Neste início de ano, com a energia a ocupar um lugar de destaque na lista das preocupações dos portugueses e, agora, com a saída de João Galamba da pasta do Ambiente e da Energia, a Ambiente Magazine está a auscultar vários especialistas sobre quais as perspetivas para este ano tendo em conta as adversidades vivenciadas no setor.
Sendo que a “energia e o ambiente” são duas áreas que fazem parte do “maior desafio de sempre e verdadeiramente global da história da Humanidade: a descarbonização”, Miguel Subtil, Managing Director da Átomo, parece não ter dúvidas de que “o empenho e o esforço de todos” terá de ser cada vez maior: “Em Portugal, essas metas estão claramente definidas no Plano Nacional de Energia e Clima (PNEC), e estão fundamentalmente relacionadas com a redução da nossa dependência do exterior, incorporação de renováveis e redução de consumos”.
Partindo deste pressuposto, Miguel Subtil recorda que a caminhada rumo à descarbonização foi “iniciada no mandato de João Galamba” e, desde então, registam-se muitos avanços: “Foi conseguida uma alteração profunda da legislação setorial possibilitando a implementação de mecanismos de acesso à rede que potenciaram muito investimento privado e diversificado no setor. Tivemos os primeiros leilões solares, com uma adesão sem precedentes, e alterações fundamentais para a organização do sistema elétrico nacional, também na área de auto-consumo e comunidades de energia”. Soma-se a isto a “aposta no hidrogénio verde que já está em curso”, bem como a “integração de possibilidades de storage, hibridização ou incentivo à produção eólica offshore”, exemplifica.
Considerando tratar-se de “um setor fundamental para o desenvolvimento global do país e a possível afirmação de Portugal como um exportador líquido de energia”, o responsável não deixa de reconhecer os desafios que o mesmo enfrenta, como por exemplo, os “problemas de legislação e regulação, de coordenação, de falta de meios em muitas instituições da administração pública e com enorme evolução tecnológica”, exigindo um “acompanhamento constante das tendências, assumindo riscos e aproveitando novas oportunidades”.
“Entendimento claro entre as tutelas do Ambiente e da Energia”
A saída de João Galamba é, assim, vista com “preocupação” tendo em conta o “seu papel ativo” em todo este processo de transição: “Conhecia bem os dossiers, os problemas, os desafios e detinha a força política necessária para os tentar resolver”, atenta. Para Miguel Subtil, não foi a melhor decisão por parte do Governo: “Dada a importância vital do setor para o desenvolvimento e afirmação do país no contexto internacional, seria crucial ter nesta pasta alguém que conhecesse bem os dossiers, incluindo a complexidade técnica inerente a qualquer decisão neste setor, mas não descurando o peso político necessário para que todos – Governo, Assembleia da República, partidos, e sociedade em geral, consigam entender o papel central desta transição para o nosso sucesso coletivo”.
Relativamente ao impacto desta decisão, o responsável considera que tudo dependerá, em grande parte, da pessoa escolhida para assumir a pasta: “É necessário conhecer a fundo os problemas para os conseguir resolver. E, apesar do muito que já foi feito, há muito trabalho pela frente”. A título de exemplo, Miguel Subtil destaca a importância de se “simplificar os processos de licenciamento”, sobretudo, “torná-los mais previsíveis, estáveis e com prazos razoáveis para que a confiança dos investidores se mantenha”. Tão importante, é “cumprir o que está legislado em termos de acesso à rede, por exemplo, ou no tempo de resposta das diferentes entidades”, destaca.
Neste sentido, o responsável defende que o novo governante “ouça todos os stakeholders, entenda as dores de cada um, e procure ir ao encontro de soluções que fomentem uma transição energética acelerada, mas sólida”. A verdade é que, apesar de todos os esforços, Portugal continua atrasado: “No solar, por exemplo, onde detemos, a par de Espanha, o melhor recurso da Europa, ocupamos apenas o 10º lugar em potência instalada per capita. No entanto, os países no topo deste ranking são a Alemanha, os Países Baixos e a Bélgica, com cerca de cinco vezes o valor de Portugal e com muito menos recurso solar que o nosso, como é evidente”, alerta.
Uma vez que se pretende uma transição climática “rápida e segura”, Miguel Subtil defende que haja um “entendimento claro” entre as tutelas do Ambiente e da Energia, no sentido em que “as entidades públicas responsáveis pelas diferentes áreas estejam alinhadas no desígnio estratégico para o país”, mas “sem perderem a sua identidade e independência técnica para desenvolverem com qualidade o seu trabalho”. Desta forma, o responsável admite que possam haver vantagens em colocar o Ambiente e a Energia em Secretarias de Estado separadas: “Mas, sem dúvida, dentro de um mesmo Ministério”.
“Temos de não nos deixar encantar com ideias de um passado que já não volta”
Apesar de reconhecer que, 2023, vai ser um ano de “alguma instabilidade” nos preços de energia, Miguel Subtil acredita que a “transição para uma eletrificação da economia com base em renováveis será imparável”. E, nesta ordem de ideias, o responsável considera que os “grandes investimentos vão continuar”, verificando-se no futuro um “mix mais diversificado” e, porventura, “mais seguro”, evitando-se “dependências exageradas de matérias primas oriundas de países politicamente instáveis e com riscos de quebra de abastecimento bastante superiores”.
Aos portugueses, o responsável lembra que “todos” fazem parte do processo de mudança: “Esta transição implica uma eletrificação da economia e uma incorporação maioritária de renováveis na produção de eletricidade. E esta transição não é apenas um imperativo para a descarbonização, mas será igualmente a forma mais barata de utilizarmos a energia de que necessitamos para o nosso dia-a-dia”. Neste processo, “todos nós podemos ser parte ativa na mudança” porque “podemos escolher livremente o nosso comercializador de eletricidade, podemos utilizar carros elétricos e transportes públicos, podemos ainda ser produtores de eletricidade para auto-consumo, sendo esta uma opção fundamental para o futuro do sistema elétrico nacional”. E, sobretudo, “temos de não nos deixar encantar com ideias de um passado que já não volta, e, acima de tudo, agarrar um futuro que será mais limpo e mais barato para todos”, remata.
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