#Ambiguia: O que podemos fazer para tornar o nosso guarda-roupa mais sustentável?

A Humana Portugal é uma organização de gestão de têxteis usados com 25 anos de existência em Portugal. Recolhe roupa usada e resíduos têxteis, classifica-os em diferentes categorias e valoriza-os através da revenda. A Humana opera uma rede de 21 lojas secondhand em Lisboa e no Porto. A moda sustentável e circular é o seu dia a dia e a sua paixão. Andreia Barbosa, responsável de comunicação da Humana Portugal, respondeu à nossa questão “O que podemos fazer para tornar o nosso guarda-roupa mais sustentável?” em sete pontos:

 

Conhecer os impactos da indústria da moda

Da extração das matérias-primas ao fim de vida, a roupa que usamos passa por diversas etapas de fabrico e uso, todas com uma pegada ecológica significativa. A tinturaria e acabamentos são especialmente impactantes na fase de fabrico, e durante a fase de uso é a energia despendida nas lavagens que mais conta.

Um estudo da McKinsey mostra que entre 2000 e 2014 o consumo per capita de vestuário a nível global aumentou 60%, e que as peças são usadas em média metade das vezes, em comparação com o início do milénio. Esta aceleração foi proporcionada pela progressiva baixa do preço dos artigos, muito alavancada pela incorporação de fibras sintéticas como o poliéster, cuja produção é mais barata. Consumindo mais roupa, multiplicamos os impactos associados ao seu ciclo de vida – ciclo de vida esse que foi ficando cada vez mais curto, o que resulta em quantidades crescentes de têxteis descartados.

Na Europa, segundo um estudo do Joint Research Centre, apenas 22% dos resíduos têxteis pós-consumo são recolhidos seletivamente e encaminhados para reutilização ou reciclagem; o que quer dizer que 78% são colocados em aterro ou incinerados. Em 2019 foi este o destino de 4 milhões de toneladas de têxteis que estavam nos nossos armários.

Comprar menos e melhor

É fundamental desacelerar a produção e o consumo de vestuário. Adquirir menos peças não compromete em nada o estilo e o bem-vestir, e até pode ajudar na gestão do guarda-roupa. As fibras naturais e/ou com incorporação de material reciclado são em geral preferíveis. Uma peça de qualidade vai fazer boa figura durante muito tempo e vai permitir alterações, por isso vale a pena, além da composição, avaliar a execução das costuras e de detalhes como fechos e botões. Por fim, conhecer o seu próprio estilo é fulcral. Em vez de irmos atrás de tendências, ganhamos mais em investir no tipo de peças que realmente usamos e nas quais nos sentimos confortáveis.

Comprar secondhand

Comprar roupa em segunda mão é uma forma de dar uso a peças que já estão em circulação e assim prevenir a produção de roupa nova – evitando todos os impactos associados ao seu fabrico. Segundo um relatório da EuRIC, o impacto ambiental da reutilização de têxteis é 70 vezes menor do que a produção de vestuário novo, mesmo quando contabilizado o impacto global das exportações para reutilização, incluindo as emissões de CO2 geradas pelo transporte.

Até há alguns anos atrás, a compra de roupa em segunda mão era acompanhada de um certo estigma associado a situações de carência. Hoje a moda secondhand já faz parte do mainstream, sobretudo junto das gerações mais jovens.

A Humana Portugal foi criada em 1998 e desde então já abriu 21 lojas de roupa usada no país. A organização das lojas e a diversidade da oferta têm sido alvo de melhorias ao longo dos anos, e não temos dúvida de que a experiência de quem compra nas nossas lojas é hoje muito melhor. Em paralelo, a consciência ambiental dos consumidores desenvolveu-se, e no universo da moda impôs-se um certo ecletismo que convida a combinar peças de estilos e épocas diferentes – exatamente aquilo que oferecemos. Em 2023 promovemos um inquérito junto dos nossos clientes e apurámos que as razões mais invocadas para comprar na Humana são em primeiro lugar o benefício ambiental (73% dos inquiridos), logo seguido pelo valor estético das peças (72%).

