Agricultores do Alto Alentejo fazem “contas à vida” com culturas a “morrer”
As culturas de sequeiro no Alto Alentejo estão a morrer e o abeberamento do gado está em risco para desespero dos agricultores, que fazem “contas à vida” com os prejuízos causados pela seca que teima em durar, noticia a agência Lusa.
Agricultor no concelho de Campo Maior, no distrito de Portalegre, Luís Machado tem de percorrer todos os dias 14 quilómetros (ida e volta) até à albufeira mais próxima para garantir o abeberamento aos mais de 230 bovinos que pastam na sua exploração.
“Os poços, noras e a barragem secaram em abril do ano passado e, para poder proceder ao abeberamento destas cabeças de gado, sou obrigado a fazer um transporte diário de cerca de seis mil litros de água. Durante os fins de semana tenho de fazer quatro transportes para conseguir que este gado subsista e não morra à sede”, lamenta o agricultor, em declarações à agência Lusa.
Enquanto os animais são alimentados “à mão”, através de fenos, palhas e rações, Luís Machado faz contas às despesas, observando que dentro de pouco tempo também “não há perspetiva” de recolher fenos porque a falta de água não deixou desenvolver as suas culturas.
“Essa é uma preocupação acrescida e que nem sabemos como vai ser resolvida, porque o que se passa aqui está a passar-se também em partes de Espanha. Em relação à compra de alimentos para o inverno, tudo o que virá a haver há de ser a preços completamente incomportáveis e não sei se vamos conseguir aguentar as nossas explorações”, diz.
Já no concelho vizinho de Elvas e com Badajoz (Espanha) à vista, a exploração agrícola de Mário Mendes está vocacionada para a produção de cereais, mas a seca, de dia para dia, está a matar uma extensa cultura de aveia.
“A cultura não se instalou por falta de água. E o que podemos ver é a cor da seara, uma parte mais amarela [no caule], provocada pelo ‘stress hídrico'”, e, noutra parte, “as folhas mais adiantadas, com mais desenvolvimento, estão a começar a secar por causa da falta de água, do vento norte e frio”, relata à Lusa o produtor.
“Não é um ano mau. Se continuar assim é um ano péssimo”, desabafa Mário Mendes, também produtor de gado.
Repetindo argumentos utilizados por produtores pecuários, o agricultor de Elvas diz que o gado está a ser alimentado “à mão”, quando deviam “entrar em cena”, nesta altura do ano, as pastagens naturais.
Considerando que o Governo deveria “agir” com medidas “que não seriam gravosas” para o Estado, o agricultor defende o fim do período de retenção dos animais (termina a 30 de abril e só depois os produtores podem vender animais do efetivo para refugo), e autorização para o gado poder pastorear nos pousios de lavouras mistas (de cereais e de pastorícia).
A zona raiana de Elvas conta com a Barragem do Caia como um “grande aliado” na agricultura e no fornecimento público (abastece os concelhos de Elvas, Campo Maior, Monforte e Arronches), mas devido à seca a albufeira está a 19 por cento da sua capacidade total.
Embora o abastecimento público esteja garantido, por um período de três anos, a pouca água, segundo os agricultores, coloca em risco a próxima campanha de rega.
A albufeira tem 36 milhões de metros cúbicos de água armazenados, mas 31 milhões estão cativos para o abastecimento às populações.
Para Luís Rodrigues, técnico da Associação de Regantes e Beneficiários do Caia, a situação é “catastrófica” em termos de regadio.
As culturas de primavera/verão, aponta, “vão ser afetadas”, caso não entre na albufeira um “caudal suficiente”.