Lançado em 2018 pela Fundação Oceano Azul e pela Fundação Calouste Gulbenkian, o Blue Bio Value é um programa de aceleração para empresas na área da bioeconomia marinha. Dirigido a startups nacionais e internacionais que desenvolvem produtos ou serviços que recorrem à biotecnologia azul e aos recursos marinhos, o programa vai já na sua terceira edição. Esta quinta-feira, realiza-se, em formato digital, o pitch final, onde 14 startups de oito nacionalidades vão ter a oportunidade de apresentar os seus projetos.
Em entrevista à Ambiente Magazine, Ana Brazão, gestora de projetos na Fundação Oceano Azul, refere que um dos objetivos de ambas as instituições passa por “contribuir para que Portugal se torne num pólo europeu relevante e inovador” no “desenvolvimento da mais moderna bioeconomia marinha”. Além disso, acresce o facto da “bioeconomia azul” ser vista pelas coorganizadoras como “crucial” na “resposta” a “alguns dos maiores desafios que o mundo enfrenta”. E uma das mensagens que se pretende transmitir passa pela necessidade da existência de um novo modelo económico: “Um modelo capaz de, por um lado, separar a curva do crescimento económico da curva da degradação de recursos naturais e, por outro, tornar soluções que sejam menos nocivas para o ambiente e economicamente viáveis e acessíveis”. Para a responsável, a bioeconomia azul é essencial nesse sentido: “Promove simultaneamente a conservação do oceano e a geração de riqueza assente em soluções sustentáveis a partir da utilização de biorecursos marinhos”.
O programa centra-se assim no “desenvolvimento” e “apoio de novos serviços e produtos” que constituam “alternativas sustentáveis” e “soluções inovadoras” para os principais desafios mundiais. Além disso, contribui para a promoção de Portugal neste setor, no sentido de “reter” e “atrair talento e conhecimento”. E neste processo, o Blue Bio Value é uma peça-chave: “Fornece ferramentas para novos projetos e promove o investimento, apoiando o crescimento de novas ideias na área da biotecnologia azul”, sublinha a gestora. Ao Acelerador, podem concorrer “todos os projetos inovadores nacionais ou internacionais” que representem uma “oportunidade de negócio” na área da bieconomia e da “biotecnologia azul: “Pretendemos atrair startups, pequenas e médias empresas ou projetos de investigação que já estejam em fase de produção de protótipo ou de lançamento”, refere.
[blockquote style=”2″] Criar condições para que os negócios cresçam e se fixem em Portugal [/blockquote]
Questionada sobre as vantagens que o programa pode trazer às startups, Ana Brazão destaca, desde logo, que o Blue Bio Value oferece uma “saída ou continuação” a “projetos de investigação e inovação” que, na maioria dos casos, “acabavam nos arquivos das universidades e centros de investigação ou, na melhor das hipóteses, num artigo científico”. Assim, este Acelerador permite que os “projetos” e “empresas” selecionadas “validem a tecnologia” que têm vindo a desenvolver, “adquiram competências de gestão” e “criem bases para o desenvolvimento de novos negócios, sustentável e economicamente viáveis, para que possam competir num mercado global”. Outra vantagem que este programa tem é o facto de criar condições para que os negócios “cresçam” e se “fixem” em Portugal. Isto é possível através do “acesso a uma rede única” de “mentores, nacionais e internacionais”, de “parceiros especialistas de várias indústrias” e de “potenciais clientes e investidores”. No final do programa, as startups vencedoras habilitam-se a “receber um prémio que pode chegar aos 45 mil euros”, valor esse que irá apoiar o “desenvolvimento dos seus projetos”, que poderão “utilizar na plataforma de serviços e infraestruturas nacionais: Blue Demo Network”.
[blockquote style=”2″] Mais de 120 candidaturas de projetos oriundos de mais de 30 países [/blockquote]
Ao longo destas três edições, o Programa Blue Bio Value recebeu e acelerou 42 empresas de 15 nacionalidades, de três continentes. Para a gestora, isso é determinante, no sentido em que estas startups “adquiriram competências de gestão de negócios”, “lançaram-se ao mercado”, “angariaram capital” e “ganharam motivação para continuar a investir”. Além disso, em dois anos, seis vencedoras investiram em Portugal mais de 90 mil euros” e “duas empresas estabeleceram a sua operação” no país. Nesta terceira edição, o programa recebeu o maior número de candidaturas de sempre: “Mais de 120 candidaturas de projetos oriundos de mais de 30 países”. Tudo isto leva Ana Brazão a afirmar que: “O balanço não podia ser mais positivo e motivador”.
