No setor renovável, são vários os atuais e futuros riscos que Portugal e a Europa enfrentam. Foi à volta desta questão que empresas como a EDP, a Generg, a TrustWind e a Finerge destacaram algumas das soluções mitigadoras no combate aos desafios que o setor renovável está a trazer à tona.
Rui Teixeira, membro do Conselho de Administração Executivo da EDP, começa por referir que os desafios em Portugal e noutros países da União Europeia, são no geral os mesmos. Um dos riscos identificados pelo responsável são as receitas futuras: o setor renovável é um “setor de capital intensivo e continua a funcionar em mercados desenhados para tecnologias marginais”, sendo fundamental ter uma “perspetiva de futuro” e a importância de existirem “contratos a longo prazo” sobre o “perfil das receitas” dada a natureza dos investimentos. Embora seja um dos riscos mais acentuados, o responsável afirma que tem sido mitigado, inclusive em Portugal, onde é evidente “esta nova carga de crescimento de renováveis” com base em “leilões”. Outra questão prende-se com o “modelo dos leilões” e como está desenhado, tendo outro tipo de “risco” nas receitas mas “creio que é um modelo fundamental porque gera concorrência e permite essa visibilidade a longo prazo”, refere. Há também um risco evidente na ligação à rede: “É um ativo escasso e em Portugal não é diferente”, sustenta, destacando que o “esforço” que tem sido feito, do ponto de vista da “expansão da rede, pode permitir “maior penetração da matriz energética das renováveis”. Para Rui Teixeira, é crucial “perceber como é que é feito esse acesso à rede”, uma vez que “pode limitar em geral o crescimento das renováveis” O processo de licenciamento também um desafio premente neste setor: “E na Europa é algo que tem vindo a ser identificado como umas das principais barreiras ao crescimento rápido de renováveis”, bem como “os processos longos” e que, do ponto de vista “administrativo”, podem ser simplificados, afirma. Por fim, o conceito da estabilidade regulatória é também um risco destacado por Rui Teixeira que considera que, “enquanto investigadores, promotores ou participantes naquilo que é o potencial de crescimento de renováveis”, torna-se fundamental ter uma “perspetiva sobre estabilidade regulatória”, isto é, em qualquer negócio, “há riscos que os promotores e investidores devem assumir”. No entanto, é vital a “contabilidade desse contexto ao longo da vida dessas decisões de investimento” que, segundo o responsável, vai “influenciar as novas tomadas de decisão e o comportamento dos diferentes agentes”.
“Explorar e comercializar os certificados de origem”
Já Álvaro Brandão Pinto, CEO da Generg, considera que o principal risco ao desenvolvimento de projetos renováveis prende-se com a “expetativas de retorno económico”, relativamente a estas operações. Tendo em conta as “mudanças significativas” que se antecipam na “forma com a eletricidade produzida vai ser comercializada” e se tal remuneração “não pagar todos os custos de produção de cada investimento”, designadamente, a “rentabilidade do capital investido”, acabará por “pôr em causa a realização dessas operações”, refere. E uma solução mitigadora passa pela “valorização do serviço ambiental que estes projetos entregam”, para além da “competência energética que agora é a única que tem sido mais valorizada”. Na realidade, afirma Álvaro Brandão Pinto, estes projetos, além da “energia em forma de eletricidade”, entregam também um “serviço ambiental” que, neste momento, assume um “valor cada vez mais elevado”, tendo em conta a evolução das alterações climáticas. Assim, para o responsável, o desafio está na “forma como nós podemos valorizar e comercializar este serviço ambiental” que, embora reconhecido, “não tem sido pago aos projetos que o entrega”. E a razão pela qual isso não acontece tem que ver com a “inexistência de mecanismo que estejam consensualizados entre todos” para remunerar esse serviço ambiental: “Seria importante explorar e comercializar os certificados de origem” para permitir que “essa valorização se faça de forma global e através das fronteiras”, sustenta. Para tal, “há muito trabalho a fazer”, nomeadamente de um “acordo global sobre as regras e procedimentos a aplicar na comercialização generalizada desse investimento”.
