O ano de 2019 foi marcado pelo “leilão de capacidade solar fotovoltaica, nos quais foram alocados 1.292 MW, com valores de tarifas record na Europa e no Mundo”, refere em comunicado a Associação de Energias Renováveis (APREN). Neste procedimento concorrencial foram definidos dois tipos de regime remuneratório, que tiveram por base uma estratégia de contribuição para a sustentabilidade do Sistema Elétrico Nacional (SEN) por um período de 15 anos: o regime de remuneração garantida, para o qual resultou uma tarifa média de 20,4 €/MWh, e o regime de contribuição ao sistema, com um valor médio de 21,4 €/MWh de desconto ao preço de mercado. Com este modelo, o Governo prevê angariar cerca de “600 milhões para os consumidores em 15 anos”, pode ler-se no mesmo comunicado.
Este ano foi crítico ao nível da dependência externa do SEN, tendo-se registado um saldo importador de 7,0 TWh, que terá sido impulsionado pela entrada em operação da central marroquina a carvão Sefi, em dezembro de 2018. Por estar isenta dos impostos ambientais aplicados às centrais congéneres europeias, a central produz eletricidade mais barata, e, por sua vez, mais competitiva. Esta situação é particularmente crítica, dado que incute uma direção oposta aos presentes desígnios europeus de combate às alterações climáticas, ainda mais quando, a 28 de novembro de 2019, foi decretado pelo Parlamento Europeu o estado de emergência climática.
Esta decisão surgiu por iniciativa da nova Comissão Europeia (CE), presidida por Ursula Von der Leyen, que defende um compromisso mais ambicioso de redução de emissões, posição que se materializou no famoso Acordo Ecológico Europeu (European Green Deal), que propõe a revisão da meta europeia para a redução dos GEE para 55% até 2030, comparativamente com 1990.
De acordo com a APREN, esta ambição deverá ser averiguada ao nível dos Planos Nacionais de Energia e Clima (PNEC), que terão de ser “revistos a fim de concretizarem estes novos objetivos climáticos da Comissão Europeia, esperando-se que também Portugal reveja a sua estratégia, já revertida no PNEC 2030 e submetido a 31 de dezembro de 2019”. A Associação recorda ainda que em junho de 2019, foi aprovado o Roteiro para a Neutralidade Carbónica 2050, um documento que define o compromisso e estratégia nacionais de longo de prazo, rumo à neutralidade carbónica do país em 2050.
Qual foi o desempenho da eletricidade renovável em 2019?
Em suma, todos os centros eletroprodutores de Portugal Continental produziram, em 2019, um total de 49 TWh de eletricidade, proveniente, em 56%, de fonte renovável. Este total foi maioritariamente suportado pela tecnologia eólica, que representou 28%. Segundo a APREN, verificou-se uma “significativa melhoria na produção elétrica através do solar fotovoltaico”, já reflexo da entrada em operação de centrais como a Ourika!, com capacidade instalada de 46 MW.
O ano fechou com dois meses de elevada produtibilidade renovável, tendo o mês de novembro sido marcado por mais um record por parte dos centros eletroprodutores eólicos de Portugal Continental, que alcançaram uma produção diária nunca antes registada, de 103,1 GWh. Já em dezembro, Portugal bateu, mais uma vez, o record de consumo 100% renovável. No dia 18, iniciou um período ininterrupto de 131 horas, o correspondente a 5 dias e meio, em que a produção renovável foi suficiente para suprir o consumo. Este facto resultou de uma acentuada produtibilidade hidroelétrica e eólica, demonstrando-se assim a elevada resiliência do sistema elétrico nacional face a grandes níveis de integração renovável.
Estes importantes marcos do setor renovável resultaram em vários benefícios para a sociedade, economia e ambiente, dos quais a Associação destaca:
- Uma poupança em importações de combustíveis fósseis de 743 M€;
- 15,0 Mt de emissões de CO2 evitadas, tendo o setor registado este ano um total de 10,4 Mt de emissões de CO2. Como resultado, foi evitado um dispêndio em licenças de emissão de CO2 no valor de 374 M€, reflexo do atual valor das licenças de 24,8 €/tCO2, que viu um incremento de 56% face ao ano passado.
A análise dos dados das diferentes fontes de produção de eletricidade de 2018 e 2019, em particular no que respeita à produção a partir de centrais térmicas, mostra um cenário de enorme redução de emissões de gases com efeito de estufa entre os dois anos. Mesmo com uma significativa redução da produção da grande hidroelétrica na ordem dos 27%, com um aumento da produção de eletricidade por centrais térmicas e em particular pelas centrais de ciclo combinado a gás natural, a queda de produção das duas centrais de carvão para mais de metade conduziu a uma redução nas emissões totais do setor eletroprodutor em aproximadamente 4,8 milhões de toneladas, o que equivale a uma quebra de 30%. Tal é resultado da relação entre os preços do carvão e do gás natural e, acima de tudo, do elevado preço das licenças de emissão de carbono no mercado europeu, acrescido da taxa nacional de carbono e do imposto sobre combustíveis fósseis, que começaram a ser aplicados em 2018 de forma crescente.
Perspetivas para 2020
O ano 2020 regista o fecho de uma década marcada pelo mapeamento de caminhos ambiciosos com vista à neutralidade carbónica, que terá particular relevância e reflexo na década de 2021-2030. Até 2030 espera-se a concretização do ambicioso Plano Nacional de Energia e Clima, no qual Portugal se compromete a atingir uma incorporação renovável na eletricidade de 80%, com um muito provável ponto de partida na ordem dos 59%.
Pedro Amaral Jorge, presidente da APREN, afirma que: “O ano de 2019 foi de viragem no rumo da política energética em Portugal no que às renováveis se refere. Foi definido um plano de política energética para o país, materializado no PNEC 2030 submetido à CE no término de 2019. O Governo Português, ao definir uma estratégia a 10 anos, com objetivos quantificados para o sector elétrico renovável, cria as condições necessárias para atrair os investimentos e financiamentos adequados à economia nacional rumo a um serviço de eletricidade mais barato, mais justo e com ativa participação da cidadania. No entanto, exige-se coerência entre a política energética e a política fiscal no que concerne às taxas e impostos aplicáveis às renováveis. A fiscalidade, em sentido lato, tem de criar as mesmas condições necessárias para a captação dos investimentos e financiamentos adequados à economia nacional. A estabilidade regulatória tem de obrigatoriamente incorporar a previsibilidade do regime fiscal.
A CE tem prevista a revisão da Diretiva da Fiscalidade Energética até junho de 2021. A APREN espera que a pasta da fiscalidade do Governo compreenda a criticidade e o impacto de uma adequada política fiscal, em linha com o que venha a ser definido.”
Por seu lado, Francisco Ferreira, presidente da ZERO, considera que: “Portugal tem de investir muito mais na eficiência energética e nas energias renováveis para ser neutro em carbono em 2050 e esse investimento tem de ser fortemente acelerado. O aproveitamento da energia solar é crucial e é preciso informar, simplificar e ultrapassar os obstáculos que impedem que tenhamos muito mais edifícios com telhados preenchidos com painéis fotovoltaicos ou, no caso de grandes centrais solares, dando preferência a áreas sem outra utilização significativa”.