A Região Autónoma da Madeira (RAM) quer estar na “linha da frente” no que à incrementação das renováveis diz respeito. Apesar dos desafios e das incertezas marcadas pela pandemia da Covid-19, a região tem em marcha um conjunto de ações e investimentos para mais rapidamente cumprir com as metas da descarbonização. Estivemos à conversa com o presidente da APIERAM (Associação de Produtores Independentes de Energias Renováveis da Madeira), Aurélio Tavares, que nos traçou o panorama atual da região sobre o setor energético.
- Que ponto de situação faz sobre o setor da energia na Ilha da Madeira?
Conforme o quadro abaixo referido sobre o Balanço Energético, o ano de 2020, fica incontornavelmente marcado pela pandemia de Covid-19. No primeiro trimestre de 2020, a irrupção da pandemia e, a severidade da sua evolução ao longo do ano, provocaram impactos inesperados e brutais de enorme amplitude, principalmente devido à redução drástica das atividades de hotelaria, da restauração, da construção e da atividade económica em geral.
Foi no período entre os meses de abril e julho que se verificou o maior decréscimo do consumo, correspondendo ao período de confinamento, com restrições de diversa ordem, nomeadamente: limitação da entrada de visitantes na RAM; unidades hoteleiras encerradas e paragem da atividade presencial de várias empresas. Com o regressar das atividades turísticas, todo este cenário está a alterar-se, com o aumento de produção face á procura de energia elétrica.
Qual tem sido o nível de atuação da região nestas matérias?
De forma a se atingir as metas, foram definidas ações, algumas já executadas, outras que se encontram a decorrer e ainda outras que será necessário implementar:
- Aumento da componente hídrica no “mix” energético, através do projeto hidroelétrico reversível, designado por Ampliação do Aproveitamento Hidroelétrico da Calheta – “Calheta III”;
- Instalação de um sistema de armazena- mento de energia elétrica por baterias na ilha da Madeira, a realizar pela EEM com a potência de 15MW (que se iniciou em maio do corrente ano), de forma criar condições para o incremento de maiores percentagens de energia renovável;
- Reforço da penetração de energia solar fotovoltaica para produção de energia elétrica, em cerca de 50 a 60MW;
- Execução de pequenos projetos de produção hidroelétrica;
- Promoção da recolha de biomassa florestal para produção de energia elétrica, numa lógica de mitigação de incêndios e limpeza da floresta;
- Disseminação da produção distribuída de energia através de unidades fotovoltaicas para autoconsumo individual, coletivo e em comunidade, com a recente adaptação do regime do autoconsumo à RAM. À presente data estão registadas unidades de autoconsumo a rondar os 2MW, (10% de toda a potência instalada baseada na energia solar fotovoltaica);
- Aumento da capacidade de produção eólica em 25 MW (18 MW já instalados em 2020), proporcionada pelo projeto Calheta III, no maciço central do Paul da Serra;
- Aumento da capacidade de produção eólica no regime de sobreequipamento de Parques Eólicos licenciados na RAM. Elaboração de Decreto Legislativo Regional, recentemente aprovado na Assembleia Legislativa da RAM, que estabelece a disciplina do sobrequipamento na RAM;
- Implementação de sistemas e instalação de equipamentos de redes elétricas inteligentes.
Como tem sido a evolução do setor de energia do arquipélago?
Tem havido uma evolução positiva na promoção das energias renováveis e na descarbonização.
Que oportunidades existem na região no que à energia diz respeito?
Sim, na energia solar PV, autoconsumo nas empresas e na habitação, associado ao aumento da eletrificação dos consumos e da mobilidade elétrica.
Que desafios enfrenta a Ilha da Madeira?
O sistema elétrico é isolado e é necessário assegurar a viabilidade dos investimentos e o equilíbrio e segurança do sistema elétrico. É necessário reduzir a dependência do exterior e apostar nos recursos endógenos para reduzir a vulnerabilidade aos preços da energia e assegurar a segurança e resiliência regional no setor da energia, conforme explicado nos seguintes pontos.
Que medidas devem ser postas em prática?
- Promover o desenvolvimento das energias renováveis para produção de eletricidade para fornecimento à rede elétrica e para autoconsumo;
- Aumentar a capacidade de armazenamento de energia de origem renovável (bombagem, baterias, hidrogénio);
- Promover a mobilidade elétrica;
- Promover a eletrificação dos consumos associados ao aumento da produção de origem renovável, de modo a minimizar o uso de combustíveis fósseis.
Que projetos tem a Ilha da Madeira posto em prática para tornar o setor da energia mais limpo?
