ANP|WWF lança petição para que Portugal decrete moratória à mineração no mar profundo
“Restaurar a saúde dos oceanos requer ação urgente a todos os níveis e de todos os setores – local a global. Não temos tempo para mudanças incrementais. Não há dúvida de que desde a última Conferência do Oceano em 2017 o oceano subiu nas agendas políticas, corporativas e sociais. Mas o oceano, o clima e as comunidades costeiras em todo o mundo precisam de progresso real, e não de promessas, no que toca à saúde do oceano”. A declaração pertence a Marco Lambertini, Diretor Geral da WWF, que acompanhou a Conferência dos Oceanos das Nações Unidas.
A Conferência, que decorreu entre os dias 27 de junho e 1 de julho, foi vista como sendo uma oportunidade para reafirmar os compromissos globais em torno da proteção do oceano, cimentando a necessidade de financiamento e políticas globais nesta área, que ainda são insuficientes.
Também, Ângela Morgado, diretora executiva da ANP, que em Portugal trabalha em associação com a WWF, defendeu que “o restauro da natureza e do oceano devem ser a prioridade: agora é o tempo de restaurar e não destruir”.
Para a diretora da ONG, a semana da Conferência fica marcada pelos “compromissos assumidos para expandir a proteção dos ecossistemas marinhos e costeiros e proteger os bens comuns do oceano, como o mar profundo, contra ameaças emergentes. Referindo-se ao anúncio da Colômbia de proteger as suas terras e águas, atingindo a meta de proteger 30% do país oito anos antes do prazo de 2030, a responsável lembrou o discurso de António Costa, reiterando o compromisso assumido “em 2017 de proteger 30% do espaço marítimo sob jurisdição nacional até 2030”. Ângela Morgado saúda este compromisso, mas recorda a “necessidade de agir para lá das palavras”, lembrando que “as atuais Áreas Marinhas Protegidas continuam sem planos de gestão, nem meios ou recursos humanos e económicos para fiscalização, gestão, monitorização e efetiva salvaguarda”.
Várias nações insulares do Pacífico anunciaram na Conferência a criação de uma aliança para uma moratória global sobre mineração no mar profundo. Fiji, Palau e Samoa, que já haviam declarado moratórias a este tipo de mineração nas suas águas, anunciaram uma aliança de países que apela a uma moratória global, lê-se num comunicado, divulgado pela ANP|WWF.
Face ao silêncio persistente do Governo português sobre a mineração em mar profundo, a ANP|WWF lançou, na passada sexta-feira, 1 de julho, uma subscrição que conta com mais de 30 outras organizações, onde apelam a António Costa que decrete uma moratória à mineração no mar profundo português (e defenda o mesmo para as águas internacionais) até que os riscos ambientais, sociais e económicos sejam compreendidos, e esteja claramente demonstrado que esta atividade pode ser gerida de forma a assegurar a efetiva proteção do ambiente marinho e a evitar a perda de biodiversidade.
“Há interesse crescente da indústria mundial em explorar os fundos oceânicos para explorar metais e minerais como cobalto, lítio e níquel, o que teria um impacto destrutivo nos ecossistemas e biodiversidade no fundo do mar, com possíveis efeitos colaterais sobre a pesca, meios de subsistência e segurança alimentar, comprometendo os ciclos de carbono e nutrientes dos oceanos”, alerta a ONG.
Para Catarina Grilo, diretora de Conservação e Políticas da ANP|WWF, “permitir que o fundo do mar português, tão rico em biodiversidade e ecossistemas únicos como as fontes hidrotermais dos Açores, sejam alvo desta atividade destrutiva vai em contra-ciclo com os compromissos assumidos por Portugal durante a Conferência dos Oceanos relativamente à conservação da biodiversidade e ao papel do oceano na regulação do clima”.
No que toca ao setor energético, a ANP|WWF alerta para os riscos dos compromissos assumidos em torno da energia renovável. O Governo comprometeu-se a atingir 10 milhões de gigawatts de capacidade de energia renovável dos oceanos até 2030, mas a ANP|WWF reforça que a desejável e necessária transição para as renováveis deve ser “positiva para a natureza”, ou seja: “exploração fora das Áreas Marinhas Protegidas e em sítios menos sensíveis para a natureza, com concursos específicos para cada local de exploração, critérios de biodiversidade em leilões para projetos de energias renováveis offshore, estudos de impacto ambiental para todos os projetos, e cumprindo planos de envolvimento e benefício para as comunidades costeiras”.
No domínio das pescas, António Costa afirmou querer “transformar a pesca nacional numa das mais sustentáveis e de baixo impacto a nível global, mantendo 100% das unidades populacionais dentro de limites biológicos sustentáveis”, um objetivo saudado pela ONGA, desde que se passe do domínio das intenções à ação: “um objetivo tão ambicioso requer recursos para monitorizar e fiscalizar as mais de 200 pescarias comerciais do país, investimento que não tem sido minimamente acautelado nos últimos anos”, diz a ANP|WWF. Ao longo do evento, foram vários os compromissos assumidos no combate à pesca ilegal, não declarada e não regulamentada, reconhecendo a importância dos “alimentos azuis” e dos pescadores de pequena escala que, em todo o mundo, alimentam as suas comunidades a partir do mar. Na parte nacional, “não ficaram claros os compromissos ou ações a levar a cabo neste ponto”, lamenta a Organização, no mesmo comunicado.
Um importante compromisso foi assumido na UNOC pelo governo Português, com o anúncio da “Preparação e aprovação do Plano de Ação para Tubarões, Raias e Quimeras até o final de 2023”. Este Plano reforça a utilização de artes de pesca seletivas, comprovadamente biodegradáveis no meio marinho e de baixo impacto nos ecossistemas e nas espécies mais vulneráveis à captura acidental, algo que a ANP|WWF tem defendido desde 2021.
“Saímos de Lisboa com grande ímpeto, mas o verdadeiro teste de sucesso para a segunda Conferência do Oceano da ONU virá nos próximos meses. A WWF quer ver políticas globais como novos tratados robustos para o alto mar e plásticos, ações contínuas para reduzir os subsídios prejudiciais à pesca e alcançar 30% de proteção dos oceanos do mundo”, disse Pepe Clarke, líder de prática de oceanos da WWF International.