ANP|WWF: “Barragens criam falsa sensação de segurança de disponibilidade de água”
Entre os dias 19 a 21 de maio de 2022, o auditório do Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC) vai ser palco do Seminário Dam Removal Europe. Trata-se de um encontro internacional que, decorre pela primeira vez em Portugal, e que visa promover a remoção de barreiras fluviais como ferramenta de restauro de rios na Europa. Composto por uma conferência de dois dias e um terceiro dia dedicado a uma saída de campo para visitar um local de restauro, o Seminário insere-se, ainda, nas comemorações globais do Dia Mundial da Migração dos Peixes, assinalado a 21 de maio.
Organizado pela ANP|WWF e pela World Fish Migration Foundation, com o apoio da Wetlands International e da The Nature Conservancy, o Seminário contará com a presença de diferentes especialistas e entidades, como órgãos da administração pública nacionais, regionais, locais e da Comissão Europeia, investigadores nacionais e internacionais, organizações não-governamentais e a sociedade civil em geral, incluindo as que beneficiam destas infraestruturas: “É um Seminário que se destina a todas as pessoas que tiverem interesse em conhecer, partilhar conhecimento e aprender sobre a remoção de barreiras fluviais”, afirma Rúben Rocha, coordenador de Água da ANP|WWF.
Em declarações à Ambiente Magazine, o investigador explica que o Seminário tem como objetivo “aumentar o compromisso geral das instituições, dos técnicos especialistas, académicos e população em geral”, através da “partilha de conhecimento sobre a remoção de barreiras fluviais e seus objetivos, identificar novos mecanismos de financiamento para as atividades de remoção e promover mudanças das políticas públicas associadas à gestão e restauro dos rios”. O foco é, portanto, “impulsionar a remoção de barreiras obsoletas”, demonstrando como tal pode “ajudar a melhorar a biodiversidade dos rios Europeus”, através de “casos práticos de sucesso noutros países”, precisa.
“CONNECTED RIVERS: International Seminar on scaling up dam removal as river restoration tool in Europe” é o tema central deste Seminário: “Um tema que se centra na necessidade de reconectar os nossos rios, que têm vindo a ser fragmentados e interrompidos pelas barreiras fluviais com diferentes propósitos, e na necessidade de promover a remoção de barreiras nos rios em grande escala como uma ferramenta para restaurar a saúde dos rios em toda a Europa”.
[blockquote style=”1″]”… os custos de toda a operação variam entre 5 a 50% do custo da construção”[/blockquote]
Questionado sobre como é que a remoção das barragens pode ser um contributo para a Europa, Rúben Rocha explica que a maior parte dos grandes rios europeus estão alterados com “pequenas ou grandes barreiras fluviais”, sendo a sua remoção essencial para a “recuperação do sistema natural dos rios”, contribuindo para o “aumento da biodiversidade, recuperação da planície de inundação e das zonas húmidas adjacentes”. Além disso, ajuda na “melhoria da qualidade da água através da redução do tempo de retenção hidráulica”, especialmente quando há “colmatação devido aos sedimentos” e quando há “presença de altas concentrações de nutrientes que podem produzir fenómenos de eutrofização”, ou seja, a “proliferação de vegetação (micro e macro) em corpos de água enriquecidos por nutrientes, que acaba por provocar a perda de oxigénio”, explica. Depois, é essencial para a “recuperação da conectividade longitudinal”, permitindo os “movimentos de peixes migratórios e de outras espécies”, algumas com grande valor económico, sucinta.
Já sobre as implicações que acarretam, o coordenador explica que a remoção de barragens envolve a “remoção completa ou parcial da estrutura física”, para além do “transporte, reciclagem ou depósito dos resíduos da demolição”. Após a remoção, deve fazer-se a “recuperação dos ecossistemas ribeirinhos naturais, que exige mais tempo devido à complexidade do processo e pode incluir toda a área da albufeira e as margens a jusante”, explica, destacando que “os custos de toda a operação variam entre 5 a 50% do custo da construção”, segundo estudos já feitos nos EUA.
