Apesar de existir uma seção do programa intitulada “1.º Desafio Estratégico: Alterações Climáticas Transição Climática” integrada no atual Programa do XXIII Governo Constitucional, a Associação ZERO lamenta, num comunicado, o facto de os restantes setores não integrarem o referencial ambiental essencial à prossecução de uma política global de sustentabilidade.
Depois do “sinal amarelo” que foi dado pela ZERO ao Partido Socialista na avaliação do seu programa eleitoral, este programa do governo mantém as “boas estratégias de expansão das renováveis e de melhoria da eficiência energética”, que se comprometem com o aumento, até 2026, para 80% o peso das energias renováveis na produção de eletricidade, antecipando em quatro anos a meta estabelecida, assim como com o avanço da Estratégia Nacional para o Combate à Pobreza Energética. A ZERO vê também como interessantes as “potenciais medidas desenvolvedoras da economia circular”, como a “incorporação do cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável nos critérios de distinção PME Líder e PME Excelência”. Apesar de “pouco ambiciosas”, a Associação considera que são um “primeiro passo para a redução em 40% dos consumos de energia primária, em 20% o consumo de água e outros materiais dos edifícios das Entidades da Administração Pública direta e indireta, incluindo serviços centrais e periféricos”.
Ainda assim, o “sinal amarelo” continua presente: “Continuamos a defender o crescimento do regadio, na seção da sustentabilidade da agricultura, com a implementação do Programa Nacional de Regadios tendo em vista o aproveitamento de novas áreas com maior potencial para a irrigação, incluindo o alargamento do regadio do Alqueva”. É também definida uma “meta muito pouco ambiciosa de reduzir, até 2030, 40% das emissões do setor dos transportes e mobilidade”. E, apesar da centralidade da ferrovia para um desenvolvimento sustentável, não existem datas definidas e apenas se refere o “concluir e aprovar o Plano Ferroviário Nacional”, lê-se no comunicado da ZERO.
Face às evidências dos múltiplos relatórios internacionais, a ZERO lembra a importância de se adotar “iniciativas programáticas das quais resultem ações vigorosas que alterem a evolução negativa da condição ambiental e o reforço da sustentabilidade em todo o Programa de Governo”. Assim, a Associação partilha algumas sugestões que reforçam a cultura de sustentabilidade do programa de governo:
- Na primeira página do seu programa, o Governo defende a necessidade de mudança do modelo económico do país e que deve atuar ao nível das alavancas fundamentais que podem mudar a trajetória do desenvolvimento. A ZERO reforça que uma das alavancas deve ser o domínio do ambiente e da sustentabilidade permitindo que a tradicional e impactante economia linear seja substituída por uma economia do bem-estar, de proximidade, de ciclos curtos, com justiça social e que atenda à saúde e qualidade de vida das populações, rumo à neutralidade climática.
- O Governo coloca também um foco na recuperação económica após uma pandemia que condicionou a atividade económica e a vida das famílias. Mas não refere que, mais do que se voltar ao modelo económico anterior, é necessário aproveitar esta alteração para a adoção de um verdadeiro desenvolvimento sustentável da sociedade portuguesa que implique uma menor utilização de recursos, menor produção de resíduos e emissões, apoiando iniciativas que promovam o bem-estar de raiz e previnam os efeitos “colaterais” do atual modelo económico (entre elas, as alterações climáticas).
- O Governo coloca no seu Programa a lógica do licenciamento zero, e que existem licenças, autorizações e atos administrativos desnecessários que devem ser eliminados. Embora a simplificação administrativa seja sempre bem-vinda, não há qualquer referência neste Programa de como credibilizar as Avaliações de Impacte Ambiental ou facilitar, dinamizar e uniformizar as Consultas Públicas ou à facilitação do acesso à documentação ambiental por parte dos cidadãos. Mais do que licenciamento zero, é necessário adotar procedimentos de licenciamento simples, uniformes, universais e, acima de tudo, transparentes com entidades públicas capacitadas e independentes que possam contrariar interesses económicos nem sempre compatíveis com a salvaguarda do interesse público.
- Na Justiça, embora a necessidade de melhorar a qualidade da legislação seja algo importante, seria também relevante que o Governo fosse mais rápido a transpor as Diretivas relacionadas com a proteção do Ambiente. Veja-se o caso da Diretiva das Energias Renováveis – REDII – que ainda não foi transposta para a legislação nacional, quando a própria União Europeia já começou a discutir a REDIII. A mera transposição ou criação de legislação não é suficiente. É fundamental garantir a sua aplicação, criando as condições e monitorizando/fiscalizando a sua implementação.
- A ZERO defende também que no texto relativo ao robustecimento da segurança interna ou na formação de magistrados, os crimes ambientais sejam incluídos nas vertentes de prevenção, fiscalização e criminalização, de modo a promover uma forte ação neste domínio, ultrapassando a sensação de impunidade da qual a sociedade civil legitimamente se queixa.
Mais do que uma “seção isolada”, a ZERO defende, portanto, que o “ambiente” e a “sustentabilidade” em geral sejam um referencial de qualquer Governo e do seu Programa, deixando espaço para as linhas políticas dos partidos, mas mantendo sempre presente que, “se não mudarmos todos, estaremos condenados a repetir os mesmos erros e a hipotecar a nosso futuro comum”.