Vender, doar e trocar

Por vezes as peças de vestuário deixam de servir ou de ter utilidade para o seu proprietário. Nesse caso, é importante pô-las a circular. As plataformas de venda online são uma boa opção, assim como as trocas entre família e amigos. Vemos cada vez eventos de troca, comunitários e conviviais, a acontecer. Doar as roupas a uma organização, através da deposição em contentor, é provavelmente a forma mais prática de lhes dar uma segunda vida. Em Portugal, a Humana gere uma rede de 1042 contentores, localizados na área metropolitana de Lisboa, região Oeste, Ribatejo, Alentejo e também nas lojas do Porto. Nos seus centros de triagem na Europa, ou através de entidades parceiras, a Humana assegura que toda a roupa recebida é triada com base na Hierarquia de Resíduos e em critérios de viabilidade comercial nos diferentes destinos. Em 2023, 62,3% da roupa e calçado recolhidos foram reutilizados (21,8% localmente e 40,5% no mercado africano). 28,2% do têxtil recolhido foi considerado não reutilizável e enviado para reciclagem. Doar roupa à Humana tem o benefício adicional de contribuir para projetos de cooperação internacional para o desenvolvimento, uma vez que os proveitos são canalizados para essa que é a missão primeira da organização.

Arejar em vez de lavar

Normalmente não pensamos nisso, mas a lavagem da roupa tem impactos significativos – por causa da energia e água utilizados, dos microplásticos libertados pelas fibras sintéticas e dos detergentes, que passam para as águas residuais. As sucessivas lavagens também contribuem para deteriorar as peças, deformando e retirando cor. É uma boa ideia tentar recuperar o hábito de arejar a roupa em vez de a lavar. Um leve cheiro a suor pode ser resolvido dessa forma: é bom para o ambiente e para a longevidade da nossa roupa.

Aprender costura básica e recorrer a serviços de reparação e alteração

Em 2023 a Refashion (organismo responsável pela implementação da política de Responsabilidade Alargada do Produtor no setor têxtil e calçado em França) promoveu um inquérito sobre reparação de vestuário. 47% dos inquiridos disseram já ter deitado fora uma peça de roupa danificada porque a reparação, sendo possível, ficaria mais cara do que comprar uma peça nova equivalente. Num contexto de abundância de roupa barata, este dado não é surpreendente. Mas não há dúvida de que a reparação e alteração são estratégias

fundamentais para prolongar a vida da roupa, e ganham todo o seu sentido num futuro cenário de consumo mais lento, de peças de melhor qualidade (e também mais caras).

A falta de informação sobre a existência e localização de serviços de reparação também foi amplamente invocada pelos inquiridos da Refashion. Continuam a existir costureiras e costureiros de bairro, mas não estão no mapa mental de muitos de nós. O recurso aos serviços de costura não é só uma questão de preço, mas também de cultura. Há pequenos ajustes que salvam peças e não ficam assim tão caros – temos é de os trazer novamente para os nossos modos de vida.

Também há pequenas reparações que podemos fazer nós próprios. Recentemente a Humana organizou um evento de reparação nas suas lojas Vintage de Lisboa que procurava promover, além da reparação em geral, a autonomia básica em coisas como coser botões e reparar bainhas. Com algumas técnicas simples (abundantemente disponíveis na Internet) é possível fazer muito.

Apoiar políticas de promoção da sustentabilidade e circularidade

Precisamos de roupa mais duradoura, de um débito de consumo mais lento e de mais reutilização. Foi recentemente aprovado na UE o regulamento de conceção ecológica, que proíbe a destruição de stocks não vendidos – prática corrente na indústria da moda, consequência de um modelo de sobreprodução. Estão atualmente em curso várias outras iniciativas legislativas a nível europeu (Responsabilidade Alargada do Produtor para o têxtil, Fim do Estatuto de Resíduo) que poderão, se bem desenhadas, orientar produtores, distribuidores e consumidores para práticas mais sustentáveis. Todas as políticas que limitem a extração de matérias primas virgens, nomeadamente combustíveis fósseis, também terão impacto na promoção da durabilidade, reutilização e reciclagem. Enquanto cidadãos, é fundamental manifestarmos o nosso apoio a políticas que refreiem a produção e o consumo, porque os gestos individuais não bastam.