O BCSD Portugal foi criado há 20 anos, em plena mudança para o século XXI, numa altura em que um grupo de empresários portugueses percebeu que dois vetores iriam transformar profundamente as vidas, sociedades, empresas e economias: a transformação digital e a transição para a sustentabilidade. Desde então, o mundo mudou muito, mas a importância da transição para a sustentabilidade não só se confirma como se acentuou. Aliás, hoje, as empresas constituem 65 das 100 maiores economias do mundo, pelo que o seu papel é decisivo para a mudança de paradigma de desenvolvimento, não apenas pelos impactos das suas cadeias de valor ao nível das pessoas e do planeta, mas também pelo seu potencial de investimento e inovação.
É precisamente com os “olhos postos” na próxima década que o BCSD Portugal comemora os seus 20 anos com uma grande conferência. Nos dias 24 e 25 de novembro, a Estufa Fria, em Lisboa, vai ser palco de vários debates centrados no futuro. Em declarações à Ambiente Magazine, João Wengorovius Meneses, secretário-geral do BCSD Portugal, acredita no potencial dos especialistas convidados para a conferência, destacando que, não só contribuirão com “conhecimento e exemplos de iniciativas e casos bem-sucedidos” como podem “dar a motivação e a emoção, sempre tão necessárias para acelerar a ação”. Quanto à mensagem que querem transmitir durantes estes dois dias, é a da “importância das empresas para um modelo de desenvolvimento sustentável”, mas também que a década de 2020-2030 é única e urgente para que a transição seja bem-sucedida: “Tal passa por sermos bem-sucedidos a alcançar as diversas metas de caráter social e ambiental dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Agenda 2030 das Nações Unidas, do Pacto Ecológico Europeu e do Acordo de Paris sobre o clima”. A boa notícia é que “nunca houve tanto financiamento disponível”, tanto público como privado, para ajudar as empresas na transição para a sustentabilidade: “No caso da União Europeia, não só temos níveis de financiamento recorde para a sustentabilidade (ambiental e social), como temos cada vez mais fundos de investimento (private equity e capital de risco) e dívida (green bonds e dívida comercial) focados em investimentos e negócios sustentáveis”.
Questionado sobre como é que devem ser os modelos de negócio que garantam a sustentabilidade, João Menezes começa por explicar que, por exigência das várias partes interessadas – desde logo, clientes, investidores, trabalhadores e reguladores – as empresas do século XXI serão muito diferentes das empresas do século XX: “Para além do P de profit, os seus modelos de negócio terão de integrar também os P de purpose, planet e people”. Ou seja, ao longo dos próximos anos, as empresas terão de “acelerar bastante a sua transição para a sustentabilidade”, integrando os diversos aspetos ambientais, sociais e de governance – os ESG – nos seus modelos de negócio e cadeias de valor, precisa. E, mais do que sustentáveis, os modelos de negócio das empresas do século XXI deverão ser “regenerativos”. Para tal, terão de melhorar muito em vários aspetos-chave como a “eficiência e a circularidade” e ser mais “justos, inclusivos e transparentes”, sustenta, exemplificando com os “novos modelos de negócio próprios da economia da partilha, assentes na prestação de serviços”, algo que será “cada vez mais comum na generalidade das indústrias”, em vez da venda de produtos. Estes modelos de economia da partilha contribuem “para a otimização do uso dos bens e recursos naturais que estes incorporam e, assim, para reduzir os níveis de produção atuais. Os produtos que temos guardados em armários, garagens e arrecadações, que não usamos regularmente, constituem um desperdício de recursos naturais e uma pegada de produção desnecessária”, declara.
