Cada vez mais portugueses têm consciência das alterações climáticas, um problema que não se resolve com opções individuais de consumo, mas através de escolhas políticas e coletivas, defendeu hoje o investigador João Camargo, apelando à participação em movimentos.
“Há crescentemente, e felizmente, gente consciente do problema [das alterações climáticas], mas vivemos numa sociedade extremamente complexa que tem vários outros problemas a ocorrer em simultâneo”, o que faz com que seja difícil as pessoas concentrarem-se somente num, afirmou à agência Lusa João Camargo.
As alternativas que podem resolver este problema “não são individuais, não estamos a falar apenas de opções de consumo [transportes, escolhas alimentares ou vestuário], estamos a falar de escolhas políticas, de sociedade, coletivas” salientou o cientista e ativista em vários temas sociais e ambientais, como no movimento Climáximo.
O investigador referiu que “ao nível individual, uma redução radical de padrões de consumo teria um efeito residual”, pois o sistema económico tem “inércia própria” e resiste bastante a pequenas modificações individuais, especialmente no padrão de emissões.
Assim, defendeu, é necessário mudar quase de raiz a maneira como é concebida a economia e definir um programa político adotado por grupos políticos, organizações e partidos no sentido de garantir que ocorra coletivamente.
“A única solução séria para esta questão é as pessoas se organizarem em movimentos ou organizações” e, se não gostarem das que existem, criarem outras organizações. “Não vamos resolver este problema individualmente, o sentido coletivo é absolutamente central”, resumiu João Camargo.
Manual de combate às alterações climáticas
O investigador, que colabora com o projeto ClimAdapt.local, escreveu um livro a lançar amanhã em Lisboa para apresentar a todos o tema “de uma forma bastante sistemática, explicando ‘tim por tim'” como se chegou aqui, que influência tem este tema na vida de todos, no desenvolvimento enquanto espécie e enquanto sociedade.
Com o título “Manual de combate às alterações climáticas”, o trabalho trata igualmente do “enorme desafio que representa resolver este problema, que é o maior que a humanidade já enfrentou e como evitar as armadilhas de soluções que não funcionam, infelizmente as que mais abundam”, acrescenta o autor.
Ao longo de 11 capítulos distribuídos por 240 páginas, com imagens e desenhos para compreender a “magnitude do que é apresentado”, é transmitida a ideia de que “o mundo atual é muito diferente” daquilo que era quando a civilização nasceu.
“O sistema de produção em que vivemos criou uma devastação ambiental e social sem precedentes na nossa história enquanto espécie. De entre todas essas devastações, a alteração da composição da atmosfera e o aquecimento global do planeta destacam-se pelo seu potencial catastrófico”, pode ler-se no livro.
Um dos capítulos tem como título “Será o fim do mundo?” e, para João Camargo, a resposta é: “em princípio não, não temos, felizmente, condições para provocar o fim do mundo, conseguimos é seguramente dificultar muito a vida a nós próprios enquanto espécie, especialmente enquanto sociedade”.
Em Portugal, a energia e os transportes têm um papel central na mudança exigida para enfrentar as alterações climáticas, pois trata-se das duas maiores fontes de gases com efeito de estufa. O sistema energético mantém “fontes altamente emissoras” e o parque de transportes “é quase exclusivamente de combustíveis fósseis e quase baseado em transporte individual em carros”, explicou.
Questionado acerca do trabalho dos responsáveis políticos no que respeita às alterações climáticas, referiu que “sabem que existe, reconhecem no discurso público a existência do problema e a maior parte das soluções propostas não tem qualquer efeito real no combate às alterações climáticas, quando não produzem em alguns casos até o contrário do que é necessário acontecer”.
“Há uma posição bastante hipócrita da maior parte dos dirigentes e dos políticos sobre este tema em Portugal”, resumiu João Camargo.
Insistiu nas críticas à “ridícula ideia de começar uma indústria de petróleo e gás, quer no mar do Algarve, quer na Batalha e em Pombal” que não reduz as emissões. “Isso é aumentar as emissões neste momento, é totalmente contraditório e é o exemplo acabado da hipocrisia” quando os políticos assinam acordos internacionais para cortes de emissões”, salientou o investigador.