[blockquote style=”2″]Portugal continua ainda muito atrás na remoção de barragens[/blockquote]
No caso de Portugal, Rúben Rocha refere que, ao longo do último século, o país assistiu a um aumento exponencial da instalação de barreiras nos seus rios: “As barreiras foram sendo instaladas principalmente para reter e desviar a água para abastecer as populações e irrigar as culturas agrícolas, mas nos últimos 100 anos a construção dessas barreiras disparou, progressivamente com barragens de dimensão cada vez maior, muitas para aproveitamento hidroelétrico”. Outro facto é que as bacias hidrográficas mais importantes do país são partilhadas com Espanha, estando repletas de “barreiras fluviais dos dois lados da fronteira” sendo que, em muitos casos, o “primeiro passo para o restauro no fluxo natural dos rios é a remoção das barreiras obsoletas existentes para que possa ser feito o restauro ecológico mais amplo”, especifica.
Apesar de alguns países europeus já terem apresentado resultados concretos de restauro ecológico dos rios com a remoção de barragens, Portugal continua ainda muito atrás neste processo: “Contrariando a orientação geral indicada pela Diretiva Quadro da Água e pelo Pacto Ecológico Europeu, que inclui a Estratégia de Biodiversidade da UE para 2030 e a intenção de remover barreiras fluviais obsoletas para libertar pelo menos 25 mil quilómetros de rios, o governo português anunciou recentemente a construção de mais uma barragem (Projeto de Uso Hidráulico Multiuso do Crato)”. Também, em 2017, foram identificadas “30 barreiras cuja remoção deve ser prioritária (de um total de mais de 7000 identificadas), mas pouco aconteceu desde então”, lamenta o coordenador, alertando para a importância de se “desconstruir a retórica que existe de que as barragens são boas e necessárias”, substituindo-a por uma visão a “favor de rios sem barreiras”. No entender de Rúben Rocha, as barragens criam a “falsa sensação de segurança de disponibilidade de água pois esta está mesmo ali à vista de todos”, fomentando o “consumo de água desregrado”, ao mesmo tempo que “têm sérios impactos na natureza”. Para ser mais preciso, o coordenador assegura que todo este tipo de infraestruturas têm um “impacto muito negativo na conectividade ecológica dos ecossistemas fluviais”, contribuído decisivamente para o “enorme declínio da sua biodiversidade: -83% da abundância de espécies fluviais desde 1970 a nível mundial”, para além de “aumentarem a erosão das praias e poderem emitir gases com efeito de estufa, agravando as alterações climáticas”. Por outro lado, também apresentam “riscos para o bem-estar das pessoas”, associados à sua “falta de manutenção e vida útil limitada”, podendo tornar-se” perigosas após algumas décadas”, alerta.
[blockquote style=”1″]”… em Espanha, já foram removidas mais de 70 barreiras obsoletas só na bacia do Douro[/blockquote]
O problema das barragens, tal como indica o responsável, pode ser solucionado através de “alternativas mais sustentáveis e mais vantajosas” seja para a “produção de energia” ou para o “abastecimento de água”. Assim, a “redução do consumo de água e energia”, o “uso eficiente da água” e a “diversificação das fontes de energia”, apostando na “eólica” e no “solar” são apontadas como algumas das principais soluções. Também, a “reutilização e o tratamento de água para a agricultura” são alternativas viáveis às barragens, segundo Rúben Rocha.
De forma a partilhar casos de sucesso de remoção de barragens, o coordenador da ANP/WWF dá o exemplo do movimento “Remoção de Barragens” que começou nos Estados Unidos e que já é uma realidade em quase toda a Europa, com milhares de barreiras fluviais obsoletas já removidas: “mais de 100 só em 2020”. Seguindo esta tendência, em Espanha, já foram “removidas mais de 70 barreiras obsoletas só na bacia do Douro”, incluindo “uma barragem com mais de 30 metros de altura”, precisa. O responsável adianta ainda que no Seminário Dam Removal Europe serão partilhados outros casos de sucesso, bem como alguns projetos de remoção previstos para Portugal.
📸 Facebook Dam Removal Europe