APREN e TELLES promovem Seminário sobre Transição Energética e o novo modelo de mercado
“O Desafio da Transição Energética” foi o tema de uma conferência promovida pela TELLES e pela APREN (Associação de Energias Renováveis), esta terça-feira, em Lisboa. Em debate, estiveram as tendências do mercado energético, com especial enfoque na Descentralização Energética, Prosumer Público, Modelo de Mercado e soluções de Financiamento.
No primeiro painel (“O que está a mudar no Mercado Energético?”), três profissionais proporcionaram um debate em torno do mercado, da necessidade de uma melhor governança e de uma cooperação entre Portugal e Espanha, o chamado “Mercado Ibérico”.
Ivone Rocha, sócia da Telles e moderadora do painel, deu o “tiro de partida” para a discussão: “O que é que inventaram? E o que é que é preciso inventar neste Mercado Ibérico de Energia?”
Jorge Vasconcelos, presidente da NEWES, defendeu que “não existe uma entidade abstrata que seja classificada universalmente como o mercado de energia elétrica ou mercado de gás natural. O que está em causa é o artigo definido “o” mercado; não quer dizer que haja mercados, porque há”, defendeu o dirigente, que classificou os mercados como “construções sociais” que “servem determinados objetivos”.
O chairman da empresa de energia renováveis é perentório quando diz que o mercado mudou, havendo “expectativas e objetivos sociais diferentes daqueles que tínhamos há 30 anos. O objetivo era acabar com os monopólios no setor de energia e liberalizar os setores de eletricidade e do gás natural”, recorda. Hoje, a “evolução tecnológica imparável no setor da energia” e “transformações económicas fora do setor e que depois têm um grande impacto no setor” levam Jorge Vasconcelos a acreditar que os “requisitos” num “Mercado de Eletricidade são muito diferentes dos do passado”. Apesar desses requisitos, a realidade é bem diferente: “temos hoje uma realidade disfuncional, que não é aquela que nos serve para o futuro”, havendo “questões do passado que nunca foram respondidas” como a questão da governança dos rios internacionais, uma situação “identificada há 17 anos” e que “continua sem resposta. Como é que é possível termos um Mercado Ibérico que funcione corretamente se nunca tivemos a coragem de definir politicamente, entre os dois países, um quadro claro para a gestão dos recursos hidroelétricos?”, questionou.
“O mercado Ibérico vai ter que se adaptar, como todos os Mercados de Energia” e que já estão em “processo de adaptação”, frisou Jorge Vasconcelos.
Artur Trindade parece não concordar com esta visão. Apesar de referir que “a construção dos mercados tem sido um processo constante”, o presidente da operadora OMIP diz que as “normas de mercado” são mudadas “demais. Às vezes, em Portugal, mudam-se as coisas antes de elas começarem a funcionar e, depois, não sabemos se os efeitos negativos são dessas mudanças ou de não termos dado tempo para que a ideia inicial funcionasse”, alerta.
O responsável afirma que as “mudanças” nos mercados de energia são comuns mas o mercado ibérico “tem sido objeto de sucessivas alterações”, algumas “coordenadas entre Portugal e Espanha”, outras “desordenadas: Espanha faz um conjunto de alterações e Portugal faz outras”, além do papel da União Europeia que marca “presença no funcionamento dos mercados” de Espanha e Portugal.
Vicente Ibor concorda que é necessário um “pilar de uma governança” no mercado Ibérico de Energia. O presidente da Federação Europeia de Direito da Energia considera que “a história é muito importante para prever o futuro”, implicando “um esforço prospetivo”. O responsável mostrou preocupação para “alcançar o futuro desejável, apesar de valorizar o facto de Portugal mostrar “vontade política” para “impulsionar” o Mercado Ibérico de Energia, “algo que não existia e que parecia impossível de se realizar”.
“Descarbonização” e “Governança” fundamentais na Transição Energética
O momento atual é visto por Vicente Ibor como uma “segunda transição” (energética) a que também se pode dar o nome de “descarbonização”. O responsável destaca que esta nova transição deve ter duas preocupações principais: por um lado, “os princípios que faltaram na primeira (transição), devem ser comuns em todos os países”; por outro, os “tempos” pois “definem o modo de realizar uma revolução normativa”. Para o presidente da Federação Europeia de Direito da Energia, a descarbonização “deve ser justa”, alertando para necessidade de “atenção” por parte dos Governos, dos atores e das associações aos modelos de mercado que estão a ser implementados.
