AJAP: “2023 vai ser um ano terrível” para o setor da agricultura
Neste início de ano, com a inflação a preocupar muito os portugueses e, agora, com as mudanças de governantes na pasta da Secretaria de Estado da Agricultura, a Ambiente Magazine está a auscultar vários stakeholders para perceber como perspetivam 2023.
“Foi com surpresa que soube da demissão de Rui Martinho, (ex) secretário de Estado da Agricultura”, começa por dizer Firmino Cordeiro, diretor-geral da AJAP – Associação dos Jovens Agricultores de Portugal, considerando o ex dirigente como “excelente técnico, que conhece muito bem os organismos do Ministério por onde passou (IFAP, Proder e outros), e de uma forma geral toda estrutura do aparelho”.
Relativamente à eleição de Carla Alves para substituir Rui Martins na pasta da Secretária de Estado da Agricultura, o responsável reconhece todo o trabalho que desempenhou, antes de ocupar o cargo de Diretora Regional de Agricultura do Norte, nomeadamente na defesa de causas nobres da agricultura transmontana: “Não lidei muito com ela, mas sempre me pareceu uma pessoa de consensos e com sinceridade penso que podia fazer o seu percurso com alguma tranquilidade enquanto Secretária de Estado”. Contudo, a rápida demissão da mesma, é motivo de grande descontentamento para este setor: “Quem convida tem responsabilidades pois devia ter mais informação, quem aceita devia fornece-las, o que verdadeiramente aconteceu só os intervenientes sabem”, atenta o engenheiro, lembrando que “os tempos que atravessamos são difíceis e exigem muito mais atenção e foco do Governo para este setor, talvez dos poucos com provas dadas nos últimos tempos de resiliência, com aumentos de produtividade e com números cada vez mais interessantes nas exportações portuguesas”.
Uma vez que agricultura é um setor que necessita de “muita estabilidade” e da “máxima concentração no que tem de fazer”, como por exemplo, “preparar e implementar o PEPAC – Plano Estratégico da Política Agrícola Comum”, Firmino Cordeiro, apesar de reconhecer que “estas situações desgastam os responsáveis políticos do Governo”, chama a atenção para a atuação do primeiro-ministro, António Costa, pois “devia pedir desculpa aos portugueses que lhe deram a maioria, e humildemente refazer e restruturar com critério e responsabilidade todo um Governo que tem fragilidades, e muitas rostos do passado recente, razão talvez de desgaste”. No entender do diretor-geral da AJAP, integrar o Governo não é um “emprego de curta duração”, pois “são cargos de enorme responsabilidade, concentração, e poder de decisão” que, acima de tudo, “exigem uma grande capacidade de trabalho quase sempre em alta pressão”.
“Vamos continuar a assistir a muitas explorações a fechar portas”
Questionado sobre a capacidade do Ministério da Agricultura para dar resposta aos desafios, nomeadamente, a inflação, o responsável considera que “o Governo não tem dado a devida atenção a ao setor”, como é o caso das “ajudas aos agricultores para atenuar os inúmeros problemas que das recentes crises”, como a “Covid-19”, a “seca”, a “guerra”, os “combustíveis” ou a “energia”. Comparativamente com a atuação do Governo espanhol, Firmino Cordeiro considera que “nós ficamos muito, mas muito aquém da celeridade com que os agricultores espanhóis recebem apoios, alguns diretos no ato de comprar os fatores de produção, como os combustíveis e energia”. E esta é uma situação que ainda se agrava mais por “serem os nossos concorrentes mais diretos, estamos sempre a competir bem abaixo do nível mínimo aceitável quando queremos exportar e fazer negócios, com tudo mais caro, temos menos lucro, margens miseráveis, por vezes até negativas, e claro neste cenário vamos continuar a assistir a muitas explorações a fechar portas”.
Quanto às perspetivas para o ano 2023, o engenheiro está muito pessimista: “(Vai ser) terrível, com pouco dinheiro para investir no setor, vamos rapar o tacho dos restos do PDR2020 e do PRR, e com o novo quadro com muitas medidas previstas apenas para 2024”. E “se os fatores de produção não baixarem, se a inflação demorar a baixar e os preços ao produtor não subirem (apesar de subirem muito nos hipermercados ao consumidor), para margens minimamente aceitáveis, e com o nível de apoios do Estado apenas, apenas colado ao que Bruxelas tem para oferecer, o setor e os agricultores vão atravessar tempos extremamente difíceis”, alerta. A isto acresce o facto de Portugal ser, na Europa, o país com “os agricultores mais envelhecidos e menos rejuvenescido”, pelo que se exigia “muito mais empenho” até porque, “nos últimos anos melhoramos muito a nossa autossuficiência alimentar e as exportações, graças ao espirito de missão e esforço dos agricultores, porque o Governo faz os mínimos que Bruxelas impõe, infelizmente é assim”.
Aos portugueses, o diretor-geral da AJAP assegura que o setor continuará a fazer de tudo para que nada lhes falte: “Os portugueses, em geral, já perceberam que os seus homens do campo não viram as costas às suas responsabilidades, compromissos e missão, quase não faltaram produtos nos tempos Covid…”. Nesta equação, o responsável atenta na necessidade de ser dado “mais apoios às vendas diretas e aos circuitos curtos de comercialização”, pois “uma percentagem significativa dos portugueses está a retomar hábitos de comprar produtos locais, sem percorrerem grandes distâncias para chegar a suas casas, quase sem intermediários”. É, assim, uma “aposta interessante onde todos ganhamos, o ambiente desde logo, os agricultores praticam preços mais justos e, acima de tudo, os clientes compram produtos mais frescos, de melhor qualidade e a melhor preço”, remata.
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