A decisão do estado português em avançar com o aeroporto do Montijo viola dois dos principais pilares do Pacto Ecológico Europeu: “combater a mudança climática global” e “reverter a crise da biodiversidade”. Publicado esta quinta-feira na revista Science, o artigo de José Alves, investigador da Universidade de Aveiro (UA), e Maria Dias, investigadora da BirdLife International, apelam ao Governo que pare o projeto e faça de Portugal um caso de sucesso na implementação do Pacto Ecológico Europeu.
De acordo com o comunicado da UA, o artigo revela a “contradição entre a intenção da Comissão Europeia em alterar as economias europeias para modelos mais sustentáveis (Pacto Ecológico Europeu)” e a “autorização ambiental emitida por um estado membro (Portugal) para a construção do aeroporto do Montijo, no coração da maior zona húmida do país, o estuário do Tejo”.
No artigo já publicado, José Alves e Maria Dias sublinham que a importância do estuário do Tejo para a biodiversidade se estende muito para além das fronteiras Portuguesas, sendo designado como Reserva Natural na lei portuguesa, Zona de Protecção Especial (Directiva Aves da Uniao Europeia), Zona Húmida de Importância Internacional (Convenção de Ramsar) e Área Importante para as Aves (Birdlife Internacional).
“O estuário do Tejo é um grande hub internacional para as aves migradoras que usam a rota migratória do Atlântico Este, servindo de ponte entre as áreas de reprodução localizadas no hemisfério norte e as áreas de invernada no sul da Europa e em África, estimando-se que seja utilizada por cerca de 300,000 aves aquáticas”, apontam os investigadores.
Os autores deste artigo argumentam que a decisão do estado Português viola dois dos principais pilares do Pacto Ecológico Europeu: combater a mudança climática global e reverter a crise da biodiversidade. Apesar do aumento substancial nas emissões de carbono que um segundo aeroporto na área da capital irá gerar, dizem os autores, Lisboa é actualmente a Capital Verde Europeia.
“Ironicamente, a candidatura de Lisboa a este galardão beneficiou da proximidade com a reserva do estuário do Tejo, apesar do traçado agora proposto para as rotas dos aviões implicar voos a menos de 200 metros de altitude dentro da área protegida, perturbando de forma muito assinalável várias das áreas mais importantes para as aves aquáticas e para as quais a reserva do estuário do Tejo foi estabelecida”, sublinham José Alves e Maria Dias.
“Estas aves movem-se no estuário do Tejo em bandos que podem ser formados por ter dezenas de milhares de indivíduos, tirando partido do complexo mosaico de habitats estuarinos esculpidos ao longo de milénios, tais como sapais e bancos de vasa e mais recentemente, pela intervenção humana, salinas e arrozais”, apontam. Os cientistas dão como exemplo os bandos de até 80 mil maçaricos-de-bico-direito que se reproduzem na Islândia e Holanda e que se concentram no estuário do Tejo todos os anos para se alimentarem e repousarem, no decurso da sua migração anual.
“Várias outras espécies que se reproduzem no árctico e no norte da Europa, muitas das quais se encontram em declínio acentuado, dependem do estuário do Tejo. Esta zona húmida alberga também populações muito importantes de outras aves aquáticas, nomeadamente flamingos, colhereiros e garças-reais. É também neste estuário que se concentra o maior número de aves aquáticas em Portugal, sendo o segundo mais importante na península ibérica e um ponto de ligação crucial entre a Europa do norte e África para as aves migradoras”, alertam.
Apesar do impacto da Covid19 no tráfego aéreo, lembram, “a empresa privada que promove e financia o aeroporto do Montijo anunciou que permanece firme no seu compromisso de avançar com o projecto e o governo Português anunciou publicamente o seu apoio ao mesmo em junho, julho e setembro, quando as consequências da pandemia na indústria da aviação já eram claras”.
No entender dos autores, “este é um exemplo evidente de uma tentativa de um estado membro em desconsiderar directrizes de conservação, acordos internacionais de protecção de espécies e habitats e os anúncios que o próprio governo faz na promoção de um futuro mais sustentável e sem emissões de carbono. Dada a função do estuário do Tejo em albergar espécies de toda a rota migratória, incluindo aquelas que beneficiam de programas de conservação financiados publicamente noutros locais da sua área de distribuição, “outros países irão muito provavelmente considerar Portugal como responsável pelas consequências negativas deste desenvolvimento no estuário do Tejo”.
“O estudo de impacte ambiental do aeroporto do Montijo tem sido muito criticado, devido à falta de dados e informação, erros técnicos e adoção de critérios subjetivos”, apontam os biólogos.
“A Agência Portuguesa do Ambiente emitiu a polémica Declaração de Impacte Ambiental com base num parecer favorável da direcção do Instituto de Conservação da Natureza e Florestas, entidade que avalia os impactos nas aves, apesar do parecer interno dos seus técnicos ter sido desfavorável. As medidas de compensação propostas para as aves não são eficazes, uma vez que praticamente metade do estuário do Tejo será impactado e não pode ser substituído”, concluem.
Os autores do artigo apelam ao Governo Português que reconsidere a decisão de autorizar a construção do aeroporto do Montijo e aproveite a oportunidade de Lisboa ser a actual Capital Verde Europeia para demonstrar uma verdadeira liderança ao nível internacional no movimento global para um futuro sustentável, fazendo de Portugal um caso de sucesso na implementação do Pacto Ecológico Europeu.