Contudo, também é certo que as empresas portuguesas têm tido diversos desafios nas últimas décadas, nomeadamente o da “incorporação de tecnologia e conhecimento para melhorar a produtividade”, o da “melhoria da qualidade e fiabilidade da sua oferta”, o da “conquista de mercados internacionais e deslocação para jusante na cadeia de valor” e, mais recentemente, o da “transformação digital”. Ora, para além de fazer face a estes desafios, as empresas têm agora de ser capazes de fazer a transição para a sustentabilidade: “Disso, dependerá a sua competitividade e resiliência num futuro cada vez mais próximo”, afinca. Mas, se, por um lado, “as empresas já perceberam que as suas partes interessadas estão cada vez mais empenhadas na sua transição para novos paradigmas de produção, de modo a poderem adotar novos paradigmas de investimento, consumo e trabalho”, por outro, “muitas delas ainda sentem grandes dificuldades na adoção de modelos de negócio mais sustentáveis ou, mesmo, regenerativos”. Desta forma, é importante que as empresas encarem a transição para a sustentabilidade como uma jornada e um processo: “Começa por ser necessário ter uma equipa e fazer um diagnóstico, de modo a, posteriormente, se poder começar a desenhar uma estratégia para a sustentabilidade”. Tipicamente, “as primeiras ações de transição para a sustentabilidade serão mais incrementais”, refere, dando como exemplo, a “melhoria das competências da equipa e melhoria da eficiência produtiva e das condições de trabalho”. Depois dessa primeira fase, “as empresas podem começar a adotar certificações ESG ou a fazer reporte de informação não financeira, ou aderem a compromissos formais ESG ou a ratings ESG”, acrescenta. E, finalmente, pode seguir-se uma terceira fase, com “iniciativas e inovações mais disruptivas”, nomeadamente “mudanças profundas no tipo de modelo de negócio, nos materiais, nas soluções de design, na tecnologia, na cultura organizacional e, até, no seu propósito”, destaca. Apesar de ser verdade que as empresas sentem “dificuldade em investir hoje em algo que só lhes trará benefícios amanhã” – ainda por cima, para além de “não serem imediatos, alguns desses benefícios ou valor criado não serão de natureza económica, nem apropriáveis pela empresa” – o responsável não tem dúvidas de que será essa a condição para se manterem competitivas no longo prazo: “Hoje, mais do que nunca, os consumidores querem poder fazer do consumo um ato de cidadania, tal como os investidores preferem que os seus investimentos tenham um impacto positivo no mundo”.
[blockquote style=”2″]A transição para a sustentabilidade é um caminho que só agora está a começar[/blockquote]
Neste desafio da transição para a sustentabilidade, João Menezes acredita que tudo depende do “envolvimento de todos os atores sociais”, nomeadamente, o “setor público, setor privado, academia e organizações da sociedade civil”, além de que “obriga ao envolvimento de cada um de nós, não apenas nos nossos papéis formais”, mas também “informais”, ou seja, na “diversidade dos papéis cívicos, sociais e afetivos que assumimos no dia-a-dia”. Do ponto de vista da ação dos atores sociais, cabe ao Estado o desafio de definir uma “visão e um ritmo de ação”, bem como uma “metodologia de articulação”: “Ora, para tal, o Estado deve dispor de mecanismos de planeamento e monitorização que sejam eficientes e eficazes”. Entre esses mecanismos, o secretário-geral do BCSD Portugal destaca os dispositivos de regulação e incentivo” como sendo fundamentais. Dos incentivos financeiros públicos, à fiscalidade e outras normas regulamentares, há uma miríade de soluções: “Por exemplo, são cada vez mais frequentes as medidas nudge, isto é, políticas públicas de incentivo à adoção de certos comportamentos por parte das empresas e dos cidadãos, com base em pequenos incentivos – algo que muitas vezes se denomina de gamification”.
Sobre empresas portuguesas que têm conseguido adotar um modelo de negócio que garanta a sustentabilidade e, ao mesmo tempo, que seja viável/lucrativo para o negócio, o responsável diz que há vários bons exemplos, sobretudo de nicho e em alguns setores em particular, “por exemplo, nos setores da energia, da moda, do turismo e agroalimentar”. E alguns desses bons exemplos são B2B, “ou seja, são empresas que vendem produtos a outras empresas, nomeadamente a empresas de países da Europa do Norte que não têm marcas que se relacionem com consumidores finais”, refere.
Mas, se é necessário um modelo de negócio que garanta a sustentabilidade e se, da mesma forma, há certeza que esses modelos não põem em causa o lucro da empresa, por que motivo é que esses bons exemplos não são replicáveis em todas as empresas? De acordo com João Menezes, a transição para a sustentabilidade é um caminho que só agora está a começar e, à medida que for ganhando escala e sendo uma exigência cada vez maior das partes interessadas da empresa, será uma transição cada vez mais lucrativa: “Muitas vezes, o primeiro motivo pelo qual as empresas iniciam a transição para a sustentabilidade é de caráter económico”. Aliás, “quando uma empresa procura tornar a sua cadeia de valor mais eficiente, reduzindo a sua pegada energética, hídrica ou de consumo de materiais, não só está a reduzir a sua pegada ecológica, como está a reduzir os seus gastos”, exemplifica. E, à medida que a “regulação e a fiscalidade forem mais exigentes” – por exemplo, através da generalização de medidas, como taxas de carbono e remuneração dos serviços de ecossistemas – que os “investidores e credores cobrarem um prémio de risco cada vez maior às empresas menos sustentáveis” e os “clientes e trabalhadores fizerem opções ainda mais claras por empresas, produtos e marcas com propósito”, a “competitividade estará, cada vez mais, do lado das empresas que saibam integrar os ESG nos seus modelos de negócio e cadeias de valor”.