Boas práticas energéticas para uma melhor qualidade de vida

A TESE – Sem Fronteiras, Associação sem Fronteiras, está a promover a instalação de painéis fotovoltaicos em províncias interiores de Moçambique, promovendo uma forma sustentável de produção de energia e, com ela, ajudando a melhorar a qualidade de vida das populações. Carlos Meirinhos, Gestor Local da TESE Sem Fronteiras em Moçambique, explicou, numa entrevista à Ambiente Magazine, em que âmbito surgiu este projecto e como funciona. O trabalho da TESE Sem Fronteiras visa a sustentabilidade das infra-estruturas, principalmente de Energia, Água e Saneamento (especialmente resíduos) junto das comunidades mais desfavorecidas, com base no pressuposto de envolvê-las, envolvimento esse que garante a sustentabilidade das próprias iniciativas.       Como surgiu a ideia deste projecto?
Desde o início da sua existência que a TESE  Sem Fronteiras, até pela responsabilidade de ser membro dos Engineers Without Borders International, tem acumulado experiência na promoção de projectos de electrificação em meios rurais, concretamente em países africanos, por via de sistemas fotovoltaicos. Isto e o facto do projecto estar em linha com os projectos de electrificação rural  do Governo de Moçambique – para locais até hoje deficitários em fontes de energia, que não seja a biomassa (principalmente lenha) e o petróleo -, concertado com as políticas das Nações Unidas que pretendem atingir o acesso universal a energia em todo o mundo até 2030, faz com que surjam projectos de grande envergadura para instalações de sistemas fotovoltaicos. A necessidade de se controlarem essas instalações e, em simultâneo, de garantir que as mesmas perduram coloca a TESE na linha da frente para apoiar o Fundo Nacional de Energia (FUNAE) a certificar que as comunidades recebem o melhor serviço possível.

Em que consiste?
Inicialmente é preciso saber se as pessoas realmente querem e sentem os “avanços” que lhes vão ser propostos como necessários para as suas vidas. Depois é preciso garantir que todo o sistema funciona, sendo para isso fundamental que a comunidade se aproprie da infra-estrutura e a sinta como sua. É igualmente importante que o novo serviço seja pago mas através de um custo acessível aos diversos membros da comunidade e é fundamental que se garanta a passagem de conhecimento para que os usuários sejam capazes de realizar pequenas operações quotidianas de manutenção preventiva. Também não é descurada a necessidade de perceber os dinamismos locais, de mercado e os seus obstáculos, de modo a assegurar-se a existência de técnicos de grande manutenção e de peças sobressalentes. O reconhecimento das lideranças locais, muitas vezes consubstanciadas em comité remunerado de gestão das infra-estruturas é um dos pontos críticos de sucesso, tendo estes comités o papel de zelar para que as infra-estruturas se mantenham em funcionamento e de garantir a existência de um fundo de maneio para substituição de componentes (principalmente baterias). Também compete ao comité de gestão certificar que todos os participantes da cadeia de valor são justamente remunerados, de acordo com as possibilidades de quem paga e percebendo se é algo sustentável para todos. A segurança passiva e activa na defesa dos sistemas – com elevado valor no mercado paralelo – também faz parte daquilo a que chamamos o sistema integrado, onde mais do que o apelo à vantagem ambiental destas tecnologias, temos novas dinâmicas de envolvimento com repercussões diversas a nível social, económico e ambiental.

O projecto consiste na instalação destes painéis em localidades do interior de Moçambique. Mas estamos a falar exactamente de quantas instalações e localidades?
Para promoção de programas de alfabetização a crianças e adultos temos 250 escolas primárias (até à 7ª classe) a serem equipadas com TV e DVD em outras tantas localidades (como freguesias em Portugal). Acrescem 230 centros de saúde com outro sistema independente que permite manter um frigorífico a funcionar para conservação de medicamentos, especialmente vacinas. Somam-se também mais de 2.400 sistemas para casas e outros edifícios/infra-estruturas de interesse publico (furos de água, postos administrativos, iluminação pública, etc.). As instalações estão distribuídas de forma mais ou menos equitativa no que se refere a escolas e centros de saúde entre as províncias de Cabo Delgado, Niassa, Manica e Inhambane, sendo que para o caso das residências e edifícios/infra-estruturas de interesse publico o número é mais reduzido para Manica porque esta componente está a ser garantida por outro projecto. De referir que cada província tem, aproximadamente, três vezes o tamanho de Portugal.
  Qual o investimento feito para estas instalações? Tiveram algum financiador?
O investimento supera os 10M USD e o financiador principal é o Banco Mundial. No entanto, todos os envolvidos acabam por financiar o projecto a nível individual, como a TESE Sem Fronteiras, através de contributos não definidos no programa, especialmente ao nível de afectação dos seus recursos humanos.

