A ADENE (Agência para a Energia) promoveu recentemente uma sessão pública sobre a Pobreza Energética. O evento, que decorreu na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, ficou marcado pela apresentação das conclusões do estudo sobre a Aplicação da Tarifa Social de Energia e pelos resultados da medida “Ligar – Eficiência Energética para Todos”.
Na sessão da abertura, a vice-presidente da ADENE, Maria João Coelho, destacou a “relevância das políticas de promoção da eficiência energética” e de “combate à pobreza energética” no Plano Nacional Integrado Energia e Clima (PNEC 2030), o principal instrumento de política energética e climática para a década 2021-2030 para “garantir uma transição justa, democrática e coesa”. A responsável, referindo-se ao workshop temático sobre Eficiência e Pobreza Energética realizado no mesmo dia, considera que este foi importante pois “permitiu recolher interessantes conteúdos do PNEC 2030”.
A abordagem deste tema reveste-se ainda de maior importância quando, na Europa, “existem 50 a 125 milhões de cidadãos em situação de pobreza energética”, cuja situação pode “afetar a saúde, o bem-estar e, em última análise, a economia. Um tema que interessa a todos”, indica Maria João Coelho.
É preciso “distinguir pobreza económica de pobreza energética”
Logo após o workshop, coube a Marlene Neves revelar os resultados. A chefe da Divisão de Mercados da Direção-Geral de Energia e Geologia destacou alguns aspetos a ter em conta: é necessário “atingir as massas” e encontrar uma “estratégia concertada para chegar a todos” e que inclua a “sensibilização ao nível dos municípios e das comunidades intermunicipais”. Com esta sessão, pretendeu-se promover a “reflexão e o debate”, sublinha.
A partilha de dados, mobilizar os vários stakeholders ou promover e envolver redes colaborativas que incluam instituições, autarquias, associações empresariais ou entidades do setor da construção são questões fulcrais neste tema, destaca a responsável, que sublinha a importância da obtenção de “mais formação” por parte dos técnicos a nível municipal para a implementação da eficiência energética.
Quanto às principais mensagens, “importa distinguir pobreza económica e social de pobreza energética”, frisa Marlene Alves, até porque “uma parte em Portugal sofre de pobreza económica e social, mas uma maior parte sofre de pobreza energética”. A responsável defende o incentivo de medidas para “atenuar os problemas” e também deve ser identificado, estudado e avaliado “o verdadeiro impacto da pobreza energética na vida das pessoas e nos custos para a própria economia”. Marlene Neves não deixou de destacar a importância da Tarifa Social avaliada como uma medida “relevante no domínio da garantia do acesso aos dispositivos energéticos”.
A responsável partilhou ainda algumas medidas para “mitigar o problema da pobreza energética e melhorar o desempenho energético”. A “aposta na produção de energia renovável”, a “valorização de sistemas” como o fotovoltaico, que “permite atenuar os custo de manutenção e da energia”, a “formação e capacitação dos agentes envolvidos” ou a “promoção de investimento de financiamento” foram alguns dos exemplos.
Tarifa Social de Energia reduz encargos das famílias em 4%
Ainda durante a sessão pública, foram divulgadas as conclusões de um estudo sobre a Aplicação da Tarifa Social de Energia em Portugal. Coube a Rita Martins, do Centro de Investigação em Economia e Gestão (CeBER), apresentar esta investigação, que foi a primeira realizada para o recém-criado Observatório da Energia.
O estudo analisou a abrangência e evolução da tarifa social de energia em Portugal. De acordo com a responsável, o número de beneficiários de tarifa social na energia elétrica em Portugal era, “no terceiro trimestre de 2018, de 812.680”. Já no caso da tarifa social de gás natural, “o número de beneficiários era de 35.543”.
Para a investigadora, a aplicação da medida, vista com “grande relevância no domínio da garantia do acesso universal” aos serviços de energia, “continua a justificar-se” até pela “redução de três a quatro pontos percentuais do peso dos encargos com os serviços energéticos nos orçamentos das famílias” para níveis abaixo do patamar problemático dos 10%. No entanto, o mesmo estudo aponta que a tarifa social, “tal como está concebida, não se destina especificamente a diminuir a pobreza energética” mas sim para “promover a universalidade e a acessibilidade aos serviços energéticos”, permitindo que haja “uma poupança” que pode ser utilizada pelos beneficiários no aumento do consumo de energia.
Relativamente ao processo de atribuição e aplicação da tarifa social, o estudo refere que o facto do processo ser automático (uma experiência com mais de dois anos) revelou-se eficaz, sendo que são residuais os casos de atribuição indevida do benefício.