Quanto ao futuro, esse é muito ambicioso. Além de continuarem com a componente da aceleração, a gestora destaca um outro foco: “Pretendemos fazer uma grande aposta na transformação de ideias e projetos de investigação em negócios reais, em produtos e serviços concretos”. A esta fase, a responsável chama de Ideação: “Pretendemos fazê-lo com as universidades e centros de investigação portugueses, incluindo as escolas de economia e gestão”. Este é um trabalho que já está em marcha: “Desenvolvemos, este ano, um projecto piloto com a Universidade de Aveiro e foi um enorme sucesso”, refere.
Já sobre os desafios e oportunidades que, atualmente, as startups enfrentam, Ana Brazão considera que, nesta área, são semelhantes a qualquer outra empresa: “Passa por encontrar um modelo que seja economicamente viável, encontrar clientes que estejam na disposição de gastar dinheiro com o seu produto ou serviço, chegar a esses clientes ou ser competitivos”. Além disso, estas empresas têm ainda uma motivação adicional, quando comparadas com outras: “Ao alcançarem sucesso, significa que estão a substituir uma solução menos sustentável e quanto mais estas empresas venderem, mais estão a contribuir para a sustentabilidade do nosso planeta”.
[blockquote style=”2″] Portugal com grande potencial na bioeconomia azul [/blockquote]
Já sobre a importância da bioeconomia azul no atual modelo económico, a gestora dá conta de que se trata de um setor com cada vez mais relevância na economia nacional: “Em 2016, contribuiu com 3% e, em 2019, o número subiu para 4%”. Além do “crescimento do peso económico do setor”, a responsável destaca, igualmente, o “peso que o setor tem vindo a ganhar, e que irá aumentar”, uma vez que a bioeconomia azul é “transversal a várias áreas que carecem de soluções mais sustentáveis”.
E Portugal está num bom caminho no que diz respeito à bioeconomia azul? Para Ana Brazão, o país tem um grande potencial e que se resume em 3C´s: “Conhecimento na área, com mais de 50 centros de investigação no campo das ciências marinhas”; “Capacidade humana e de recursos, já que existe talento e matéria-prima; e Cooperante, com parceiras coesas ao nível da UE e noutras latitudes, assim como vontade política demonstrada pelas estratégias nacionais”. Posto isto, é crucial “assegurar” que tal potencial possa “continuar a ser concretizado”, focando nos “fatores de atratividade que permitam captar e manter talento e ideias inovadoras em Portugal”.
[blockquote style=”2″] Urgência em desenvolvermos um novo modelo económico mais responsável [/blockquote]
Já sobre a Covid-19, Ana Brazão não tem dúvidas de que a pandemia “testou qualquer organização ao limite”, desde a “resiliência” à “gestão de incerteza” ou à “capacidade de adaptação” e “transformação dos desafios em oportunidades”. Simultaneamente, a pandemia “acelerou processos e transformações inevitáveis”, sendo mais evidente no setor da “digitalização” e da “bioeconomia”, relacionado com a “saúde e farmacologia”. No entanto, a necessidade de respostas sanitárias rápidas significou uma “alteração de estilo de vida involuntária” que, “acompanhada de uma crise económica”, pode “não representar uma alteração de comportamentos, consumos e produção duradoura, sustenta. E a mudança de paradigma já estava a acontecer e continuará, com ou sem pandemia: “Os consumidores ganham consciência e procuram alternativas e porque quaisquer soluções insustentáveis constituem cada vez mais um risco para investidores”.
E na área da bioeconomia, a pandemia forçou à reflexão sobre a “sociedade que somos e a que queremos ser”. Esta crise sanitária sem precedentes mostrou, acima de tudo que, enquanto espécie, “devemos deixar de acreditar que detemos pleno controlo de tudo o que nos possa afetar e de que somos superiores à natureza”, sustenta. E uma das lições que devem ser tiradas é a “urgência em desenvolvermos um novo modelo económico mais responsável”, que assegure um “crescimento com impacto positivo na sustentabilidade ambiental e do oceano”. E, neste contexto, Ana Brazão diz que é cada vez mais evidente o “enorme potencial da biotecnologia marinha para fornecer soluções aos mais variados setores e responder a necessidades de consumo à escala mundial”.