Têm algumas parcerias para a realização deste projeto ou actuam sozinhos?
Estamos a trabalhar lado a lado com a empresa IT Power, que garante principalmente as componentes “mais técnicas” do projecto. A nível local trabalhamos com uma Organização Não Governamental que tem implantação em todas as províncias. Procuramos com isto garantir a passagem de conhecimento a organizações locais que possam futuramente desempenhar o papel da TESE Sem Fronteiras no país. Também existe uma estreita colaboração com o FUNAE, nomeadamente com suas delegações provinciais.

Qual o impacto que isto terá ao nível da qualidade de vida dos locais e a nível ambiental?
Muito embora a questão ambiental seja importante, Moçambique acaba por colocá-la em segundo plano porque, devido à grande dispersão das habitações, a única solução financeiramente viável para acesso a energia é o sistema fotovoltaico. A principal fonte de energia alternativa é a hidroelétrica, vinda da central de Cahora Basa – também ela energia limpa. A substituição desta fonte de energia pelas fontes de luz tradicional (baseada em candeeiros alimentados a petróleo, velas ou pilhas, no caso das famílias com mais rendimentos) tem um impacto ambiental muito positivo e introduz ganhos ao nível da saúde, pois as pessoas deixam de inalar fumos nocivos, fonte de doenças respiratórias. Outros benefícios são a possibilidade de novas dinâmicas de geração de rendimento, fruto da utilização dos sistemas instalados e os ganhos incalculáveis ao nível da educação e alfabetização, que trazem benefícios diversificados a todos os níveis. O acesso à energia promove mudanças incríveis nas dinâmicas destas comunidades, principalmente ao nível da qualidade de vida.

Numa altura em que a produção de energias renováveis e de aproveitamento dos recursos naturais atinge níveis estáveis em Portugal, estando até a produção de energia eólica já até um pouco saturada e sem espaço para desenvolvimento, a expansão passa por este caminho?
Existem muitos caminhos para as energias renováveis em todo o mundo, mas é precisa uma perspectiva global e pensar o negócio como um todo. Para a TESE Sem Fronteiras, mais do que desenvolver negócios, estes projectos colmatam desequilíbrios e, ainda que tenuemente, aproximam os mais pobres dos mais ricos. Existe espaço para o fornecimento de energia, assim como existe espaço para negócio, os projectos devem ser pensados para servir pessoas com características diferentes, necessidades diferentes e modus vivendus diferentes, que devem ser compreendidos. Para expandir nestes meios a melhor estratégia passa por crescer com modelos de negócios sociais, pensados para as pessoas e para perdurarem. Mudanças tão radicais não passam apenas pela venda do produto. Um exemplo de insucesso no campo dos sistemas pico fotovaltaicos tem sido a introdução de sistemas para alimentação de uma tomada (para rádio ou telemóvel) e um ponto de luz, cujo preço ronda os 75€, sendo que, na grande maioria dos casos, o rendimento mensal de uma família do meio rural em Moçambique não chega para cobrir este valor. Eventualmente, ao fim de seis meses de poupanças poderão conseguir obtê-lo mas após um a seis meses o sistema deixa de funcionar e as pessoas não sabem o que fazer, pois quem vendeu não forneceu qualquer tipo de garantia.
  Este projecto destina-se às localidades do interior de Moçambique. Planeiam fazê-lo em mais locais?
Sim, embora o trabalho da TESE Sem Fronteiras não se sobreponha aos planos nacionais do Governo. Aliás, gostava de reforçar que este é um projecto da responsabilidade do Fundo Nacional de Energia de Moçambique, que é esta é uma visão da FUNAE relativamente ao futuro da electrificação rural, nós estamos disponíveis para partilhar essa visão. Podemos acompanhá-la e ou complementá-la, mas sempre dentro e ao serviço das decisões estratégicas do Estado soberano de Moçambique, não fazemos duplicação de esforços nem somos indiferentes ao que o país quer para si. Existem, como referi, planos ambiciosos para Moçambique e a TESE Sem Fronteiras pretende participar neles de forma positiva, fornecendo mais-valias para que tudo funcione o melhor possível.
  Saiba mais sobre a TESE em: http://tese.trtcode.com/index.php/sem-fronteiras   Por Rita Bernardo”