O Plano Nacional de Gestão de Resíduos 2030 (PNGR 2030) e o Plano Estratégico para os Resíduos Urbanos (PERSU 2030) são dois temas em destaque no AmbiGuia.
O PNGR2030 e o PERSU2030 foram publicados em Diário da República a 24 de março. Estes dois documentos, estratégico para o setor e aguardados desde 2020, são essenciais para a política de resíduos a nível nacional alinhados com as orientações estratégicas a nível europeu. Contudo, há ainda um longo caminho para que Portugal consiga cumprir com as metas de reciclagem.
Por: Bárbara Rodrigues, Conselho Diretivo da APESB-Associação Portuguesa de Engenharia Sanitária e Ambiental
O que são estes documentos?
O Plano Estratégico de Resíduos Urbanos (PERSU 2030) é um instrumento de planeamento de referência para o setor durante os próximos 7 anos. O Plano Nacional de Gestão de Resíduos (PNGR) consiste num instrumento de planeamento macro da política nacional de gestão de resíduos. Tem como grande desígnio assegurar que os desafios previstos no Regime Geral de Gestão de Resíduos serão implementados.
O PERSU 2030 para a projeção das metas definiu como situação de referência o ano 2020. Trata-se do ponto de partida para medição do desempenho nos próximos anos, no que respeita a prevenção, recolha e tratamento de resíduos.
A atualização dos pressupostos para o cálculo das capacidades das infraestruturas de tratamento é uns dos grandes projetos do PERSU 2030. O documento apresenta um conjunto de pressuposições para a proveniência, evolução, encaminhamento, dos resíduos, e da fração que restará (por região).
Ambos os documentos requerem uma abordagem integrada na implementação de medidas e soluções para os fluxos de resíduos urbanos e não urbanos.
Que mensagem pode partilhar sobre a publicação do PERSU 2030 e do PNGR 2030 em Diário da República? Qual a importância destes instrumentos?
O PERSU 2030, enquanto instrumento planeador está alinhado com os requisitos legais nacionais, que por sua vez, transpõem a responsabilidade das metas europeias para PT.
O setor de resíduos deverá priorizar um conjunto de estratégias intersectoriais indutoras de valor, sobrando apenas uma pequena margem para perdas:
- Na fração multimaterial é necessário introduzir mais e melhores matérias-primas recicladas na economia nacional e europeia.
- Na fração orgânica é preciso garantir impacto na produção de energia verde, onde produtos derivados de resíduos urbanos biodegradáveis (RUB) sejam verdadeiramente recursos com valor. Falamos, pois, do contributo que podemos ou deveríamos dar na afirmação da bioeoconomia.
- A fração resto deveria melhorar a qualidade e diminuir a quantidade.
Mas sem esquecer que todo este esforço pressupõe:
- Redução das emissões de Carbono.
- Um impacto positivo na biodiversidade e na economia.
- Atração e criação de mais oportunidades de trabalho no setor dos resíduos.
Pela primeira vez o PERSU assume a necessidade da responsabilidade partilhada para o cumprimento dos indicadores que define, ainda que as ações e os objetivos apresentem um pouco de subjetividade.
Cada município no seu Plano de Ação deverá assegurar o necessário contributo para o cumprimento da meta no que respeita aos quantitativos recolhidos seletivamente e tratados na origem de biorresíduos. No que diz respeito à fração multimaterial, o contributo será determinado aos SGRU.
Com base nas entradas de materiais na economia, o PERSU determinou taxas de retoma para a fração multimaterial e captura para os biorresíduos.
Tendo como ano de referência 2020, O PERSU 2030 criou uma entropia nos pressupostos de dimensionamento (metas). Não podemos descurar que os estudos de biorresíduos foram planeados com uma caraterização da economia em 2019. As retomas de recolha seletiva multimaterial sintetizam-se no ano 2020.
O PNGR é o documento que deveria definir o planeamento macro da política de gestão de resíduos, no entanto, tal como referido na fase de consulta pública, o mesmo carece de um enfoque na objetividade dos programas e medidas que apresenta.
Já passou mais de um mês: E agora, o que vai (ou deveria) acontecer ao setor?
