ADENE: “Desde 2018, Portugal tem feito um caminho impressionante, dando uma nova dinâmica ao setor energético”

Com a aprovação do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), a prioridade é a Reabilitação Urbana. Como e quando vão chegar os apoios previstos e como se pode preparar o setor da construção e do imobiliário para a sua implementação? Quais os desafios que se colocam? E como se deve aproveitar os novos fundos para uma reabilitação sustentável? Estas foram apenas algumas das questões levantadas no primeiro painel da VIII Semana da Reabilitação Urbana (RU) de Lisboa, que começou esta terça-feira, dia 11 de abril.

Para Carlos Mineiro Aires, bastonário da Ordem dos Engenheiros, a entrada do PRR traz vantagens acrescidas, nomeadamente uma “grande transformação” nas linhas em que assenta, isto é, na “resiliência”, na “transformação digital e energética” e, sobretudo, uma “grande aposta” naquilo que será a “capacitação nova” com destaque para o setor imobiliário e para o setor da construção que vão ganhar uma Administração Pública nova: “Vivemos num país em que temos uma administração pública obsoleta e insuficiente e onde os processos de licenciamento variam incompreensivelmente de município para município o que complica a vida para qualquer pessoa que tenha ambições”. Por isso, a “modernização da administração e das competências” são essenciais para que “tenhamos um país moderno e virado para o futuro”.

Carlos Mineiro Aires

No que toca ao setor imobiliário e à fileira da construção, os investimentos no PRR ultrapassam os 5.500 milhões de euros, sendo que as alterações nas várias componentes em que assentam estes setores são várias e profundas. “Na habitação, há muita coisa a fazer e a melhorar”, diz Carlos Mineiro Alves, lamentando a “pobreza energética” que persiste no país. Também a aposta na eficiência energética, nas infraestruturas, na gestão hídrica e na mobilidade são áreas onde o PRR tem previsto investimentos fortes: “Temos uma década que vai perspetivar grandes oportunidades para a indústria da construção civil e para todas as empresas que estão interligadas”, sucinta. Ainda assim, o bastonário da Ordem dos Engenheiros não deixou de sublinhar a “importância do setor do imobiliário”, destacando que Portugal tem que estar muito agradecido: “Há que reconhecer que, durante o período em que não houve uma obra pública e nenhum investimento, se não fosse os promotores imobiliários terem decidido alavancar investimento, nomeadamente com apostas na reabilitação urbana, a construção civil teria falecido completamente”. É precisamente neste contexto que se deve reconhecer a importância que a reabilitação urbana tem: “Não sou contra a construção nova, mas inverter o ciclo de degradação foi das melhores apostas”, declara.

[blockquote style=”2″]No PRR, está criado um equilíbrio. É preciso que o mercado funcione e que ajude na execução desta política[/blockquote]

Nelson Lage, presidente da ADENE (Agência para a Energia) reforçou a mensagem do PRR: “É um documento estratégico e único para Portugal”. Associado à ELPRE (Estratégia de Longo Prazo para a Renovação de Edifícios), ao PNEC (Plano Nacional de Energia e Clima) ou ao Roteiro para a Neutralidade Carbónica, o PRR estabelece uma “nova abordagem” em vários aspetos como a “renovação do parque edificado” ou o “processo de transição energética que temos que levar a cabo, onde podemos liderar e estamos em condições para o fazer”. Por outro lado, representa também uma “oportunidade única” para “aumentar investimentos, criar emprego, desenvolver a economia, a ciência e a inovação, acima de tudo, para os consumidores e cidadãos”, destaca. Em conjunto, o PRR e a ELPRE são cruciais, assumindo-se como “instrumentos de excelência ao incentivo para a melhoria de conforto habitacional tão desejado e para ajudar a combater a pobreza energética”. Nos incentivos para as famílias, são também várias as medidas previstas no âmbito destes dois instrumentos, nomeadamente no incentivo à eficiência energética e à compra de equipamentos. Dentro destes programas, destaque ainda para medidas específicas para ajuda na compra de equipamentos por parte de agregados familiares com menores rendimentos. “Os próximos 30 anos serão assim marcados por medidas concretas muito em linha com as medidas já anunciadas”, sublinha o responsável, dando como exemplo as 140 ações previstas os sete eixos estratégicos. “São estratégias de ação com metas e um posicionamento ambiciosos, que reconhece as necessidades do setor e que reconhece que só com políticas sustentáveis e bem pensadas é que conseguimos cumprir e suprir os desafios”.