“Reestruturação da fiscalidade sustentável”
Relativamente às discussões em torno da reestruturação do mercado para sair do “marginalista” e adotar outras abordagens, Raoul Filaine, CEO da TrustEnergy, considera que a temática não tem avançado muito. “O licenciamento é procedimento bastante longo”, diz o responsável, notando, contudo, os esforços que têm sido levados a cabo pelas autoridades e, mesmo, a “disponibilidade que demonstraram na abertura para divulgar e tentar resolver o problema”. Um risco bem presente é, também, a fiscalidade, que não só se prende com a “saída de Sines do sistema”, que estava a “contribuir de forma significativa com contribuições fiscais”, mas também o risco do “aumento da tarifa social”, tendo em conta a situação do país: “Seria necessário ter uma visibilidade maior e encontrar uma reestruturação da fiscalidade de forma sustentável e especialmente para as renováveis”, refere. Ainda dentro dos riscos, Raoul Filaine destaca a “aceitação local dos projetos”, algo visível em Nisa: “É um exemplo que veio trazer outros ecos no futuro”. E “não podemos fechar os olhos sobre o assunto”, diz, declarando que as “comunidades locais devem ter alguma contrapartida do seu impacto”. Contudo, reconhece que “as comunidades foram mal acostumadas”, pelo facto de, nos “períodos de tarifas e garantias, os promotores tinham a capacidade de compensar as comunidades locais”. Para o responsável, o paradigma está a mudar: “Vamos para um mercado para preços bastante mais baixos, especialmente com a crise, que não permitem ter um contributo local significativo”. Neste cenário, é crucial “encontrar soluções razoáveis para que comunidades locais estejam a beneficiar dos projetos de forma equilibrada”, afirma.
“Mercado mais competitivo e atraente”
Por fim, Pedro Norton, CEO da Finerge, destaca o “enquadramento regulatório” com um risco determinante no setor das renováveis. “É imperativo que mantenham neste setor um enquadramento de regulatório estável e de referência em linha com as políticas da UE”. E uma vez que as decisões de investimento, além de pesadas, têm como critérios de rentabilidade de longo prazo, é essencial que as “regras sejam transparentes e estáveis”. Neste setor, é fulcral começar a “despolitizar a política da energia”, diz, defendendo que terá de ser de “ciclos longos, não compadecendo-se com os ciclos que normalmente funcionamos que são 12 meses”, isto é, cada vez que há um orçamento de estado “estamos a discutir e criar regras novas e a questionar as antigas”, algo que, “para quem olha de fora, como os acionistas, acham completamente incompreensível”. O mesmo acontece no setor financeiro que, do ponto de vista Pedro Norton, tem “dificuldade em perceber esta permanente instabilidade”. E isto é um problema que poderia ser uma oportunidade: “Temos a sorte de ter um país com recursos, quer eólica, quer solar”. E “se apresentassem como vantagem competitiva também uma estabilidade regulatória” que diferenciasse Portugal de Espanha, por exemplo, “mais razões teríamos para ser um mercado mais competitivo e atraente”, sustenta. Outra necessidade é repensar mais a longo prazo a configuração do mercado: “Estamos a caminhar para um mercado cada vez mais baseado em tecnologias de custos fixos e com custo variável próximos do zero”, afirma. E assim, “é difícil que a prazo o mercado possa funcionar numa lógica marginalista e que seja sustentável”, bem como, “a justificar os investimentos precisos para cumprirmos as metas a que nos propusemos”, refere o responsável. No entanto, o CEO da Finerge reconhece: “Portugal não pode estar sozinho neste debate” mas também “não pode ser um debate para se ter daqui a 10 anos”.
A conferência anual da APREN (Associação Portuguesa de Energias Renováveis) realizou-se nos dias 6 e 7 de outubro. Subordinada ao tema “A eletricidade renovável no centro da descarbonização”, esta conferência foi totalmente digital, tendo sido transmitida do Pequeno Auditório da Culturgest, em Lisboa.