No 1.º Congresso Sérvulo ESG, falou-se sobre a bolsa de garantia prevista no mercado voluntário de carbono português, que pode vir a dissuadir possíveis participantes de desenvolverem projetos de carbono. Em causa está a reduzida cobertura de situações de reversão não intencional de emissões, tendo em conta a alta imprevisibilidade associada aos projetos.
Ana Luísa Guimarães, sócia da Sérvulo & Associados no departamento de Direito Público e corresponsável pela área de ESG, explicou este e outros tópicos à Ambiente Magazine, que quis saber como correu o debate acerca da gestão florestal e dos mercados de carbono.
A floresta assume uma posição de destaque no debate público português, intensamente marcado pela crise climática e pelos cenários catastróficos que os incêndios florestais provocam nos meses mais quentes do ano.
“Utilizar racionalmente os recursos florestais existentes” e “atingir o tão desejado equilíbrio entre as funções dos espaços florestais, a conservação de recursos e ecossistemas e a satisfação de necessidades sociais” são, por isso, questões que urgem ser respondidas.
A segunda parte do debate, no congresso, centrou-se na floresta enquanto ativo e nos meios disponíveis para o desenvolvimento dos projetos de carbono. Ana Luísa Guimarães observou os “testemunhos preciosos” de operadores económicos que participam noutros mercados voluntários de carbono, seja do lado de quem desenvolve e financia os projetos ou do lado de quem adquire os créditos de carbono.
“No desenvolvimento do mercado voluntário de carbono e na promoção de projetos de reflorestação e de transição para a neutralidade carbónica”, o financiamento tem um papel decisivo, para a responsável, que enumerou alguns mecanismos financeiros abordados no debate com “relevo para projetos florestais”.
“Os ‘green loans’, as ‘green bonds’, os derivados ligados a indicadores ambientais e os fundos florestais” são mecanismos que, apesar de não serem novos, assumem uma “relevância redobrada neste universo”, permitindo aumentar a escala e a viabilidade dos projetos.
Sobre o contexto legislativo, Ana Luísa Guimarães evidenciou a necessidade sentida pelos intervenientes para compatibilizar o decreto-lei português com “a proposta de regulamento europeu que estabelece um quadro de certificação da União relativo às remoções de carbono”. Em causa está, principalmente, a adequação ao quadro europeu de acreditação de auditores, cuja conformidade com o quadro nacional de qualificação poder ser posta em causa.
Na matéria da auditoria, também foi visível “o problema internacionalmente sentido” de falta de auditores que certifiquem os projetos e os créditos de carbono. Segundo Ana Luísa Guimarães, esta carência tem mesmo levado à “falta de eficiência” de alguns mercados.
Mas foi a bolsa de garantia prevista no decreto-lei apresentado pelo Governo foi discutida que levantou mais receio, tendo sido classificada como “problemática”. O objetivo desta bolsa é garantir a cobertura de situações de reversão não intencional de emissões, como os casos em que o benefício líquido de um projeto tem resultado negativo, ou quando o projeto é afetado por fenómenos naturais.
“Uma bolsa de garantia insuficiente pode gerar insegurança no lado da oferta dos projetos de carbono”
Nesta medida, “a bolsa de garantia é composta pela reversão de cerca de 20% dos créditos de carbono verificados gerados por um projeto, existindo tipos de projetos que reverterão apenas 10% dos créditos de carbono verificados que gerarem”, esclarece Ana Luísa Rodrigues.
Estas margens avizinham-se reduzidas, se considerada uma conjuntura com números previsivelmente reduzidos de projetos e créditos de carbonos, nos primeiros anos de mercado, e com uma cada vez maior frequência de grandes incêndios florestais em Portugal. Ana Luísa Guimarães refere que cenários como este “não só impedirão os projetos afetados de gerar créditos de carbono como ocasionarão reversões de emissões que consumirão a bolsa de garantia”.
Isso leva a responsável a acreditar que “uma bolsa de garantia insuficiente pode gerar insegurança no lado da oferta dos projetos de carbono”, dissuadindo possíveis investidores de financiarem e desenvolverem projetos.
Por fim, no congresso, foi debatida a possibilidade de regular o preço dos créditos de carbono. “Uma das posições preconizadas foi a regulação dos preços, para estimular a participação no mercado, nos seus primeiros anos”, adiantou Ana Luísa Guimarães, que acrescentou entretanto uma “outra das posições advogadas” que “tendeu no sentido oposto”. A solução acabou por ficar na fixação de um preço mínimo.
A gestão florestal e os mercados de carbono foram o tema do 1.º Congresso Sérvulo ESG. “A floresta como ativo vivo e os meios de financiamento disponíveis” foi o foco da segunda de duas mesas redondas. A primeira centrou-se no mercado voluntário de carbono português e no sequestro de carbono pela floresta nacional.
Por: Redação da Ambiente Magazine.
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