Ainda nesta matéria, o estudo aponta a pertinência das possíveis políticas e medidas complementares que podem ser adotadas. Desde logo, os critérios de elegibilidade para o acesso à tarifa social devem ser uniformizados. Esta medida traduzir-se-ia num aumento de beneficiários, resultando num impacto financeiro de cerca de 9,5 milhões de euros.
Outras medidas passariam pela isenção do pagamento da componente fixa aos beneficiários com a menor potência contratada ou a garantia do fornecimento de energia a famílias vulneráveis em períodos sazonais críticos, para além da extensão da tarifa aos consumidores domésticos de GPL em garrafa ou da promoção de planos de reabilitação e de eficiência para a redução da pobreza energética no médio e longo prazo.
Criada em 2010 para a eletricidade e em 2011 para o gás natural, a tarifa social tem como objetivo “reduzir os encargos energéticos dos consumidores domésticos”, contribuindo para que o preço não seja um “fator de exclusão” e servindo “o propósito do acesso universal a serviços de qualidade a preços acessíveis”.
LIGAR – Eficiência Energética para Todos!
“Ligar – Eficiência Energética para Todos!” é uma medida promovida pela ADENE e financiada no âmbito do Plano de Promoção da Eficiência no Consumo de Energia Elétrica (PPEC 2017-18) da Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE).
Gorete Soares, coordenadora da Unidade Academia da ADENE, explicou que a iniciativa visa “implementar uma estratégia inclusiva de combate à pobreza energética” e de “melhoria da eficiência energética”, através de ações de proximidade junto dos consumidores. Apesar de não existir uma “definição oficial de pobreza energética” em Portugal, para efeitos do programa, considerou-se como pobreza energética a “incapacidade de indivíduos ou famílias aquecer ou arrefecer as suas habitações”, indica a responsável.
Com base nesta medida, foi realizado um mapeamento da pobreza energética de Portugal à escala de freguesia, adotando-se uma metodologia que considera várias componentes desde o clima e temperaturas à localização e tipologia dos alojamentos, bem como “fatores socioeconómicos dos agregados familiares”.
Das freguesias (de norte a sul de país) que “apresentam maiores índices de vulnerabilidade” à pobreza energética ao aquecimento e arrefecimento, foram identificadas dez, tendo sido realizadas cem entrevistas. De natureza urbana e rural e com dimensões populacionais distintas, conclui-se que “existem muitos consumidores que não estão devidamente informados acerca da sua fatura de eletricidade”, nomeadamente sobre aspetos como a “potência contratada adequada” e a “falta de ajustamento entre o contrato de fornecimento de eletricidade e as práticas quotidianas do agregado familiar”, explica Gorete Soares. A grande maioria dos entrevistados referiu que, para colmatar o frio, coloca mais uma manta, veste mais um casaco ou deita-se mais cedo para não gastar energia.
Com este estudo, abrem-se assim oportunidades de intervenção associadas ao maior conhecimento dos agregados familiares sobre a melhoria do conforto e a utilização mais eficiente da energia através da implementação de medidas comportamentais, de baixo investimento, ou de ações mais estruturadas e integradas que implicam maiores investimentos. No âmbito da medida LIGAR, já estão a ser capacitadas Brigadas da Energia nas 10 freguesias selecionadas com o objetivo de testar diferentes estratégias de atuação junto das famílias mais afetadas pela condição de pobreza energética. As Brigadas contam com o Manual Prático “Energia para Poupar”, desenvolvido para as apoiar na realização de ações de proximidade.
Observatório da Energia quer ser “portal de referência”
Ainda na mesma sessão, foi feita uma apresentação do Observatório da Energia, uma iniciativa da ADENE dirigida a decisores políticos e administração pública, académicos e agentes e entidades do setor, para além da comunicação social e do público em geral. Manuel Casquiço, coordenador da Unidade de Informação da ADENE, indica que o objetivo desta nova plataforma é “posicionar-se como portal de referência e de excelência com informação diversa e rigorosa sobre o setor da energia em Portugal”.
A gestão do Observatório está a cargo da ADENE e insere-se no programa “Portugal Energia”, integrado no SIMPLEX+2017. Além disso, é o “reconhecimento da importância da informação e do acesso à informação no setor da Energia” e da “necessidade de colocar à disposição de todos uma ferramenta que disponibilize dados, estatísticas e indicadores energéticos” numa lógica de transparência e rigor, possibilitando assim a “promoção a avaliação das políticas públicas”, sublinha.