Em Portugal, quase 140 mil hectares ardem em média todos os anos, em mais de 22 mil incêndios florestais – quase o dobro da média de outros países do Mediterrâneo. Estas são algumas das conclusões do relatório de incêndios “O Mediterrâneo Arde”, documento lançado esta quarta-feira em Portugal pela ANP|WWF, preparado em conjunto com os escritórios da WWF Espanha, França, Itália, Grécia e Turquia e que se uniram para chamar a atenção da vulnerabilidade especial ao fogo que os seus países sofrem, uma situação que é agravada pela atual crise climática. No relatório partilhado com a imprensa, a organização alerta que esses países do Mediterrâneo enfrentam a mesma emergência e pede aos governos que unam esforços na criação de uma estratégia comunitária de prevenção de incêndios.
Portugal é de longe o país mediterrânico que mais sofre com os incêndios florestais: “nos últimos 30 anos, enfrentou mais ocorrências de incêndio e com mais hectares queimados”, revela o relatório. A somar ainda que, “35% dos incidentes na Europa e 39% da área ardida em cada ano ocorrem em Portugal, resultando numa média de 3% de florestas portuguesas a serem devastadas todos os anos”.
Mais de 80% da área total queimada por ano no continente europeu pertence a Portugal, Espanha, França, Itália, Grécia e Turquia. A cada ano, uma média de 375.000 hectares arde em mais de 56.000 acidentes, com danos ambientais e económicos significativos e com sérios riscos à vida humana.
O relatório aponta que, apesar da tendência geral de queda no número de incêndios e na área queimada desde os anos 80, há uma tendência perigosa a ganhar peso: os grandes incêndios florestais (GIFs), que em Portugal se considera que são incêndios que queimam áreas superiores a 100 hectares. Na última década, este tipo de incêndios foi responsável por 68% do total de área ardida, apesar de apenas representarem 0,66% do número total de incidentes. Para além disso, uma nova geração de incêndios apareceu na Europa Mediterrânea: super incêndios, incêndios muito rápidos, letais e impossíveis de extinguir apesar dos avançados dispositivos de extinção.
“É urgente assumir que temos um problema para o qual não estamos preparados”, diz Lourdes Hernández. O especialista em incêndios florestais da WWF Espanha e principal autor do relatório alerta ainda que “os últimos super incêndios mostraram que a paisagem, as montanhas, os atuais sistemas de combate a incêndios e a sociedade como um todo não estão preparados para essas tempestades de fogo geradas pelas alterações climáticas. É essencial mudar o nosso foco da luta contra o fogo e apostar na prevenção em vez da extinção”, concluindo que “se não, continuarão ocorrendo situações dramáticas como as vividas em Portugal e Espanha em 2017 ou na Grécia no ano passado, que no total deixaram 225 fatalidades”.
Assim, os incêndios deixaram de ser um problema florestal ou rural para se tornarem emergências civis. Entre as causas denota-se a elevada taxa de acidentes por causa de uma cultura arraigada de queimadas, uma paisagem com grandes acumulações de combustível altamente inflamável devido ao abandono de usos, a falta de gestão e planeamento florestal, a ausência de planeamento urbanístico que resulta em casas intercaladas no mato, e as alterações climáticas, oferecendo a receita perfeita para esses incêndios.
Um recente estudo científico conduzido por investigadores da Universidade de Barcelona, publicado no final de 2018, sugere que, mesmo que o Acordo de Paris sobre o Clima seja observado e aumento de temperatura permaneça inferior a 1,5ºC, as áreas ardidas do Mediterrâneo serão 40% maiores do que hoje. No pior cenário climático, prevendo um aumento de temperatura de 3ºC, este número duplicaria.
Para a WWF, a única estratégia eficaz para lidar com incêndios é resolver as causas e apostar em medidas de prevenção reais: reduzir a alta taxa de acidentes e tornar o território menos inflamável e mais resiliente às alterações climáticas.
Constantinos Liarikos, chefe do Programa de Conservação da Grécia da WWF, comenta em nome dos escritórios do Mediterrâneo: “O relatório mostra que, seja acidentalmente ou intencionalmente, 96% dos incêndios florestais no Mediterrâneo são causados por seres humanos. Isso significa que a prevenção de incêndios está nas nossas mãos.”
O Diretor de Conservação da ANP|WWF, Rui Barreira, reforçou ainda esta mensagem afirmando que “em média, 30% dos fogos nestes países mediterrânicos têm uma origem desconhecida. Esta média sobe para 54% em Portugal, a mais elevada entre todos, e é uma das principais mudanças que é necessário efetuar. Como se podem prevenir fogos sem saber como estes começam?”
O principal pedido da WWF a nível regional é a criação de uma Estratégia Comum para a Prevenção de Incêndios, com medidas de prevenção a longo prazo e um sistema de acompanhamento e monitorização da implementação de políticas e fundos comunitários destinados á prevenção de incêndios em Estados-Membros. A nível nacional, a ANP|WWF pede um aumento nos esforços de pesquisa sobre as causas e motivações dos incêndios, a par com maior severidade nas penas e o fim da impunidade. Também considera essencial a promoção de um bom planeamento e gestão florestal, dando prioridade às áreas de maior risco de incêndios florestais, diversificando usos e exploração. Finalmente, a ANP|WWF insiste na importância de combater as alterações climáticas, o que acelera e intensifica este grave problema.
Para alertar toda a população para os dados deste relatório, a ANP|WWF aliou-se à agência de publicidade FCB para criar a primeira caixa de fósforos que não ardem. Os “Fósforos para a Floresta” já foram colocados em leilão no E-Solidar, procurando angariar donativos para o trabalho contínuo desta associação na prevenção de incêndios florestais, feito através do restauro pós-florestal assente num correto planeamento e gestão da floresta.