#Ambiguia: A falta de água será a próxima crise europeia?
Depois de um mês de abril com recordes de temperatura máxima, o Governo já declarou situação de seca em 40% do território nacional. A esta situação acresce que Portugal está entre os países que mais vai sofrer com a falta de água. Já são muitos os investigadores a alertar para a necessidade e urgência de um consumo mais sustentável.
No meio de tantos alertas, será que a falta de água pode vir a ser a próxima crise europeia?
Por: Filipe Araújo, Presidente da Águas e Energia do Porto e Vice-Presidente da Câmara Municipal do Porto, responsável pelo pelouro do Ambiente e Transição Climática
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O que é que significa estar 40% do território nacional em seca?
A situação que hoje vivemos confirma aquilo que vários especialistas têm dito a propósito dos efeitos das alterações climáticas. Apesar de assistirmos agora a uma intensificação do fenómeno da seca, a verdade é que esta situação já vem de trás.
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Como é que se explica uma situação de seca em 40% do território nacional no mês de maio?
O stress hídrico que o país enfrenta nos últimos anos, onde o ano de 2022 foi considerado o mais quente de sempre e a redução da pluviosidade provocou uma elevada escassez de água para os diferentes usos, situação que alarmou as entidades governamentais dos diferentes níveis e as entidades com competências na matéria. Esta é, pois, uma preocupação estratégia de carácter permanente e não uma situação fortuita de cariz pontual, pelo que deve ser motivo de reflexão séria e permanente em matéria de gestão dos recursos hídricos para o futuro do país.
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Como é que se prepara um país como Portugal para dar resposta a um desafio desta envergadura?
A Eficiência Hídrica terá de assumir-se, de uma vez por todas, como uma realidade e foco das várias entidades gestoras que operam os sistemas públicos do setor. A sua materialização tem de ser efetivamente uma preocupação e obrigatoriedade cívicas e estruturais das entidades, com repercussões a vários níveis – regulatórios, regime tarifário, captação de oportunidades de financiamento comunitário, entre outros.
A Águas e Energia do Porto (AEdP), enquanto entidade responsável pela gestão integrada e sustentável de todo o ciclo urbano da água no Município do Porto, tem vindo a adotar práticas que visam atingir a eficiência hídrica e a sustentabilidade ambiental, social e económico-financeira, em todos os âmbitos de atuação.
Destaca-se, desde logo, o Programa de Gestão e Redução de Água Não Faturada, um programa estratégico chapéu, que inclui múltiplas medidas transversais e planos de ação implementados de forma integrada e global (como o controlo ativo de perdas, a deteção acústica de fugas, a setorização, sensorização e instrumentação da rede, a substituição de contadores, a reparação ágil de avarias, a redução e controlo da pressão na rede, etc.), que têm permitido à AEdP atingir níveis de excelência ao nível das perdas de água, com repercussão e reconhecimento nacional e internacional. Neste momento, a AEdP é, pois, das melhores entidades gestoras nacionais ao nível do controlo de perdas de água, com resultados que nos colocam no topo das melhores práticas ao nível internacional – 13,4% em 2022.
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Quando é que o cidadão vai dar o devido valor à água? E até lá, o que pode fazer?
É fundamental continuar a apostar na sensibilização e educação ambiental dos cidadãos. A consciencialização da população, com especial destaque para as novas gerações, é um eixo de forte aposta em termos de educação ambiental. Nestes programas há uma incidência importante do uso racional e poupança de água, às quais se somam campanhas avulsas de promoção de uso da água da torneira para beber e promovendo o seu bom uso.
O Município do Porto está dotado de espaços físicos dedicados à Educação Ambiental que contabilizam 5 centros de educação ambiental aos quais se soma o Pavilhão da Água, recentemente remodelado. Em média, anualmente, visitam o conjunto destes espaços mais de 100.000 pessoas, da cidade do Porto e de municípios vizinhos.
Mas não podemos ficar por aqui. A definição de políticas ambientalmente sustentáveis, e a sua real implementação no terreno, é fulcral para que o cidadão compreenda a urgência da situação e mude comportamentos.
