O atraso da implementação da Lei dos Solos em Portugal foi a questão central levantadas no debate promovido na conferência “Solos Saudáveis e Gestão Sustentável do Solo”, realizada na passada sexta-feira, 20 de janeiro, no auditório da sede nacional da Ordem dos Engenheiros, em Lisboa.
Interesses económicos e o desordenamento territorial são as duas razões apontadas por Nuno Lacasta, presidente do Conselho Diretivo Agência Portuguesa do Ambiente (APA), para justificar o atraso de uma Lei de proteção dos solos em Portugal.O responsável diz não compreender o “dilema societal” que Portugal enfrenta: “Faz-me confusão que tenhamos cidades, como o Barreiro ou Estarreja, que estão há 20 ou 30 anos por aproveitar e ser normal continuar a expandir cinturas urbanas, solo novo ou impermeabilização do solo só porque não temos capacidade fazer aquilo que todos os outros tendem a fazer”. Em Portugal, “por cada metro quadrado do terreno, temos de estender água, luz, telecomunicações muito mais longe do que a maior parte dos outros países”, exemplifica, alertando para a necessidade de a Lei dos Solos centrar-se nesta questão, assentando numa “lógica de eficiência da nossa economia e investimentos”. O presidente da APA deu ainda nota da evolução que já se faz sentir em matéria de solos, onde, há alguns anos, existia na sociedade portuguesa um “certo desconhecimento relativamente à utilização de metodologias de identificação de riscos e classificação do solo, algo que já não é bem assim: “Temos alguma experiência de fazer esta mesma avaliação”. Aliás, “na discussão que vamos ter sobre a Lei de Solos, vamos verificar que o debate que tem acontecido em Portugal é, agora, um debate europeu: estes valores e experiência dão hoje um nível de confiança relativamente àquilo que são as necessidades do país”.
Também Rui Berkemeir, representante da Associação ZERO, parece concordar que os interesses económicos não têm permitido que a Lei avance: “Apesar das muitas divergências com a APA, estamos em sintonia a 100% nesta questão e têm feito um trabalho meritório nesta área”. Se a Lei dos Solos já estivesse em prática, o responsável dá nota que, na venda dos terrenos, a lei obrigava a um relatório com a qualidade desse solo: “Se houve uma atividade de risco de contaminação do solo nesse terreno, no momento da venda já era possível saber o seu estado”, exemplifica.
Apesar do tema centrar-se muito nos solos contaminados e na sua poluição, Rui Berkemeir destaca a qualidade dos solos em termos de matéria orgânica como um outro aspeto a ter em conta: “Não há dúvidas que temos muitos resíduos orgânicos que deviam ser aproveitados. Dos resíduos urbanos, temos uma produção de 2 milhões de toneladas de bioresíduos, dos quais aproveitamos 300 toneladas”, ou seja, “envia-se para aterro muita matéria orgânica”, atenta o responsável, considerando ser “muito importante que Portugal avance mais rápido na recolha de bioresíduos”.
“Como em todas as profissões poderá haver profissionais mais ou menos preparados”
Já Fernando Ferreira, especialista em políticas públicas de ambiente e assessor na área do Ambiente na Câmara Municipal de Lisboa, parece não ter dúvidas de que tem havido “um enorme desconhecimento público e desinteresse sobre esta matéria”. Contudo, a consciência por parte da população tem mudado e, através dos meios de comunicação social, tem-se trazido o tema dos solos contaminados para cima da mesa: “Nos últimos cinco anos, é brutal a quantidade de artigos de investigação e debates sobre solos contaminados que se faz e a evolução da própria Administração Pública e stakeholders sobre esta matéria de uma forma muito proativa”. Aliás, “o caminho daquilo que era a perceção da Administração Pública em licenciar, analisar e promover foi notável”, considera o responsável, constatando que “há também uma maior consciência de evoluir rapidamente”.
