O Living Planet Report 2020 faz parte da 13.ª edição de um conjunto de estudos que a rede WWF (World Wide Fund For Nature) tem vindo lançar a cada dois anos. Trata-se assim de um estudo abrangente das tendências da biodiversidade global e da saúde do planeta. Nesta mais recente edição, torna-se evidente o que a natureza tem demonstrado constantemente: “A atividade humana insustentável está a levar os sistemas naturais do planeta que sustentam a vida na Terra ao limite”.
Em Portugal, a WWF é representada pela Associação Natureza Portugal (ANP), uma ONGA (Organização Não Governamental Ambiental) que trabalha em alinhamento com a visão e estratégia global da rede oficial. Em entrevista exclusiva à Ambiente Magazine, a diretora executiva da ANP, Ângela Morgado, alerta para os resultados claros deste relatório, havendo uma “necessidade absoluta de percorremos um outro caminho”.
O “Living Planet Report 2020”, ou Relatório Planeta Vivo (RPV), apresenta uma visão geral e abrangente através do Índice Planeta Vivo, que “rastreia as tendências” na abundância global de “vida selvagem, juntando “contribuições de mais de 125 especialistas de todo o mundo”. De acordo com a responsável, o RPV mostra que a principal causa do “declínio dramático das populações de espécies no planeta” observado no Índice é a “perda” e “degradação” do habitat, incluindo a “desflorestação” e a “alteração de usos da terra”, impulsionada pela “forma como nós, humanos, produzimos e consumimos alimentos”.
“Florestas, Oceanos e Rios em risco”
Este relatório inclui ainda um modelo pioneiro que mostra que, “sem mais esforços para neutralizar a perda e degradação de habitat”, a “biodiversidade global continuará a sofrer um declínio”, diz a responsável. Uma das conclusões mais evidente de relatório é que “há um declínio grave de 68% da vida selvagem”, alerta Ângela Morgado. Mas tão ou mais grave é que “as nossas florestas, oceanos e rios estão em risco”, vinca a responsável, dando nota de que o “impacto” e “pressão” que é exercida no planeta está a “minar” o “tecido vivo” que sustenta a humanidade: a “natureza” e a “biodiversidade”. As tendências, segundo o relatório da WWF, indicam que as “populações globais de peixes, aves, mamíferos, anfíbios e répteis diminuíram em quase 21 mil entre 1970 e 2016”. E aquelas que são as “principais ameaças” às espécies estão “diretamente ligadas” às “atividade humanas”, incluindo “perda” e “degradação” de habitats e a “sobre-exploração da vida selvagem”. Para tal, Ângela Morgado defende a necessidade de se “criar um novo caminho que nos permita coexistir de forma sustentável com a natureza da qual dependemos”.
Com base no artigo “Bending the curve of terrestrial biodiversity needs an integrated strategy”, com coautoria da WWF e de mais de 40 ONG e instituições académicas e publicado no dia 10 de setembro na revista “Nature”, o modelo pioneiro a que se recorreu para este relatório deixa claro que “estabilizar” e “reverter a perda da natureza” causada pela “destruição de habitats naturais pelos humanos” só será possível se “esforços de conservação mais ousados e ambiciosos forem adotados e mudanças transformacionais feitas” na forma como a humanidade produz e consome. Essas mudanças, segundo Ângela Morgado, incluem “tornar a produção e o comércio alimentar mais eficientes e ecologicamente sustentáveis, reduzindo o desperdício e favorecendo dietas mais saudáveis e ecológicas”. Assim, “implementar estas medidas em conjunto, e não isoladamente”, permitirá que o “planeta alivie mais rapidamente as pressões sobre os habitats naturais”, revertendo assim as tendências de “perda de biodiversidade e de habitat”. Este modelo, alerta ainda para outra realidade: “Se o mundo continuar no seu ´business as usual`, as taxas de perda de biodiversidade observadas desde 1970 continuarão a ser observadas nos próximos anos”, declara.
Portugal: Pegada ecológica média excedeu “biocapacidade do país”
Perante um cenário crítico, não restam quaisquer dúvidas de que o planeta está mesmo em perigo: “O nosso planeta está a enviar sinais de alerta”. Ângela Morgado responsável declara que não podem ser “ignoradas” as evidências, uma vez que “o declínio grave da vida selvagem é um indicador de que a natureza está a desaparecer com graves consequências para a saúde humana”.
Questionada sobre a situação portuguesa# em relação a outros países, a diretora executiva recorre aos dados da ANP|WWF para dizer que a “retoma económica” no “pós-troika” e o “aumento do turismo” têm levado a “um crescimento do consumo” com “consequências graves” para a “pegada ecológica média dos portugueses”, que agora necessitam do “equivalente a 2,52 planetas ao ano para dar resposta às suas necessidades”, por “oposição aos 2,23 planetas referidos no relatório de 2018”, excedendo largamente a “biocapacidade do nosso país”. Assim, os dados agora apresentados vêm reforçar o pedido global que a WWF e outras ONGs têm feito para que se implemente um “Novo Acordo para a Natureza e as Pessoas”, sendo essa a “chave para a sobrevivência a longo prazo da vida selvagem, das populações de plantas e insetos e de toda a natureza, incluindo a humanidade”.
E num contexto pandémico global, Ângela Morgado reforça a importância dessa “ação global coordenada e sem precedentes” para, até 2030, haver “zero perda de habitats, zero extinção de espécies e populações de vida selvagem em todo o mundo” e “reduzir para metade a nossa pegada ecológica”. E a sobrevivência da espécie humana está cada vez mais dependente disso, alerta. Tal “ação global” deve ser reforçada pelos Chefes de Estado nas Nações Unidas, refere, cabendo ainda aos líderes políticos assegurar que a “Convenção da Diversidade Biológica” responda ao apelo, acordando um “quadro global ambicioso para a biodiversidade pós-2020” e promovendo “planos para uma recuperação económica justa e sustentável”. Já os Governos locais e regionais devem “atuar na proteção da natureza” dentro das suas jurisdições, “implementar nature-based solutions” e ter em “consideração as consequências ao nível da paisagem dos seus planos de desenvolvimento”, sublinha.