Começou esta terça-feira, a habitual Conferência anual da APREN (Associação Portuguesa de Energias Renováveis). Subordinada ao tema “A eletricidade renovável no centro da descarbonização”, esta conferência de dois dias é totalmente digital, sendo transmitida a partir do Pequeno Auditório da Culturgest, em Lisboa.
No primeiro painel “O Green Deal enquanto game-changer para a Europa” moderado por Pedro Amaral Jorge, presidente da APREN, debateu-se este Acordo Verde Europeu e os impactos que pode vir a ter no desenvolvimento da transição energética e na recuperação nacional e europeia gerada pela Covid-19.
Paula Abreu Marques, Chefe da Unidade Renewables and CCS policy da Comissão Europeia (CE), oradora do painel, lembrou as palavras da presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, que classificou o “Green Deal” como “uma das principais prioridades desta Comissão”. A responsável frisou que todos os países da União Europeia (UE) “se comprometeram com a neutralidade carbónica até 2050”, sendo que a comissão propôs “um aumento na ambição”, colocando a redução carbónica de 55% até 2030. “É um passo considerável”, admite Paula Abreu Marques, referindo haver uma “urgência para atuar” e uma “oportunidade política: não podemos negar o enorme apoio da opinião pública exigindo a aceleração da ação climática”. Além disso, os “efeitos da crise climática global” já se manifestam, com a responsável a usar Portugal como exemplo: “Aqueles que aqui vivem, veem todos os anos desastres com todos os fogos (florestais)”. Mas Paula Abreu Marques não esquece a questão da pandemia da Covid-19: “É necessário um ‘reset’ à economia”, afirma. Esse “reset” far-se-ia através de uma “mobilização de fundos públicos sem precedentes”, criando “uma sensação de propósito e de urgência”. A responsável dirigiu a intervenção para o investimento nas energias limpas: “Criou mais empregos e mais benefícios sociais locais. Grandes projetos de energias renováveis são formas fáceis de atrair capital e dar impulso à economia”.
Já Giles Dickson, CEO da Wind Europe (Associação Europeia de Energia Eólica), considera que os governos “olham para as energias renováveis como sendo resilientes”. O responsável máximo da associação diz que “17% da energia consumida na Europa” vem do vento. “Continuamos a construir parques eólicos. Continuamos a investir”, afirma. Questionado sobre como suportar a industrialização, Giles Dickson diz ser necessário “apoiar ativamente a cadeia de abastecimento”, investindo na inovação em toda linha, desde “a próxima geração sexy de tecnologia de renováveis” à tecnologia já “madura e estabelecida”, sob pena de a Europa perder a “vantagem competitiva para os chineses”. E apontou exemplos portugueses para mostrar o caminho a seguir: “Fábricas como as que têm em Vagos ou Viana do Castelo empregam três mil pessoas e podem continuar a ser a vanguarda da energia eólica global”. Além disso, a UE precisa de apoiar políticas comerciais. O CEO defendeu que “devem ser evitadas taxas” em produtos e componentes que são necessários para a indústria europeia das renováveis: “Temos de nos manter abertos para negociar”, afirma.
“Dez anos passam muito rápido”, diz Paula Abreu Marques mas a CE tem objetivos claros para o que vai acontecer na próxima década: “implementar o quadro 2030 com vista à neutralidade em 2050”. A responsável diz que a comissão “vê a necessidade de, por forma a reduzir em 50% os custos, aumentar a ambição da renováveis”, sendo extremamente importante a “implementação correta” das diretivas europeias sobre energias renováveis. Paula Abreu Marques traçou também a posição da CE sobre este Green Deal quando associado à recuperação económica pós-Covid-19: “É uma oportunidade económica e social”, declara, explicando ser essa a razão pela qual se verá uma “interrelação entre o acordo e os planos de recuperação”.
Por sua vez, Giles Dickson lembrou a “força de trabalho” no setor: “Hoje, há 300 mil pessoas a trabalhar nas eólicas na Europa”. Mas “precisamos de muitos mais” para “entregar a expansão da energia eólica” inscrita nos planos e para cumprir os planos da CE em reduzir em mais de 50% a emissão de carbono. E falta mão-de-obra: “Por toda a Europa, estamos a lutar para encontrar técnicos e engenheiros com as competências que precisamos”, alerta o responsável, referindo mesmo que “a Europa se aproxima de um fosso de competências, se já não está num”. O CEO da WindEurope também chamou a atenção para a necessidade de “dar suporte à crescente procura por energias renováveis na economia. É extraordinário como, atualmente, indústrias consumidoras intensivas de energia, que costumavam não gostar de energias renováveis por sermos caros ou por sermos intermitentes e estragarmos o sistema elétrico, venham bater à nossa porta e digam «queremos descarbonizar»”, revela. Giles Dickson diz que é necessário colocar “as regras em vigor” para que a indústria faça o “troca entre combustíveis fósseis e energia renovável”.