Já Jorge Vasconcelos considera que o “património” que foi construído, “bem ou mal”, pode trazer vantagens. “Tenhamos a inteligência de o aproveitar e de o adaptar às exigências que aí vêm”, sublinha. Atendendo às alterações que são necessárias e definidas para 2020/2030, a posição defendida pelo presidente da NEWES passa por uma “abordagem mais progressista”, olhando para o que se pretende no futuro e “ir fazendo essas alterações mais radicais naquilo que temos incluído nos objetivos do mercado”. Uma das alterações indispensáveis neste processo de Transição Energética, e que já ocorre em vários países, é que a energia “passe da capital para os centros urbanos: a descentralização”. É necessário “reinventar uma arquitetura energética que dê a centralidade aos centros urbanos”, pois só assim é que “vamos ter uma Transição Energética eficiente e ordenada. Olhemos para os nossos objetivos e tenhamos a perceção de que é necessário introduzir alterações naquilo que temos”, apontou.
A Governança é um outro aspeto essencial nesta transição. Para o chairman da empresa de energia, só é possível existir uma Transição Energética entre Portugal e Espanha partindo do princípio de que existe “cooperação permanente” entre os dois países, algo “indispensável” na ótica de Jorge Vasconcelos. Embora já exista uma “cooperação técnica”, não há cooperação política. Não há diálogo”, alerta o responsável que considera ser necessário uma governança “sólida, robusta, transparente e de confiança entre os atores” e que se articule a nível “local, nacional e supranacional com a máxima transparência de eficácia possível”, acrescenta.
Por seu turno, Artur Trindade diz que a transição energética “pode correr bem”, sendo que a perspetiva é a de que o setor elétrico adote a “descarbonização” e aumente “a penetração de renováveis”. Quando comparada com outros países, “a Península Ibérica tem um dos índices mais elevados de penetração de renováveis. Estamos à frente da média e temos de aproveitar essa vantagem”, considera o presidente da OMIP.
Sendo que a transição energética se baseia em fontes de energia renováveis, a vantagem pode estar na Península: “aquelas que são consideradas mais interessantes na sua rentabilidade técnica e económica estão em Portugal e Espanha, o Sol”.
Já sobre a Governança, Artur Trindade diz que os instrumentos existem e permitem “agir de forma coordenada” entre os dois países. Desta forma, “teremos melhores resultados. Existem sempre melhorias, mas devemos aproveitar o que já existe. e dar esse salto evolutivo”, acrescenta.
Para Artur Trindade, “há um grande caminho a percorrer e esse caminho pode ser feito em Portugal e de forma harmoniosa nos dois países”. No entanto, há algumas restrições a ter em conta. O pacote aprovado de energia e clima “Energia Limpa para todos os Europeus” tem um “conjunto de regras que se vão impor na ordem jurídica nacional” de Portugal e Espanha e que “nos limitam em algumas atuações que possamos querer ver implementadas”, explica. Contudo, “temos que conseguir encontrar instrumentos dentro dessa restrição, saber ler e efetuar dentro dessa restrição, evoluindo e potenciando aquilo que já temos”. Essa evolução “deve ser uma continuidade e deve implicar regras, acompanhando o desenvolvimento tecnológico. Deve ser posta em prática hoje”, alerta.
Em jeito de conclusão, Jorge Vasconcelos avalia a mudança de mercado com a palavra-chave – “cooperação ibérica” -, algo benéfico para os dois países, valorizando-os no contexto europeu. A questão da descentralização é também referida, havendo a necessidade de “assumir os espaços de liberdade que temos para criarmos as nossas comunidades de energia”.
Já Vicente Ibor destaca a importância de uma “governança justa” e de um “mercado limpo no âmbito ibérico”. Quanto a Artur Trindade, este considera já existirem “instrumentos que podem ser a génese da solução de alguns problemas associados ao financiamento do investimento e da transição energética”. O responsável avalia-os como sendo uma “ferramenta para fomentar o investimento necessário” para a Transição Energética e que seja aberto às dimensões “europeia, ibérica local e regional”.