A cerca de cem quilómetros da fronteira portuguesa, a central de Almaraz está no centro de um conflito entre os países ibéricos por causa do novo armazém de resíduos perigosos que ali se quer construir, noticia o Diário de Notícias. Segundo o jornal, os que vivem da central defendem-na, e há quem se oponha. Mas a maioria mostra indiferença.
Duas cúpulas brancas, um grande edifício cinzento, sem nada de especial. Junto ao espelho de água da barragem de Arrocampo, com a serra de Gredos em fundo, imponente nos seus 2700 metros de altitude, a central nuclear de Almaraz surge quase insignificante na paisagem. Mas é só aparência. Almaraz é tudo menos irrelevante, ou pacífica, e agora até entre os vizinhos ibéricos gerou conflito, depois de o governo de Mariano Rajoy ter autorizado um novo armazém de resíduos nucleares, sem que deste lado da fronteira houvesse oportunidade de uma palavra. Por isso, nos próximos dias Portugal apresenta queixa contra Espanha em Bruxelas. Os ecologistas, mais uma vez, vão à luta: em Espanha prepara-se uma batalha judicial.
Em torno da central e do seu futuro há discórdias acesas, muros de silêncio, políticos que se calam, populações divididas. Uns defendem-na “con ganas”. Querem que continue durante muitos e bons anos: é o seu ganha-pão, veem-na como garante do futuro. Outros contestam-na. Opõem-se desde sempre àquela forma de produzir energia, e rejeitam agora também a autorização do governo espanhol para a construção nas suas instalações de um novo armazém temporário de resíduos nucleares (ATI, na sigla de língua espanhola). Veem nisso um “sinal claro” de que tudo se prepara para que a vida útil da central seja prolongada além de 2020, o limite da sua licença de operação, quando estiver já à beira de completar 40 anos. A maioria, porém, encolhe os ombros, resigna-se. “Está aí há tanto tempo, uma pessoa habitua-se”; “se houver um acidente, tanto dá estar aqui como em Madrid, ou Lisboa”, ouve-se nas povoações por perto.
Almaraz, a localidade que fica paredes meias com a central, a pouco mais de um quilómetro, é uma espécie de mundo à parte nesta região do Nordeste da Extremadura espanhola. Ali vive-se da instalação nuclear, uma parte dos habitantes trabalha lá, e a proximidade vale dinheiro, pago ao ayuntamiento (a câmara municipal) sob a forma de impostos pelas empresas proprietárias – a Iberdrola, a Endesa e a Unión Fenosa – e, como compensação pelos seus resíduos, pela Enresa, a empresa pública espanhola que gere essa parte.