Há milhares de pinheiros a crescer na Mata Nacional de Leiria, três anos após o incêndio que destruiu 86% da floresta da Marinha Grande. O Estado fala numa elevada taxa de regeneração, mas no terreno há críticas, pedindo-se mais meios, refere a agência Lusa.
Muitas estão escondidas entre outra vegetação, alguma autóctone e também invasora, mas há já novas árvores que dão pelo joelho. É, finalmente, um sinal de esperança para a recuperação da floresta conhecida como Pinhal de Leiria ou Pinhal do Rei, propriedade do Estado.
Em outubro de 2017, o fogo consumiu 9.400 dos seus 11.000 hectares, cerca de 86% da área arborizada. O Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) diz que a execução do Plano de Investimentos Matas Públicas do Centro e Litoral, que inclui a Mata Nacional de Leiria, vai permitir até 2022 a arborização de 2.400 hectares desta área e o acompanhamento da regeneração natural de 6.400 hectares.
Segundo o vogal do Conselho Diretivo do ICNF Nuno Sequeira, as taxas de sucesso “na generalidade das áreas arborizadas [em regeneração] são superiores a 80%”, o que “é animador e permite ver algumas zonas com lançamentos de crescimento muito relevantes”. “Se formos ver algumas áreas onde foram plantadas folhosas, naturalmente a taxa de sucesso é inferior; se calhar teremos taxas de sucesso de 30%. Na generalidade da área, em termos globais, seguramente que a taxa de sucesso que estamos a ter nestas rearborizações andará, e muitas vezes ultrapassa, os 80%”, indica à Lusa.
Mas, em pelo menos 1.000 hectares – 15% dos 6.400 hectares em que se espera a recuperação natural – será necessário um esforço suplementar “com reforço de arborização”.
A Quercus, que com diversos parceiros plantou cerca de 60 mil árvores em 60 hectares do Pinhal de Leiria, também identifica sinais positivos: “Vejo as forças políticas e a sociedade mais focadas nisto. Vejo com bons olhos a recuperação do Pinhal de Leiria, mas temos de estar atentos”, diz a presidente da associação ambientalista.
Num dos quatro talhões apadrinhados pela Quercus, Paula Nunes Silva fica feliz ao encontrar pinheiros juvenis, a crescer num modelo semelhante ao defendido pelo ICNF. “A regeneração natural é importantíssima, é a forma mais segura de sabermos que os pinheiros estão bem adaptados e a crescer. Temos de esperar. A natureza tem os seus tempos”, refere, explicando que “a semente no solo pode demorar até cinco anos a nascer”.
No que se refere à plantação de árvores, de há três anos para cá apenas se reflorestaram 1.000 hectares, ou seja, cerca de 10%. São suficientes? “Tendo em conta que podemos aproveitar a regeneração natural e devemos esperar estes dois, três anos, é um bom método. Foi o possível, suficiente não é”, diz a presidente da Quercus.
É por isso que a presidente da Câmara da Marinha Grande reclama mais meios. O Pinhal de Leiria “tem uma regeneração própria e já se veem muitos pinheirinhos a nascer, mas, sublinha, a parte da reflorestação “está a ser demasiado lenta”. É com tristeza, acrescenta, que se olha para o pinhal e não se vê o que se desejava nesta altura.
No final de junho, a autarca eleita pelo PS viu o seu partido chumbar no parlamento a proposta de outras forças partidárias para reforço de meios do ICNF no pinhal. “O que pedimos – e que, acredito, também o PS peça – é que haja meios, haja pessoas, haja um maior investimento, haja um maior financiamento e haja também alocado, do Orçamento do Estado, uma verba que seja considerada necessária para que essa reflorestação e esse trabalho seja feito”, afirma.
Mais crítico é o Observatório do Pinhal do Rei, que junta especialistas de diversas áreas. O geógrafo José Nunes André é um deles e considera mesmo que o ICNF deveria ser substituído. “As entidades competentes, neste caso o Governo, têm de pensar em arranjar outra entidade que superintenda o Pinhal de Leiria e as matas litorais, porque o ICNF ou não tem pessoal ou não tem verbas ou não tem competência”, considera. O ponto da situação do trabalho no Pinhal de Leiria, lamenta, “não será nulo, mas é muito pouco”.
Nuno Sequeira, do ICNF, avisa que é preciso esperar o resultado dos trabalhos: “Temos intervenções previstas e já em execução na área ardida e na área não ardida. Temos até 2022 cerca de cinco milhões de euros já realizados e contratualizados, seja em rearborização, seja em intervenções de controlo de invasoras lenhosas ou até em mosaicos de parcelas de gestão de combustível, e até 2024 teremos mais 2,5 milhões de euros de intervenção planeada”.
A autarca da Marinha Grande sonha com um Pinhal de Leiria “com árvores frondosas, árvores bonitas, com os cursos de água na mesma a passarem por entre ele”. Porém, Cidália Ferreira terá de dar tempo ao tempo, diz o representante do ICNF.
É possível ver a natureza a recuperar, lembra, apesar de ainda não se ter um povoamento adulto e de não ser este o pinhal que se deseja e ambiciona. “Mas uma coisa é segura: quando houve a arborização destas matas […], quem as plantou na altura também tinha a certeza e a convicção de que só os filhos é que veriam as árvores com a dimensão que nós desejamos e a que estávamos habituados”, diz Nuno Sequeira.
A presidente do município entende ainda que deve haver da parte do ICNF “mais cuidado na manutenção”. “É importante que os nichos que ficaram no nosso Pinhal do Rei possam ter uma atenção especial. Se as árvores vão levar tantos anos a crescer, há que criar também outras zonas que possam ser aprazíveis”, afirma.
A nível climático, José Nunes André identifica, como impacto do grande incêndio de 2017 e o abate das árvores, “ventos fortes nas zonas limítrofes do pinhal”. Também teme o efeito na erosão das dunas: “O cordão dunar frontal está a desaparecer. Já estava com a erosão marinha e, agora, com a erosão eólica, pela falta do pinhal, mais ainda”, alerta.
A perda de biodiversidade, nomeadamente no ribeiro de S. Pedro de Moel, é também é criticada pelo Observatório do Pinhal do Rei. José Nunes André aponta que “os eucaliptos centenários que estavam lá, ao arderem, expandiram as sementes para as zonas envolventes”, sem que o ICNF tenha agido.
O representante do ICNF admite que “em tudo se pode sempre dizer que havia aspetos que podiam ser feitos da maneira A, B ou C”, mas em última análise, diz, quem gere tem de tomar uma decisão.