Em 39 anos apenas uma decisão do Tribunal Europeu foi favorável ao Estado queixoso e teve de ter o parecer da Comissão, que ainda está a analisar queixa do governo de Costa, assinala esta quarta-feira o Diário de Notícias.
A queixa de um Estado membro contra outro é um instrumento poucas vezes utilizado na história da construção europeia: seis casos chegaram ao Tribunal Europeu de Justiça, só um foi decidido a favor do queixoso. Nos registos da Comissão Europeia é preciso recuar até 1978 para encontrar um processo em que foi dada razão ao país queixoso.
O governo deposita todas as esperanças na Comissão para resolver o conflito que opõe Portugal e Espanha em relação ao aterro de lixo tóxico de Almaraz. Bruxelas continua a recolher informação, sem data prevista para formular um parecer fundamentado. Portugal avançou com uma queixa em Bruxelas contra a construção de um armazém de resíduos nucleares na central sem ter sido consultado, como exigem várias convenções e protocolos.
“Este é um processo confidencial”, a Comissão quer mantê-lo em segredo e “não haverá declarações nem comentários antes da conclusão”, disse o gabinete do comissário do Ambiente. “Nem para as questões processuais” serão exceção, dando espaço para que o assunto se resolva de forma bilateral. Aliás, durante a fase de recolha de dados, a Comissão “procura promover o debate entre os dois Estados envolvidos” antes de formular um parecer.
Nos corredores diplomáticos em Bruxelas o tema também é tratado com toda a cautela. Almaraz parece ter-se tornado um assunto tabu. Afinal, a queixa contra um Estado é entendida por alguns especialistas como um instrumento “polémico” de negociação, com um “impacto semelhante ao veto de uma decisão do Conselho Europeu”.
Em 2000, num caso que opôs a Espanha contra o Reino Unido, a Comissão Europeia levou o apelo por uma solução bilateral até ao limite e escusou-se a emitir um parecer. O governo espanhol estava convencido de que o Reino Unido tinha violado os tratados ao alargar o direito de voto para o Parlamento Europeu aos residentes de Gibraltar. O caso seguiu até ao Tribunal de Justiça, onde foi dada razão ao Reino Unido.
Em quase quatro décadas, apenas um Estado membro conseguiu resultados numa queixa contra outro Estado. Em outono de 1977, as autoridades britânicas intercetaram um navio francês com uma carga de lagostins pescados no mar do Norte, evocando uma lei sobre os limites mínimos da malha das redes de pesca. O Reino Unido acusou a tripulação de pesca ilegal e obrigou o proprietário a pagar uma multa.
A lei aplicada tinha sido adotada unilateralmente pelo Reino Unido, tendo por isso sido considerada ilegal pelo governo francês. A Comissão apoiou a causa, ajudando o Tribunal Europeu a concluir que o governo inglês “não cumpriu obrigações decorrentes do direito comunitário”.
Entre os seis processos na história da construção europeia, em que um Estado levou outro a tribunal, cinco não tiveram qualquer efeito prático. Sobre dois deles nem há registos escritos na Comissão.
Em 1995, um vinho espanhol foi o centro da polémica, com a principal cadeia belga de supermercados impedida de usar a designação La Rioja nas garrafas de um vinho produzido fora Espanha. A Bélgica queixou-se da Espanha, acusando Madrid de práticas restritivas ao mercado interno, por exigir a denominação de origem do vinho. A Comissão emitiu parecer desfavorável à Bélgica, que mesmo assim seguiu para tribunal com o apoio de outros cinco Estados. O Tribunal confirmou o parecer da Comissão.
Num caso sobre a interação entre as regras de direito internacional aplicáveis aos chefes de Estado e de governo e as regras relativas à livre circulação, em 2009, a Hungria intentou uma ação contra a Eslováquia. A Comissão emitiu um parecer fundamentado negativo e a Hungria perdeu a ação no Tribunal de Justiça.