A APDA (Associação Portuguesa de Distribuição e Drenagem de Águas) promoveu, na passada sexta-feira, um webinar subordinado ao tema “A Gestão do Talento no Setor da Água”. A sessão teve como base os resultados do inquérito “A importância dos jovens nas Entidades Gestoras dos Serviços de Águas”, conduzido pelo Núcleo de Jovens Profissionais da Água (JOPA) da APDA.
De acordo com os principais resultados do inquérito, a maioria das entidades gestoras sente a necessidade de renovar os seus recursos humanos e reconhece como importante a presença de jovens na definição da estratégia e do cumprimento dos objetivos das organizações. Com base nestas conclusões, o JOPA quis organizar um encontro entre profissionais da área no sentido de destacar a importância das organizações reterem talento e quais as peças-chave para o sucesso da sua gestão.
No discurso de Reinaldo Santos, professor do ISMAI (Instituto Universitário da Maia), ficou claro que o setor da água, face a outros setores, tem mais estabilidade de negócio: “Tende a relações de trabalho a longo-prazo, a estruturas hierarquias mais verticais, à influência direta do contexto do emprego público e, noutros casos, à influência indireta por proximidade de atividade e das referências à relação de emprego público”. Assim, para o responsável, há “duas ofertas de valor” neste setor que, por um lado, se prendem com a “estabilidade” do emprego, isto é, “entrar num contexto em que dá alguma garantia de vínculo a longo tempo”; e, por outro lado, a “possibilidade das pessoas trabalharem num setor ligado ao ambiente” numa altura em que é claro que a “escolha do empregador não segue só questões de natureza utilitária”, mas sim “questões imateriais”, como a “identificação pessoal, valores de desenvolvimento sustentável e valorização da sociedade”, valias que, do ponto de vista do docente, “tornam o setor ainda mais apelativo”.
E num contexto de relações a longo-prazo, aquilo que parece ser mais relevante para uma empresa reter talento é, segundo Reinaldo Santos, ter uma “abordagem de identificar o talento”, que exige uma “abordagem diferenciadora” no âmbito da equipa de trabalho: “Algo que não é facilmente conciliável com estruturas mais formais e mais conservadores na gestão das pessoas que tendem a valorizar uma política igualitária que faça com que ninguém se sinta a perder alguma oportunidade”. Se uma empresa quer ser ativa na retenção de talento, o docente refere que é crucial integrarem uma “política diferenciadora de segmentação de talento”, obrigando para tal a uma “estrutura hierárquica que valide essa diferença”. E a razão apontada pelo docente prende-se com o facto dos recursos serem cada vez mais escassos: “As empresas que não fazem segmentação dos seus talentos, tendem a não conseguir ser eficazes”. Além disso, as relações a longo-prazo, obrigam a um “dinamismo de preparação para o futuro”, afirma o responsável, acrescentando que a tendência passa pela “concretização da adaptação hedónica” onde o “efeito novidade é algo que vai caindo com o tempo” e o “efeito extraordinário de algo novo”, tende a ter o “efeito de uma coisa comum”. Assim, a realidade é que uma “experiência de emprego de três, quatro ou cinco anos” origina mais entusiasmo do que uma de 20 anos: “A forma de contornar esta situação está na dinâmica de gestão das pessoas, ou seja, de sermos capazes de envolver as pessoas numa lógica em que o emprego médio e longo prazo possibilita progressos”.
E o setor da água tem aqui uma vantagem em relação aos outros: “Hoje, as empresas são muito mais planas e é muito mais difícil os colaboradores perspetivarem oportunidades”. Mas, nos setores das águas, a tendência passa por “estruturas verticais” onde “há vários cargos que possam existir e ser oferecidos e assim serem mobilizadores para as pessoas”, sustenta. No entanto, tão importante é que “o momento em que as pessoas estão à espera” de tais oportunidades, “não sejam momentos passivos em que a pessoa sinta que esperar é estar parado”, refere, destacando que “esperar terá que ser um momento integrado num processo dinâmico de formação e de envolvimento para que as pessoas se preparam para novos desafios e que o dia-a-dia não seja comum”. Ainda dentro das relações de longo-prazo, Reinaldo Santos considera fundamental que haja “políticas de recompensas” mas que sejam “competitivas”, fazendo que o dia-a-dia “não seja unicamente a falta de recompensas monetárias”.
Também o marketing é visto como uma “valia” no sentido da retenção de talento. “As empresas perdem muitos recursos a tentar cativar clientes novos, e aquilo que o marketing tem mostrado em termos de criação de valor para as organizações advém das relações” passadas. O mesmo acontece na relação laboral: “Perder um colaborador que está formado tem um potencial de custo direto que pode chegar aos 200% do seu custo anual”, refere.