Sobre boas práticas, Fernando Ferreira destaca o “Plano Geral de Drenagem de Lisboa”, numa obra com 550 mil toneladas de solos escavados, onde nada foi feito sem antes serem feitos estudos ou avaliações: “Até os solos que foram retirados depois de análise prévia foram colocados em depósito provisório e selado”. Mais ainda: “A avaliação está a ser feita em contínuo com análises ao longo do processo para se fazer uma modelação daquilo que é a necessidade de tratamentos e destinos adequados para cada situação”. Para o especialista, esta é uma “obra essencial” para a cidade de Lisboa. Por outro lado, destaca-se como uma “má prática” a ausência de “responsabilização dos autores” dos estudos geoambientais: “Encontramos copy paste (…) assuntos que são desmentidos pela realidade objetiva (…) faz pensar que estamos na hora de uma intervenção mais forte”.
Por seu turno, Joaquim Góis, representante do Conselho Nacional do Colégio de Engenharia Geológica e de Minas da Ordem dos Engenheiros (OE), destaca a qualidade da engenharia portuguesa e o seu reconhecimento mundial: “Como em todas as profissões poderá haver profissionais mais ou menos preparados mas, desde os engenheiros que trabalham na Câmara de Lisboa até aos engenheiros da APA, todos têm qualidade e essa é dada pela formação que têm que, reconhecidamente, é também ela de qualidade”. Portanto, “Impõe-se dizer que os engenheiros de ambiente não são diferentes das outras especialidades de engenharia: são muito bons”. afinca. E se há “exemplos negativos”, há também positivos que, nas últimas décadas têm dignificado o papel de Portugal: “Já tenho idade suficiente para lembrar o que era o flagelo dos depósitos a céu aberto por esse país fora e que na década de 90 foram remediados”.
Sobre aquele que é o grande propósito da OE, Joaquim Góis é perentório ao afirmar que assenta em “instituir a figura do quality e do competent person que possam, de alguma forma, indicar e sugerir profissionais e engenheiros com qualificações acrescidas para o desempenho de determinados atos de engenharia, mais ou menos específicos, mas que sejam uma grande da responsabilidade e da competência técnica”.
“A academia tem um papel importante, mas não é suficiente”
Considerando que, existe, realmente progressos significativos em matéria de proteção do solo e na reparação dos sítios contaminados, Carlos Costa, representante do Grupo de trabalho de solos da AEPSA, considera que é fundamental “garantir a utilização segura e sustentável e circular dos solos escavados”, priorizando a “utilização dos solos escavados não contaminados” e, por outro lado, “procurar os solos que podem ser geridos de uma forma correta, procurando garantir a sua reciclagem e valorização multimaterial, em detrimento de soluções em deposição em aterro” e, naturalmente, “se possível, conduzi-los para utilização que permitam reintegrar esses solos na sustentabilidade do local que habitamos”. Uma preocupação que deve ser tida em conta é que “os solos que são escavados e que podem ser integrados na cadeia de valor tenham os seus fluxos rastreados, de forma a saber de onde vêm, para onde vão e qual o controle de qualidade que se faz desde o local da escavação ao seu destino final”, sucinta.
Do lado académico, Maria de Graça Brito, docente da FCT NOVA no departamento de Ciências da Terra, também parece concordar que se observa uma evolução nestes temas: “Neste momento, a APA consegue orientar os profissionais para fazer o mínimo exigido”. Contudo, olhando para a Academia, esse é um trabalho que não tem evoluído tanto quanto se gostaria: “Muita da formação que tem sido dada (…) não chega: Estes problemas da avaliação, caracterização, contaminação e risco para a saúde humana têm muitas especificidades e não se consegue numa vertente de um curso abrangente”. Apesar da “muita formação”, a responsável atenta que as associações ambientalistas, a AEPSA e as empresas também têm um papel importante em “complementar toda a formação que se possa dar a nível universitário”, pois há “muitas especificidades em que os profissionais e licenciados terão de se especializar”. Em Portugal, por exemplo, já se veem empresas” muito especializadas nestas matérias que têm dado passos avançados e apoio em termos de empregabilidade, estágios, troca de informação sobre casos de estudo”. Em suma, “a academia tem um papel importante, mas não é suficiente”, sucinta.
A conferência “Solos Saudáveis e Gestão Sustentável dos Solos“, organizada pela Associação das Empresas Portuguesas para o Setor do Ambiente (AEPSA), em conjunto com o Conselho Nacional do Colégio de Engenharia Geológica e de Minas da Ordem dos Engenheiros (OE) e a Associação Técnica para o Estudo da Contaminação do Solo e Água Subterrânea (AECSAS), juntou vários especialistas em Lisboa.