarar o futuro de forma mais risonha, pois terá melhores hipóteses de resistir a alterações climáticas e outras ameaças.
De 2013 a 2015, a SPEA, Biosfera1 e a RSPB desenvolveram um projeto financiado pelo Critical Ecosystem Partnership Fund (CEPF) com o fim de estabelecer um plano operacional abrangente para a remoção de espécies invasoras de Santa Luzia e estudar a viabilidade para a recuperação de habitats. Na sequência dos resultados iniciou-se em 2017 o projeto Desertas – Sustainable management of Santa Luzia Marine Reserve, com o apoio da Fundação MAVA, que visa a recuperação total e proteção sustentável dos habitats e da biodiversidade ameaçada das Áreas Marinhas Protegidas do Ilhéu Raso, Branco e Santa Luzia, um importante hotspot de biodiversidade no Atlântico norte.
A ação de translocação da calhandra-do-raso foi um dos principais marcos do projeto Desertas. Esta reintrodução ajudará a aumentar a resiliência da população a longos períodos de seca que têm vindo a aumentar com as mudanças climáticas globais. Neste contexto e considerando que a ilha de Santa Luzia apresenta um habitat adequado para sobrevivência da espécie, espera-se que as aves agora translocadas sejam o primeiro passo para que uma segunda população de calhandra-do-raso se possa futuramente estabelecer na ilha de Santa Luzia.