E se a China e os Estados Unidos da América (EUA) não alinharem naquilo que é a neutralidade carbónica até 2050? Giles Dickson acredita que os comportamentos na China estão a mudar: “Anunciaram há três semanas que querem chegar à neutralidade carbónica muito antes de 2060”, algo que, do ponto de vista do responsável, é bastante significativo. “No futuro vamos ter muitos Estados “elétricos” e a Europa precisa de se posicionar para que seja um desses estados”, diz o responsável. Quanto à China, o responsável acredita que a pressão do Governo quer tornar o país no “Estado elétrico líder”, estando ativamente a exportar “eletricidade renovável”. Nesta transição energética, Giles Dickson refere que a Europa é quem tem de liderar o mundo.
Já Walburga Hemetsberger, CEO da SolarPower Europe, considera que a Comissão Europeia assume um papel crucial: “Não teríamos tido o anúncio da China se a Europa não estivesse a investir muito e a planear a neutralidade carbónica até 2050”. Vista como uma “concorrência leal”, a responsável defende que “não devemos encerrar as nossas fronteiras no que diz respeito às políticas comerciais”, até porque “vivemos num mundo global” acreditando que “podemos assegurar e continuar com a transição energética” e com “parceiros fora da Europa”. No que diz respeito ao hidrogénio, Walburga Hemetsberger afirma que uma “economia de hidrogénio na Europa” só faz sentido se “houver uma economia de hidrogénio verde e renovável”, com primazia na energia eólica e solar: “ É uma oportunidade perdida se não conseguimos essas valias na Europa”, declara.
Embora haja o “perigo” de a Europa poder ser “ultrapassada pelas tecnologias e eletricidade exterior”, Dörte Fouquet, presidente da EREF (European Renewable Energies Federation), considera que existem competências do lado da CE, acreditando que o Novo Acordo deve avançar o quanto antes, evitando “situações desniveladas”. No sentido de “aliviar o stress”, a responsável afirma que as indústrias da energia devem reforçar mais a redução das emissões de CO2 e de gases com efeito de estufa.
Por seu turno, Paula Abreu Marques não tem dúvidas de que a UE não vai resolver a crise climática sozinha e nunca foi o caso: “Lideramos a situação com este Acordo Verde com uma nova abordagem de sistema energético”. E, nesta abordagem de sistemas energéticos integrados, a responsável destaca a grande prioridade que é a “eficiência energética”, seguida da eletrificação e, por fim, o “olhar para outras renováveis” como o hidrogénio. Neste último, a responsável acredita que a Europa também lidera o caminho. Nessa mesma estratégia, Paula Abreu Marques lembra que ficou patente a necessidade de se trabalhar em conjunto com a China e os EUA: “Não nos deveremos esquecer que esta parceria nos permitiu acabar com as negociações que estavam paradas e que deram origem ao Acordo de Paris”. Sobre o anúncio da China à neutralidade carbónica até 2060, a responsável acredita que é algo promissor, vista como “uma posição muito importante”. Além disso, aquelas que são as perspetivas da política da UE nos próximos meses prendem-se sobretudo, em “expandir as nossas normas e abrir o mercado global”, apoiando uma “ordem multilateral” e “trabalhar com organizações internacionais nesse sentido”.
Tornar a Europa numa líder climática
Walburga Hemetsberger acredita que uma das medidas cruciais para que a Europa seja líder neste desafio climático é, desde logo, o “aumento das emissões no que diz respeito às renováveis”, e sustentar a “ambição” de “40% de renováveis até 2030”. Outro aspeto fundamental é “olhar para os processos administrativos”, deixando de existir “engarrafamentos nas autorizações” e, ao mesmo tempo, “reduzir os constrangimentos”. Assim, a responsável defende que se deva desenvolver renováveis ao ritmo do que é necessário.
Dörte Fouquet também defende um acordo forte e ambicioso. No entanto, acredita que deva existir um “maior cruzamento do Estados-membro” com “maior flexibilidade para projetos locais” onde a “comunidade possa debatê-los”, acreditando que, nas matérias das renováveis, “precisamos de ter sempre pessoas do nosso lado” até porque “a CE só pode fazer até certo ponto”. Na Lei do Clima, o responsável afirma que “devemos olhar sem ter qualquer desvio dos critérios da política da taxonomia”.
Já Giles Dickson considera fundamental apoiar o Banco de Investimento Europeu, visto que assumem um papel importante em “alavancar os grandes problemas de investimento”. Depois, é necessário “explorar os nossos próprios planos de recuperação ao máximo”, ao mesmo tempo que os instrumentos estratégicos assumem, um “papel importante” para apoiar a indústria da renováveis: “Temos de ser muito fortes com o Governos nacionais sobre os seus planos de energia e clima para que os implementem de forma rigorosa”.
Por fim, Paula Abreu Marques destaca a importância de se “aplicar as autorizações” e “certificar” que os Estados-membros também implementam os planos. Algo que parece ser “chave” é também o “desenvolvimento de competências locais” e a “alteração do valor estratégico” com benefício para os cidadãos e comunidades: “A revisão que está para vir pode ser muito importante sobre as cadeias de valor estratégicas”. Também muito importante é “antecipar e planear o sistema energético do futuro”, algo que está nas ambições da CE, afirma. A responsável considera que é fulcral certificar que “esta transição não deixa ninguém para trás”, defendendo um “sentimento de coesão e uma transição justa em todos os cantos da UE”.