Até 2050, estima-se que a população ultrapasse os 10 mil milhões de pessoas em todo o mundo. As previsões da ONU – Organização das Nações Unidas indicam ainda que as cidades vão albergar 70% da população. Face a estas estimativas, o grande desafio que se impõe é conseguir alimentar todos os cidadãos de forma sustentável e sem impactos no meio ambiente. O que difere a alimentação urbana da rural? Quais os impactos para o meio ambiente? E como se conciliar o crescimento da população com uma alimentação sustentável?
Partilhando a opinião do mesmo desafio, Helena Real, secretária-Geral da Associação Portuguesa de Nutrição (APN), defende que, além de a alimentação ter de contribuir para a segurança alimentar e nutricional da população, assim como para o seu estado de saúde tanto no presente como no futuro, também deve proteger e respeitar a biodiversidade e o ecossistema, otimizando os recursos naturais e humanos: “Se, por um lado, o desafio será permitir o acesso a alimentos sustentáveis a uma população que cresce de forma exponencial, desafio maior será sensibilizá-la e fazer com que mude comportamentos, de forma a ter uma alimentação mais sustentável”. Estas são premissas só serão conseguidas com o “envolvimento de toda a sociedade e em conjunto com as entidades governativas”, considera a nutricionista.
Neste desígnio de assegurar a sustentabilidade e a eficiência da cadeia alimentar, Nuno Plácido, country manager da Too Good To Go, defende que as cidades com “zero desperdício alimentar” são fulcrais para alcançar dos objetivos da ONU para 2030: “As cidades têm as infraestruturas, os relacionamentos e o conhecimento local para transformar o desperdício alimentar de algo abstrato em algo tangível”. Além disso, não só estão bem posicionadas para “lidar com o problema do desperdício de alimentos”, como também, são as principais responsáveis por criá-lo: “Consumidoras de recursos e densamente povoadas, respondem por 75% das emissões globais de carbono, apesar de cobrirem apenas 2% da terra. Atualmente, as cidades consomem 70% de todos os alimentos produzidos”. Assim sendo, cabe às cidades “desempenhar um papel muito mais abrangente e ativo” na luta contra o desperdício de alimentos: “Não só aproximar a produção de alimentos das áreas urbanas, mas também, a uma melhor redistribuição do excedente de alimentos, reduzindo o desperdício alimentar”. Outra solução passa por “consumir o que atualmente estamos a desperdiçar”, destaca
Alimentação urbana vs. alimentação rural
Nas diferenças entre a alimentação urbana e a rural, Helena Real destaca que, no meio rural, existe uma “maior proximidade à produção primária”, pelo que “garante que a população que vive neste meio consiga ter maior noção da história dos alimentos”, podendo promover uma “menor distância do local de produção ao local de consumo”. Por outro lado, é mais comum ver nestes meios uma “maior circularidade dos alimentos”, onde se gera menos resíduos: “Tudo é aproveitado para alimentação humana ou para alimentação dos animais ou adubação das terras”, exemplifica. O mesmo não acontece no meio urbano: “São temáticas menos simples de promover sendo necessário que haja uma sensibilidade de base que permita garantir que as pessoas se predisponham a ser mais sustentáveis”. Ainda assim, destaca-se a “proliferação de projetos que contribuam para o aumento desta sensibilização”, que permitam “reduzir o número de quilómetros que os alimentos percorrem para o prato de cada família e que facilitam uma alimentação mais sustentável”, reconhece a responsável, reforçando tratar-se de um trabalho de todos, como os “municípios, escolas, instituições e associações de cada cidade e aos avós e pais, que permitem passar estas sensibilizações de geração para geração”. Ainda nas diferenças alimentares que existem, a nutricionista constata que, no meio urbano, as pessoas têm menos tempo disponível para “pensar a sua alimentação”, pois desperdiçam muito tempo em atividades com a deslocação para o local de trabalho ou escola: “São muito adeptas de tipologias de alimentos ou confeções culinárias menos sustentáveis, seja pelo sobre embalamento a que estão sujeitos, seja pela presença de mais alimentos de origem animal, seja pelo não cuidado de verificação da tipologia de produção ou origem dos produtos alimentares, entre outros”. A “falta de tempo e a pouca proximidade ao local de produção dos alimentos” podem ser “inimigas de escolhas alimentares mais sustentáveis”, pelo que a “consciencialização para esta sensibilidade deve ser trabalhada desde cedo”, de forma a “potenciar comportamentos mais sustentáveis ao longo da vida”, sustenta.
Na discussão sobre a eficiência do sistema alimentar (para alimentar 10 mil milhões de pessoas), Helena Real refere que o foco se centra nas fontes alimentares de proteína e de hidratos de carbono, nomeadamente a carne e os cereais: “No que concerne à carne, é fundamental reduzir o seu consumo e procurar complementar com outras fontes alimentares fornecedoras de proteínas, como as leguminosas”. E nesta questão, há diversos projetos a nível nacional e internacional que “procuram tornar as cidades mais verdes, com produção alimentar vertical ou no telhado dos prédios ou no fomento da criação das chamadas fábricas de plantas”, exemplifica. Por outro lado, cada vez mais se aborda o conceito da “circularidade das cidades”, tentando-se juntar os vários intervenientes (“restaurantes, escolas ou empresas”), no sentido de “pensarem o abastecimento dos alimentos em conjunto” e, sobretudo, “pensarem de forma circular na mitigação de resíduos que possam gerar: o desperdício de uns pode ser a matéria-prima de outros”. Para a secretária-geral da APN, as escolas devem ser o ponto de partida na resolução dos desafios: “São as escolas, pela sua componente pedagógica de investimento nos adultos de amanhã, pela enorme utilização de alimentos para a preparação das refeições diárias da comunidade escolar”. A este nível, há “projetos muito inspiradores” que procuram “promover os circuitos curtos de distribuição alimentar às escolas, oriundos de produções mais sustentáveis, criar menus mais sustentáveis e, simultaneamente, envolver os alunos no conhecimento sobre a história dos alimentos, a sua importância e o respeito que deve haver pelos mesmos”, destaca.
No desígnio de tornar a alimentação das cidades mais sustentável, Nuno Plácido considera que, apesar de as áreas rurais produzirem a maior parte da produção de alimentos, é vantajoso que “haja uma maior partilha de boas práticas e uma maior disponibilidade para a inovação, para poupar a natureza e manter a oferta”.
Já Helena Real defende a necessidade de uma “total sinergia” entre a agricultura e as cidades, o planeamento das mesmas e a capacidade de integrar a agricultura nas cidades e em seu redor: “A agricultura deve aproximar-se mais do consumidor final, para que o mesmo também se sinta mais responsabilizado com um consumo mais consciente e com menos desperdício alimentar”. Se esta sensibilização for feita de forma “concertada e sinérgica”, a nutricionista acredita que será “mitigada a dificuldade que muitas pessoas que vivem nas cidades e que nunca tiveram contacto com a agricultura têm em conhecer os alimentos desde o prado ao prato e fazer escolhas alimentares mais sustentáveis em função desse conhecimento e respeito pela história que cada alimento carrega”.
Este artigo foi incluído na edição 96 da Ambiente Magazine