O último painel “Principais desafios do mercado português de eletricidade renovável” da conferência anual da APREN (Associação Portuguesa de Energias Renováveis) teve como orador convidado António Costa Silva, professor catedrático do IST (Instituto Superior Técnico). De acordo com o docente, a pandemia da Covid-19 revelou uma “quebra brutal no consumo mundial de petróleo e gás em cerca de 30 a 40%”. E em março deste ano, “os preços do petróleo transacionaram em valores negativos do mercado de futuros de Nova Iorque”, algo que demonstra que o “sistema energético mundial está virado de pernas para o ar” e o paradigma energético está sob tensão: “Penso que não estamos a falar de uma transição energética mas sim de um choque energético”, sustenta o investigador. Este “choque” é algo que pode ser “benéfico” para o futuro do planeta: “Não podemos ignorar que estamos a viver uma crise sanitária que degenerou já numa crise económica e social profunda”. Mas “isso é a ponta do iceberg. Em baixo, temos a ameaça climática”, sustenta.
No centro desta mudança está, essencialmente, a aposta na “descarbonização”, na “transição energética” e na “eletrificação de todas economias mundiais”. E sob o risco de não se fazer, “enfrentamos o caos de uma mudança climática descontrolada”, algo “nocivo para todo o planeta”. Nesta equação energética, aquele que é o vencedor são as “energias renováveis”, declara, destacando que, durante os meses da pandemia, a nível global, registou-se o “aumento do consumo” deste tipo de energia. Independentemente das dificuldades que os projetos possam enfrentar a curto e médio prazo, o responsável está convencido que “há uma equação favorável e que alinha com o desígnio da UE com aquilo que está a passar no planeta”.
Neste cenário, António Costa Silva afirma que “estamos a assistir ao fim de uma ordem energética baseada no petróleo para passarmos a uma ordem energética baseada na eletricidade: “Vamos passar para um sistema energético dominado pelos eletroestados”. E o maior eletroestado chama-se China: “É o maior investidor mundial em energias renováveis”, declara o docente. Esta mudança de ordem vai ter “influências geopolíticas brutais”, elogiando o trabalho da União Europeia que tem dado grande importância à “transição energética” e na “luta contra as ameaças renováveis”.
Relativamente às energias renováveis em Portugal, António Costa Silva sempre defendeu o “investimento forte” nessas matérias: “É o setor do futuro”. No entanto, o responsável identifica a preocupação do armazenamento: “A questão do hidrogénio, desde que seja bem desenhado, pode ter também um papel fulcral no sistema de armazenamento como backup das energias renováveis”, afirma. Algo que é crucial para o docente é definir “aquilo que queremos fazer com a energia do nosso país”, não tendo dúvidas sobre o “potencial elevado” a nível de energia renováveis. Mas para se desenvolver todos os projetos, é fundamental a “estabilidade económica” e “gerar receitas”, baseada na “criação de riqueza” e em “desenvolver todo o cluster”. E se o país definir, no futuro, “explorar o potencial em energias renováveis” e poder exportar, Costa Silva destaca que Portugal poderá assim ter uma “abordagem mais consistente”.
Medidas de fiscalidade verde
Quando se pretende uma economia mais sustentável, é crucial “introduzir mais e mais medidas de fiscalidade verde”, diz o responsável, considerando essencial “romper paradigmas atuais”. E esse é um “trabalho que deve ser bem feito”, no sentido de dar ao setor “sustentabilidade” e “capacidade” de gerar riqueza e desenvolver o país e ser algo indispensável para fazer a mudança da economia. Uma questão que também está interligada, segundo o docente, é o preço do carbono que, atualmente, “só cobra um quinto das emissões”, algo que tarda a “eletrificação”.
Assim, é crucial combater o “business as usual”, rever a fiscalidade, estimular o desenvolvimento das energias renováveis e rever o preço do carbono: “Caso contrário, vamos ter situações mais dramáticas, como já é o caso da desertificação no Alentejo”. António Costa Silva reforça que esta é a “oportunidade das oportunidades”, defendendo uma avaliação de forma integrada, “Desde das energias, sustentabilidade, florestas e ocupação do território até ao combate da desertificação”, de forma a “termos soluções que financiam”, sendo essas as que “geram riqueza” e “estabilidade económica”.
Este ano, a conferência da APREN centrou-se no tema “A eletricidade renovável no centro da descarbonização” e realizou-se em formato digital, tendo sido transmitida do Pequeno Auditório da Culturgest, em Lisboa.