O Plano Nacional de Gestão de Resíduos 2030 (PNGR 2030) e o Plano Estratégico para os Resíduos Urbanos (PERSU 2030) são dois temas em destaque no AmbiGuia.
O PNGR2030 e o PERSU2030 foram publicados em Diário da República a 24 de março. Estes dois documentos, estratégico para o setor e aguardados desde 2020, são essenciais para a política de resíduos a nível nacional alinhados com as orientações estratégicas a nível europeu. Contudo, há ainda um longo caminho para que Portugal consiga cumprir com as metas de reciclagem.
Por: Ana Isabel Trigo Morais, CEO da Sociedade Ponto Verde
O que são estes documentos?
O Plano Nacional de Gestão de Resíduos (PNGR 2030) reúne orientações e políticas gerais para o setor, sendo as suas medidas transversais a todos os resíduos. Quando nos propomos a olhar exclusivamente para os resíduos urbanos, destaca-se o Plano Estratégico para os Resíduos Urbanos 2023 (PERSU 2030), que é um instrumento de planeamento de referência, nesta área, que permite a implementação de um conjunto de ações que são fulcrais para a concretização da política nacional de gestão destes resíduos.
Aguarda-se ainda, no entanto, a publicação do Plano Estratégico para os Resíduos Não Urbanos 2023 (PERNU 2023) para que sejam igualmente potenciados e valorizados.
Que mensagem pode partilhar sobre a publicação do PERSU 2030 e do PNGR 2030 em Diário da República? Qual a importância destes instrumentos?
Os resíduos são um recurso valioso, tanto para a economia e como para o ambiente e é necessário que sejam vistos e tratados como tal. É imperativo que o país esteja mais comprometido e coordenado para cumprir os objetivos e atingir as metas. Assim, ambos os documentos são essenciais para alinhar expectativas de todas as partes interessadas e agentes envolvidos, sublinhando a necessidade de um trabalho colaborativo que conduza aos melhores resultados para o setor e, sobretudo, para o planeta. A sua aprovação representa um contributo para uma economia mais circular, sendo o maior desafio a sua execução.
Neste contexto, podemos dizer, até, que o PERSU 2030 peca por tardio, uma vez que se trata de um documento estruturante para o setor, que define os objetivos, a cadeia de responsabilização e os meios disponíveis para o alcance das ambiciosas metas de reciclagem nos próximos sete anos. Portanto, vemo-lo, agora, como uma oportunidade única para aferir os instrumentos e meios necessários para o cumprimento dos objetivos, nomeadamente, necessidades de investimento para reforço das capacidades da recolha seletiva e triagem multimaterial das embalagens, mas também para a otimização da operação, a custos eficientes e com garantias de qualidade e nível de serviço.
Já passou mais de um mês: E agora, o que vai (ou deveria) acontecer ao setor?
Os Sistemas de Gestão de Resíduos Urbanos (SGRU) e os municípios deverão apresentar, nos próximos meses, os Planos de Ação de Gestão de Resíduos Urbanos (PAPERSU), que reflitam a ambição presente no PERSU 2030. Neste sentido, a Sociedade Ponto Verde está totalmente disponível – e já o manifestou, inclusive, junto das tutelas – para participar na elaboração dos mesmos, em colaboração com as autoridades e os parceiros da cadeia de valor, partilhando o conhecimento e a experiência da Sociedade Ponto Verde. Seguir-se-á, assim, a operacionalização destes planos.
No cerne do PERSU 2030 estão três eixos estratégicos e é sobre estes que todos os planos deverão assentar, nomeadamente na prevenção – nomeadamente, na redução da produção e da perigosidade dos resíduos urbanos –; na gestão de recursos – que engloba a promoção da recolha seletiva e do tratamento adequado, a par da valorização dos resultantes do tratamento destes resíduos –, e na operacionalização – em que estão espelhados o reforço dos instrumentos económico-financeiros, a sustentabilidade económica e a capacitação do setor, bem como a comunicação e a monitorização do plano.
Entre as dezenas de ações previstas, destacamos a elaboração de um Plano Nacional de Comunicação de Resíduos, para implementação pelas entidades gestoras, que harmonize todas as mensagens. A definição do regime de responsabilidade alargada do produtor (RAP) para outros fluxos de resíduos está igualmente espelhada e merece, no nosso entender, especial ênfase, tal como o apoio à aplicação de sistemas PAYT ou equivalentes.
Será que é desta que Portugal vai começar a aproximar-se das metas a que está comprometido?
É mais um passo dado nesse sentido, sem dúvida. Importa sublinhar que Portugal está a cumprir as metas no setor das embalagens. Aliás, este é o único fluxo urbano em que, a nível da reciclagem, se cumpre, com a exceção do vidro, que é o material que apresenta mais desafios.
O bom funcionamento do Sistema Integrado de Gestão de Resíduos de Embalagens (SIGRE) permitiu atingir estes resultados, com um reforço da articulação entre as entidades gestoras como a Sociedade Ponto Verde, os agentes da cadeia de valor, desde embaladores, sistemas de recolha e triagem, aos recicladores, dotando o país com infraestruturas e criando serviços de recolha e tratamento adequados.
Contudo, o caminho ainda não está completo e o futuro é ambicioso. É preciso que os bons resultados alcançados no setor das embalagens sejam acompanhados pelos outros fluxos que ainda não cumprem as suas metas, pois nos restantes resíduos urbanos, como os biorresíduos, os monos, os elétricos e eletrónicos, falta reciclagem. Em alguns casos, não existe sequer um fluxo definido para o seu reaproveitamento ou reciclagem.
É de salientar que Portugal ainda envia para aterro cerca de 64% de todos os resíduos urbanos que produz, ou seja, são 3 milhões de toneladas de um total de 5 milhões. Estamos a desperdiçar matéria-prima que pode ser reaproveitada e entrar novamente no processo produtivo, ou seja, é uma grande perda de riqueza. Estima-se que as embalagens que não são encaminhadas para reciclagem equivalham a 31 milhões de euros.
A fração mais significativa são, de facto, os biorresíduos, que representam cerca de 40% do total dos resíduos urbanos, e que passam a ter, a partir deste ano, obrigações de recolha seletiva, melhorando a qualidade dos resíduos de embalagens recolhidos no fluxo indiferenciado.
Analisando esta situação e a ambição que existe ao nível das metas nacionais e europeias e, agora, as estabelecidas pelo PERSU 2030, que vão ainda mais além, torna-se, portanto, necessário que exista uma ainda maior colaboração e intervenção articulada entre os agentes governamentais e económicos, com a aplicação de quadros de atuação mais estabilizados e a existência de diversos instrumentos políticos, com iniciativas que atuem a três níveis: nacional (p.ex. fiscalidade verde); setorial e regional. Adicionalmente, há que resolver lacunas que existem ainda em alguns segmentos, aguardando-se com expectativa os PAPERSU, e trabalhar também no domínio dos apoios ao desenvolvimento de novas soluções que devem estar assentes na inovação e na digitalização.
Neste sentido, a Sociedade Ponto Verde permanece comprometida e empenhada em contribuir, nos termos da sua licença, com o seu conhecimento resultante de mais de 25 anos de atividade, para a implementação deste instrumento de planeamento estratégico, assegurando o seu alinhamento com os quadros de referência legais, comunitários e nacionais.