Conforme vem sendo referido, na área dos aproveitamentos hidroelétricos, a Ampliação do Aproveitamento Hidroelétrico da Calheta (Calheta III) é o maior e mais estruturante projeto hidroelétrico na ilha da Madeira, devido ao impacto que induz no sistema hídrico existente a jusante, a par do contributo para o reforço das componentes eólica e fotovoltaica, proporcionado pelo armazenamento de energia e pelo sistema de bombagem, através de diferentes regimes de funcionamento previstos: Produção/ Bombagem/Compensação síncrona. Com a realização deste investimento, estima-se um acréscimo de produção anual de aproximadamente 15 GWh de origem hidroelétrica, bem como a garantia de 30 MW de potência (equivalente a dois grupos térmicos) em qualquer época do ano. Por outro lado, com a introdução de um sistema de bombagem com potência nominal de 16,5 MW, será possível acomodar na rede, mesmo nos períodos de vazio no Inverno, uma potência eólica adicional de valor superior à potência de bombagem, próxima de 25 MW, já que durante esse período a central de Inverno da Calheta reduzirá a potência debitada à rede, devido à retenção da água a montante (barragem do Pico da Urze).
De forma a tornar a Ilha do Porto Santo um destino verde houve a preocupação de investir num Sistema de Armazena- mento de Energia com Baterias no Sistema Elétrico da Ilha do Porto Santo No seguimento deste, que ficou concluído no ano de 2019, a EEM tem prevista uma nova central de baterias para a ilha do Porto Santo de 6MW/12 MWh visando o reforço da capacidade da produção de eletricidade renovável, substituição da reserva girante, apoio na gestão da rede e a operação do sistema elétrico sem componente térmica, em períodos de abundância de recursos renováveis. Esta nova central de baterias foi submetida ao Plano de Recuperação e Resiliência tendo recebido aprovação.
Além destes investimentos e da promoção das renováveis e transição para a mobilidade elétrica, foi criado um Sistema de Apoio financeiro para a energia renovável, PRIPAER, assim como um sistema de apoio para a mobilidade elétrica.
O Projeto SMILE(Smart Island Energy Systems), cofinanciado pela Comissão Europeia, ao abrigo do programa Horizon- te 2020 (Tópico LCE-02-2016 – Demonstration of smart grid, storage and system integration technologies with increasing share of renewables: distribution system), envolveu 19 parceiros de 6 países europeus para o quadriénio 2017-2021, com um orçamento global de cerca de 14 M€. Apresentam-se em seguida os principais desenvolvimentos e ações do projeto, respeitantes ao ano 2020, agregando a aprendizagem de três anos de planeamento, monitorização, aquisição de da- dos, investigação, recrutamento de participantes e cooperação entre diferentes entidades europeias e parceiros locais:
- Instalação do 3.º e último equipamento necessário à operação e monitorização do sistema de carregamento inteligente (smart-charging) existente na sede da EEM;
- Operação, monitorização e realização de testes remotos (DTI) do primeiro sistema de armazenamento de energia através de bate- rias (BESS) instalado num posto de transformação da ilha da Madeira;
- Cooperação com vários parceiros europeus envolvidos no projeto, na realização de testes remotos aos demonstradores e desenvolvimento de algoritmos essenciais para a otimização dos sistemas anteriormente implementados;
- Operação, monitorização e realização de testes remotos (DTI) nos sistemas de armazenamento em Unidades de Produção para Autoconsumo (UPAC), instalados em 2019.
Quais os investimentos realizados no arquipélago em fontes renováveis de energia?
Projeto da Calheta, investimentos privados em parque eólicos e fotovoltaicos.
Qual a importância destes investimentos para assegurar uma transição energética efetiva?
O projeto da Calheta é fundamental para assegurar o armazenamento dos excessos de produção de origem renovável de fontes intermitentes.
Qual a posição dos clientes do setor relativamente ao nível de atuação da região no setor de energia?
Os clientes manifestam interesse na produção para autoconsumo e são muito sensíveis ao preço da energia, mas a tomada de decisão é morosa em relação a investimentos para a e ciência energética.
O que há ainda a fazer para aumentar o nível de satisfação?
Fomentar a sensibilização da população e dos consumidores de energia.
Como perspetiva o futuro deste setor na Ilha da Madeira?
A RAM está a caminhar para a descarbonização e perspetiva-se que a produção de origem renovável terá um incremento significativo na próxima década, associa- do melhoria da e ciência e mobilidade elétrica.
Esta entrevista foi publicado na edição 91 da Ambiente Magazine.