Assim, do ponto de vista da atração e tendo em conta que a partir do momento em que perder pessoas talentosas tem um custo, o docente considera que “só faz sentido ir buscar pessoas fora que efetivamente venham acrescentar” valor à organização. No entanto, salienta que essas pessoas têm um “mercado com várias possibilidades”, escolhendo em função de duas variáveis: “Por um lado, qual é marca diferenciadora deste empregador (o que é que significa para mim) e, por outro lado, “não tendo essa marca”, pode ser capaz de mobilizar talento, integrando uma “política de recompensa que seja muito atrativa no mercado”.
Em suma, Reinaldo Santos destaca que as empresas têm que ter uma lógica disponível que passa por “desenvolver e atrair talento”. Caso contrário, não terão sucesso: “Sem dinamização de talento, sem desenvolvimento de talento é impossível ter empresas talentosa. É uma ilusão enganadora”.
“Um setor de águas forte e competente não precisa exclusivamente de licenciados, mestres ou doutorados”
Quem parece concordar com os ideais defendidos por Reinaldo Santos é João Pintassilgo, vereador da Câmara Municipal do Barreiro, e também orador convidado da APDA. “Identificar jovens profissionais com talento, retê-los, geri-los e desenvolvê-los é uma tarefa difícil”, sustenta o responsável, que defende a “formação” e consequente “aquisição de conhecimento” como uma grande alavanca para o desenvolvimento de qualquer economia. E, no caso português reconhece que “muito evoluímos”, destacando a entrada constante, nos últimos anos, no mercado de trabalho de uma “camada jovem” e, sem dúvida, a “mais bem preparada de sempre”.
No entanto, admite que nem todos os setores da atividade económica, em Portugal, têm a oportunidade de usufruir dessa mais-valia como é o caso do setor das águas, sendo, precisamente, as entidades públicas que notam mais barreiras: “E muito provavelmente essas são cerca de 89% do total das empresas”, diz. João Pintassilgo considera que a principal dificuldade para as entidades gestoras públicas está na Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, que “dificulta e impede a renovação de quadros das autarquias de uma forma geral”. E, para colmatar tais dificuldades, o responsável afirma que o “gestor deverá recorrer aos trabalhadores já existentes no seu mapa pessoal”, criando “condições para o efeito” quer “investindo na formação profissional”, quer “propondo novos desafios”.
“Um setor de águas forte e competente não precisa exclusivamente de licenciados, mestres ou doutorados: precisa também de bons canalizadores e eletromecânicos”, sustenta o responsável, defendendo a necessidade de “renovação de recursos humanos na função pública”, nomeadamente, “jovens profissionais com talento e com melhores níveis de desempenho”.
No que diz respeito à retenção de talentos, o responsável refere que “os gestores privados ou públicos têm de apelar à imaginação”, encontrando “ferramentas de gestão” que permitam “gerir a necessária motivação”, levando a “manter a presença de jovens na definição da estratégia” e “no cumprimento das obrigações”. Para além dessa focagem, com destaque nas entidades públicas, João Pintassilgo defende a necessidade de “saberem transmitir às chefias” a importância da “promoção” e do “envolvimento” dos jovens” numa perspetiva de “participação e iniciativas”, sendo esse um dos “obstáculos com que nos defrontamos na estrutura das organizações”. E um fator crucial nesta gestão de recursos é a “implementação de procedimentos”, diz o responsável, dando como exemplo a “transmissão de conhecimentos geracional e tecnológico” que “traz conhecimento, métodos e novas tecnologias”. No entanto, “há sempre a necessidade do conhecimento e da experiência no terreno pelos seniores”, sustenta. E aqui, embora menos vulgar, identifica-se a “síndrome de receio da sobra dos jovens”, afirma João Pintassilgo, defendendo “mecanismos de retenção durante a fase final da atividade profissional como, por exemplo, a “redução do horário de trabalho”, dando a possibilidade a estes profissionais de transmitir aos jovens a realidade daquilo que viveram.
Relativamente ao enquadramento dos jovens talentos, o autarca destaca a “necessária atenção especial nas vertentes extracurriculares” e à “formação” nas organizações que, “por vezes, escapa aos currículos das universidades”, bem como o “trabalho de equipa” ou o “incentivo” à capacidade de iniciativas. João Pintassilgo considera que o grande desafio passa assim por “acabar com o tabu que ainda existe dentro das organizações”, aquando da “implementação de sistema de gestão de qualidade ou gestão ambiental”. Além disso, apela à necessidade de “formação complementar” em áreas específicas e que “cubra dificuldades identificadas de conhecimento” que “possam criar situações de constrangimento” e “afetar o potencial” do jovem talento, defendo um “clima de empatia entre colaborador e organização nos diferentes níveis”
Em suma, o autarca refere que os “grandes desafios de dimensão económica” do setor da água exigem a capacidade de inovação e captação de conhecimento. “Há que reformular a Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas e encontrar um mecanismo que permita uma política diferenciadora”, ao contrário daquela que está plasmada na atual legislação: “uma política igualitária”, remata.