Aposta na ferrovia é fundamental para uma descarbonização efetiva da economia portuguesa, defende ZERO
Um relatório publicado pelo projeto UNIFY da Rede Europeia de Ação Climática (CAN Europe), no qual a ZERO (Associação Sistema Terrestre Sustentável) participou, avalia as políticas de transportes da União Europeia (UE) e de cinco dos seus Estados-membros, incluindo Portugal, fazendo recomendações para alinhar as políticas de transportes nestes países e na UE com o Acordo de Paris.
O relatório “Direcionando as políticas de transportes europeias no caminho da neutralidade carbónica”, que analisa as políticas do setor dos transportes na Alemanha, Dinamarca, França, Polónia e Portugal, mostra que “os Estados-membros não têm uma abordagem unificada na internalização dos custos externos ligados a este setor, o que cria inconsistências e sinais de mercado contraditórios a nível da UE”, lê-se num comunicado divulgado pela ZERO. Na França, segundo o relatório, citado pela ZERO, “180% dos custos externos do transporte ferroviário de passageiros estão internalizados, mas para o transporte rodoviário e aéreo, esta internalização corresponde a apenas 59% e 8% respetivamente. Isto apesar do transporte europeu ser ainda dominado por veículos a combustíveis fósseis e o transporte ferroviário de passageiros ser muito menos poluente relativamente ao transporte rodoviário e aéreo”.
O relatório também sublinha que, mesmo nos países europeus mais pequenos, a aviação se tornou um meio de transporte frequente para distâncias relativamente curtas dentro dos vários países. Em Portugal, por exemplo, a percentagem de voos internos em 2018 atingiu quase 10% do total do mercado de transporte aéreo, o mesmo se verificando na Dinamarca, um país onde as distâncias aéreas são inferiores a 300km. Em países maiores como a França e a Alemanha, apesar da sua oferta relativamente boa em ferrovia de alta velocidade, as percentagens de voos domésticos são também muito elevadas, 33% e 18% respetivamente. Uma das razões para se verificar esta elevada percentagem de voos internos, segundo as conclusões do relatório, citadas pela ZERO, é a “disponibilidade de bilhetes de avião a preços muito baixos comparativamente com os preços dos bilhetes de comboio”. O documento recomenda assim a criação de “planos de ação estratégicos para a transição destes voos de curtas distâncias para ligações ferroviárias, principalmente de alta velocidade, através da adequada internalização dos custos externos do transporte aéreo”.
Também se verificou que a transferência modal não está a ser tão promovida como a mudança para combustíveis alternativos. Dos países analisados, apenas a Alemanha define uma meta interna de “duplicar o número de passageiros na ferrovia entre 2020 e 2030”, e está a desenvolver políticas e medidas tais como a “redução dos impostos nos bilhetes de comboio de longa distância e a aplicação de impostos adicionais no transporte aéreo”.
Em Portugal, o setor dos transportes contribuiu com 28% do total de emissões nacionais de gases com efeito de estufa, segundo os mais recentes dados da Agência Portuguesa do Ambiente (APA) relativos ao ano de 2019, a percentagem mais elevada de sempre desde 1990. “As emissões deste setor continuam a aumentar anualmente, indo no sentindo inverso da trajetória necessária para cumprir as metas nacionais e europeias”, atenta a ZERO. Segundo esta associação, “a aposta na transição para veículos elétricos não é suficiente, sendo necessário um grande investimento na ferrovia e uma aposta de fundo nos transportes públicos ajustada às diferentes realidades do país”.
Das recomendações que o relatório inclui para este setor a nível da UE, destaca-se o reforço das metas de redução de emissões e a permanência sob o Regulamento de Partilha de Esforços. “A UE deveria ainda pedir aos Estados Membros para definirem e/ou reforçarem as metas e medidas do setor dos transportes nos seus Planos Nacionais de Energia e Clima (PNEC), de modo a permitir a coerência com outras políticas e que o progresso na redução de emissões neste setor seja facilmente monitorizado”, lê-se na nota.
Para Markus Trilling, coordenador de Políticas de Finanças e Subsídios da Climate Action Network (CAN) Europa, “reduzir as emissões do setor dos transportes será crucial para atingir o objetivo do Acordo de Paris, de limitar o aumento de temperatura média global a 1,5ºC. Deste modo, é muito importante manter o setor dos transportes dentro do Regulamento da Partilha de Esforços e simultaneamente aumentar as metas nacionais vinculativas, assim como reforçar as políticas de transporte a nível nacional e da UE. Este relatório lembra ainda que as medidas tomadas para acelerar a redução de emissões podem e devem trazer benefícios sociais, tais como o aumento da conetividade dentro dos países e transporte público mais acessível. Esta transição deve ajudar os que mais precisam a ter acesso a transporte sustentável e financeiramente acessível”.
Já Francisco Ferreira, presidente da ZERO, considera que “o setor dos transportes requer uma intervenção de fundo e uma mudança de paradigma para se conseguir alcançar a neutralidade carbónica em Portugal. A aposta em melhores transportes públicos e em particular na ferrovia é fundamental para uma descarbonização efetiva da economia portuguesa”.