Já passou mais de um mês desde a publicação do PERSU 2030 e o setor assume-se como descapitalizado. Estamos numa fase em que se criam ou reforçam as relações entre os municípios e os SGRU. Iniciou-se agora a primeira fase de trabalho para alimentar a estrutura dos PA PERSU. Serão estes documentos orientadores das necessidades de financiamento.
Sabendo que uma parte do território em baixa e alta (em minoria) já implementou projetos para a captura de biorresíduos, é hora de aferir custos e receitas, medir a sustentabilidade de todo o ciclo de vida das operações. No entanto já deveríamos estar a medir a descarbonização do setor.
Assiste-se a um certo “estrangulamento” para conseguir criar valor nas operações de reciclagem multimaterial e orgânica. Descura-se que nem todos os produtos/bens/materiais/componentes colocados na economia foram desenhados para serem reutilizados e muito menos para serem reciclado na sua totalidade.
Por conseguinte, para atingir as metas de retoma definidas, o mercado já deveria estar organizado, sobretudo nos fluxos extra SIGRE.
A Responsabilidade Alargada ao Produtor carece de regulação. Não se assume como sustentável exigir um esforço ambiental, energético e financeiro nos processos de recolha e no tratamento quando o output de determinadas frações mostra que não se gera eficiência – a fração resto continua a pesar. Poderá ocorrer uma alteração da composição da fração resto.
A trajetória definida para o cumprimento das metas assume-se como perigosa, na medida em que a realidade não está alinhada com os pressupostos do PERSU 2030. É urgente repensar a metodologia de aplicação de taxas de esforço diferenciadoras em vários domínios de estudo. Uma região possui um “misto de territórios”:
- Um território do interior terá cada vez menos pessoas e gastará mais na implementação de qualquer tipo de solução.
- Um território predominantemente urbano não consegue garantir a funcionalidade sem comprometer os desígnios do PNGR e do PERSU 2030. São Sistemas onde o tratamento possui um elevado desgaste, e a sua manutenção ironicamente exige sempre um plano B (aterro). Como se transferem resíduos dentro de uma área metropolitana que tem a capacidade instalada” esgotada e onde a transferência/partilha se traduz em custos financeiros e ambientais insustentáveis? Será que as ferramentas de prevenção dão resposta em tempo útil? A produção de resíduos é um dos indicadores do estado da nossa economia.
Até 2030 poderá verificar-se uma tendência de diminuição da produção de RU, mas também sabemos que o poder de compra pesa nesta tendência.
Será que é desta que Portugal vai começar a aproximar-se das metas a que está comprometido?
Portugal vai dar um salto importante rumo ao cumprimento das metas, mas poderá não ser suficiente, não pela falta de ambição, mas pela “imaturidade” das mesmas.
Por outro lado, quanto custará ao país o cumprimento das metas? Não se pode investir milhões em modelos de recolha e só depois perceber que a OPEX é elevada porque se ousou optar por cenários otimistas. A trajetória do PERSU 2030 deve ser coerente desde a situação de referência.
Este grande salto, pressupõe elevadas taxas captura e retoma de frações com qualidade e que em simultâneo tenham sido desenhadas para serem recicladas, caso contrário PT não está a trabalhar para a totalidade das metas dos indicadores e o desvio de aterro não se concretiza.
Vejamos a situação de referência para a taxa de retoma dos têxteis e o potencial para 2030… No fluxo dos volumosos, assume-se um cenário muito arriscado tendo em conta o potencial de retoma dos mesmos, ou seja, as metas poderão estar comprometidas por sermos tão “otimistas”. Qual o potencial de desclassificação desses resíduos enquanto produtos?!
O cumprimento das metas que Portugal se comprometeu deve medir a transferência de resíduos também entre setores. Um pequeno exemplo: migram diariamente toneladas de resíduos do setor de resíduos para o setor florestal, cujo valor de retoma é negativo…
No que toca à prevenção:
- Portugal descuidou os resultados da prevenção da produção de resíduos e redução da perigosidade atingidos nos últimos anos.
- É importante não ocultar o peso de influência que que este setor tem na prevenção.
O modelo, o esforço e as responsabilidades atribuídas atuais dificilmente têm o impacto necessário para cumprir as metas da política do PERSU 203. Estamos num modelo “contranatura”!
Em jeito de conclusão, importa referir que mesmo antes da publicação do PERSU 2030 já estávamos todos alinhados no salto que é preciso assumir, mas sem esquecer nunca o ponto de partida.