Por exemplo, no contexto de águas residuais, a AEdP iniciou recentemente, numa das suas ETAR através da instalação de um projeto piloto, a produção de água para reutilização (ApR) com características de classe A, nomeadamente para suprir as necessidades em usos não potáveis (rega de espaços verdes, limpeza da via pública, manutenção e alimentação de viaturas de limpeza urbana, etc.). Todavia, este é apenas um dos objetivos do projeto “circular” que a AEdP tem para as suas ETAR, e que permitirá torná-las mais eficientes energeticamente, contribuir para a neutralidade carbónica, aumentando a produção de energias renováveis e reduzindo as emissões de gases efeito estufa, promover a recuperação de compostos e transformar os resíduos resultantes em recursos, contribuindo, deste modo, para a criação de valor.
Em curso, estão, ainda, projetos que visam o aproveitamento das águas pluviais, a implementação de soluções de base natural e a sensibilização dos players para a importância da utilização responsável dos recursos hídricos.
Também neste ponto, e através de iniciativas no âmbito do Pacto do Porto para o Clima, o Município pretende convocar toda a sociedade civil para o grande desígnio da descarbonização, do combate às alterações climáticas e da defesa da sustentabilidade.
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Medidas como as que foram tomadas pela França podem e devem ser replicadas em Portugal? Porquê?
Portugal possui mecanismos para dar resposta a estas situações, através da Comissão Permanente de Prevenção, Monitorização e Acompanhamento dos Efeitos da Seca. De qualquer forma, é importante acompanhar caso a caso. Existem regiões com diferentes cenários no país, aos quais devem ser aplicadas medidas de resposta adequadas.
No entretanto, há medidas simples que fazem todo o sentido. Por exemplo, assegurar uma gestão responsável de todos os equipamentos públicos como fontes, fontanários e bebedouros. A disponibilidade da água nas fontes, chafarizes e espelhos de água da cidade do Porto é realizada com recurso a recirculação interna, sem necessidade de consumo contínuo, recorrendo-se igualmente ao fecho de alguns equipamentos com consumos desnecessários em momentos de maior stress hídrico.
Já os fontanários e bebedouros estão dotados de dispositivos redutores e doseadores do caudal para garantir a utilização apropriada e responsável da água potável, inibindo a utilização indevida e o desperdício evitável de água.
De referir ainda que qualquer avaria detetada nestas estruturas públicas é de imediato reparada por parte da Águas e Energia do Porto, conscientes de que o desperdício de água não se pode perpetuar.
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A agricultura e o turismo são mesmo os setores que consomem mais água ou é trata-se de uma “acusação” sem fundamento?
Tratam-se de facto de setores que consomem muito água, com destaque para a agricultura. Não apenas em Portugal, mas em todo o mundo. No entanto, é normal que assim seja, tendo em conta as áreas de atividade em questão.
Mas há medidas que podem ser implementadas. Ao nível dos espaços verdes, por exemplo, o Município do Porto criou respostas que ao mesmo tempo que visam a requalificação desses espaços, são pensadas e executadas tendo em vista a diminuição das necessidades de rega, como por exemplo:
- Substituição do coberto vegetal por espécies menos exigentes e preferencialmente sem necessidade de rega de qualquer tipo (exceto no período da plantação ou sementeiras);
- Substituição de relvados convencionais por prados de sequeiro e prados floridos com necessidades reduzidas de rega;
- O aumento das áreas de espécies tapizantes na cobertura de solos, bem como a utilização de mais áreas com mulching e telas anti-ervas.
Em simultâneo, o Município do Porto tem vindo a ampliar a rede de espaços verdes dotados de sistemas de rega inteligente, automatizados com recurso a software interligado com estações meteorológicas e que permite a gestão das necessidades de rega em função das condições climatéricas, evitando a rega aquando de ocorrência de precipitação, contribuindo para a redução de uso de água desnecessário. Este trabalho, iniciado em 2014, conta atualmente com um total de 14 sistemas instalados e em funcionamento, nos parques e jardins de maior dimensão e tem garantido uma poupança de água na ordem dos 15%.
É de relevar ainda o recurso às águas dos lagos para a rega de grandes extensões de prado nos parques urbanos como, por exemplo, no caso do Parque da Cidade.
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Como tornar estes setores mais despertos para o problema?
Esta é uma realidade conhecida por todos. O que é necessário é encontrar respostas inovadoras e, acima de tudo, existir uma real gestão dos recursos hídricos a nível nacional.
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A água pode vir mesmo a ser a próxima crise europeia?
Sem dúvida. A importância da água para a vida, a sua escassez e as dificuldades na gestão dos recursos hídricos, colocam já este bem no topo das necessidades do ser humano. Temos de atuar já, e a vários níveis, para precavermos o futuro.