Nos dias 22 e 23 de outubro decorreu, na Altice Arena, aquele que é o maior evento sustentável do mundo, o Planetiers World Gathering. A conferência, que foi organizada em modelo híbrido, juntou durante os dois dias 10 mil participantes de mais de 50 países. Ecologia, alterações climáticas, educação, sustentabilidade e pobreza estiveram entre os temas debatidos.
Atualmente, o mundo vive duas crises: a crise das alterações climáticas e a crise da biodiversidade. Foi para falar sobre a ação do cidadão e o seu impacto nestas temáticas que Helena Freitas, professora da Universidade de Coimbra (UC) e especialista da Comissão Europeia no Conselho de Missão para adaptação às alterações climáticas, incluindo transformação social, se debruçou.
[blockquote style=”2″] Crise da biodiversidade não é exclusiva às alterações climáticas [/blockquote]
Para a docente, ambas as crises são os “principais desafios atuais” a nível mundial que o mundo tem que “enfrentar” e “vencer”. A biodiversidade é, do ponto de vista da responsável, um assunto que tem vindo a ser “discutido a par das alterações climáticas” por ser tão “próximo da humanidade”. No entanto, os efeitos das alterações climáticas são mais transversais do que, propriamente, os efeitos da biodiversidade: “Podemos ver os efeitos das alterações climáticas nos sistemas de agricultura, as grandes catástrofes em termos de meteorologia, seca e a biodiversidade”. Por seu turno, a crise da biodiversidade não é exclusiva das alterações climáticas: “Não estamos tão consciencializados para isso como deveríamos”, sustenta. De acordo com a responsável, “estamos a perder, no mínimo, uma espécie por dia” mas, aquilo que parece ser mais alarmante é que, “nas últimas décadas, perdemos no mínimo, um milhão de espécies, e menos 25% dos ecossistemas estão degradados”. Embora as alterações climáticas tenham um impacto significativo na perda dos ecossistemas, a docente chama também a atenção para outros fatores, como a atividade agrícola: “Os rios e os sistemas de água doce são ecossistemas que têm mudado muito nas últimas décadas, essencialmente, devido ao uso da terra, na agricultura”. Além disso, acrescenta a responsável, será, igualmente, difícil de recuperar, “corais, florestas tropicais e tantas ilhas” que, obrigará, a “mover as populações para longe desses locais”. Mesmo assim, Helena Freitas diz que o modelo escolhido ainda vai a tempo de ser alterado: “Temos esta década”, reforça.
[blockquote style=”2″] Qualidade do ar ou polinização não têm preço [/blockquote]
A docente da UC afirma que a importância da biodiversidade vai muito mais além do que, propriamente, os “números” ou por ser a “identidade das espécies”. E nos “10 milhões de espécies por todo o mundo”, Helena Freitas diz que, “estamos todos os dias a perdê-las”. Mas, às tais perdas, junta-se a “combinação entre as espécies e ecossistemas” que, segundo a docente, são “essenciais para trazer até nós o que chamamos o serviços dos ecossistemas”, ou seja, o “capital natural” que “traz às comunidades muitos benefícios e bens”. A “carne”, o “peixe” ou a “madeira” são alguns dos bens que podem ser comprados, mas há tantos outros que não têm preço, alerta a docente, dando como exemplo, a “qualidade do ar” ou a “polinização”. E, neste último, ao nível europeu, “perdemos provavelmente 70% dos polinizadores em termos de biodiversidade”, refere, alertando que tal valor resulta na “perda de um serviço essencial que nos dá, por exemplo, comida”.
[blockquote style=”2″] Mudança de sistema [/blockquote]
Numa década tão crítica que se avizinha, Helena Freitas tem esperança nos “movimentos” que estão a ser promovidos, no sentido de colocar as “políticas ambientais” no “centro das políticas públicas”. Embora na Europa, haja já uma “narrativa que parece um movimento de mudança”, a responsável considera que a “crise da biodiversidade” ainda não é um “tema central” na discussão.
Quer a crise climática, quer a crise da biodiversidade, estão ligadas à condição humana: “Quando preservamos ecossistemas, quando preservamos a biodiversidade, quando mitigamos o impacto das alterações climáticas, estamos também a aproximarmo-nos de soluções para resolver os problemas da humanidade como a pobreza e a desigualdade”, sustenta. Do ponto de vista da responsável, trata-se assim de um “movimento sistémico”, ou seja, uma mudança de sistema: “Temos de trazer todos os sistemas, como a “agricultura”, a “floresta” ou a “pesca”. Helena Freitas reconhece, contudo, que se trata de uma “transição complexa”, mas que não há outra solução: “Temos mesmo de ir por aqui e temos de fazê-lo juntos!”.
[blockquote style=”2″] Nós podemos pedir esta mudança! [/blockquote]
Uma das soluções para combater a crise das alterações climáticas e da biodiversidade e, ao mesmo tempo, colocar a luta da pobreza no centro das políticas públicas, apontadas pela docente, são as “Nature Based Solutions”. De acordo com a responsável, trata-se de “soluções que são inspiradas na conservação da natureza”, potenciando a “criação de empregos”. Helena Freitas defende que, “para a proteção da natureza” devem ser colocados de lado temas que “não farão parte dos planos de desenvolvimento económico”. E a “potencialidade dos empregos” está, segundo a responsável, quando há “restauro de pântanos ou de florestas” ou na “preservação de ecossistemas costeiros”, diz. E Lisboa é já um bom exemplo disso: “Vamos restaurar os sapais do Tejo e vamos plantar árvores”, afirma, destacando serem “formas fáceis de mitigar as alterações climáticas” uma vez que, “temos sequestração de carbono o que é também um serviço das florestas”. E sem elas (as florestas), “não conseguiremos atingir o objetivo da descarbonização da economia”, sublinha.
Um vez que o Green Deal faz parte integrante da “narrativa europeia” para o ambiente, a responsável defende que as “políticas que vão contra” os ideias deste Acordo, não podem ser promovidas, até porque são prejudiciais para combater o aquecimento global. Helena Freitas não tem dúvidas de que, enquanto sociedade, a “mudança” faz parte da ação: “Nós podemos pedir esta mudança!”.