Nelson Lage

Relativamente à eficiência energética, Nelson Lage reconhece que, nos dias de hoje, é um tema que está no centro das decisões, da ação política e, acima de tudo, das pessoas: “Temos um cidadão muito mais consciente. E, desde 2018, Portugal tem feito um caminho impressionante, dando uma nova dinâmica ao setor energético”. A isto, soma-se um pacote financeiro de 610 milhões de euros, aplicado às grandes áreas dos edifícios e residências, administração pública e serviços. “Haverá um grande investimento na renovação do parque existente, na compra de equipamento e na mudança de comportamentos por parte dos cidadãos”, reforça.

Ao nível do financiamento, toda a componente de eficiência energética está alinhada com as prioridades do PRR  e este, por sua vez, está alinhado com aquilo que são as reformas que se pretendem levar a cabo para criar investimento nestas áreas: “Os investimentos que se esperam vão dinamizar o mercado e o investimento. Há um equilíbrio entre o setor privado e o setor publico”. Já nas áreas de investimento, o presidente da ADENE alerta para algumas barreiras na parte dos condomínios: “A própria legislação ainda não é muito amigável daquilo que são os investimentos e o acesso ao financiamento”. Apesar de haver um “caminho a fazer” nestas matérias, Nelson Lage é perentório: “No PRR, está criado um equilíbrio. É preciso que o mercado funcione e que ajude na execução desta política”.

Ao longo da sua intervenção, o presidente da ADENE não deixou de sublinhar a importância dos materiais sustentáveis: “Tudo começa na construção, ou seja, é muito importante termos equipamentos eficientes e o cidadão mais consciente, mas, mais importante, é ter um edificado mais sustentável. E tudo isso passa pela escolha dos materiais ou pelo próprio projeto”. Na mão-de-obra, Nelson Lage lembrou a importância dos “novos empregos verdes” e a “aposta no emprego qualificado com formação específica nesta área”, reforçando a “componente da formação”, como vital nestas matérias.

[blockquote style=”2″]Construir bem ou construir mais custa exatamente o mesmo[/blockquote]

Aline Guerreiro

No âmbito da sensibilização, Aline Guerreiro, CEO do Portal Construção Sustentável, destacou a necessidade de se informar os consumidores e os profissionais, de forma a que possam “perceber e optar pelas melhores soluções” de “materiais”, ou em “soluções construtivas para um edifício mais sustentável”. Em matérias de descarbonização, a responsável deixou um alerta: “Não é só a eficiência energética, na fase de utilização do edifício, que é importante; é também a energia que é consumida para produzir os materiais e na (própria) obra”. A utilização de materiais mais eficientes e mais amigos do ambiente nunca pode ficar esquecido: “Na construção, temos muitos derivados de petróleo que são materiais que vão, inevitavelmente, poluir e que podem ser substituídos por outros reciclados e com base biológica”. Tudo isto pode contribuir para a sustentabilidade dos edifícios, refere, dando nota que, depois, é só saber usar a receita de construção: “Construir bem ou construir mais custa exatamente o mesmo. É preciso saber onde colocar os materiais, para que o próprio edifício, seja o equipamento de climatização e então só numa fase posterior (quando o próprio edifício não consegue responder às necessidade de climatização), utilize as fontes de energia renovável”.

Quando se fala em reabilitação sustentável, Aline Guerreiro constata que há ainda falta de informação sobre como reabilitar: “É preciso haver uma sensibilização para a parte de resolver os problemas de construção e recomendar os materiais mais adequados em cada uma das soluções a melhorar”. Assim, o primeiro passo assenta em “começar pela reabilitação do próprio edificado” e, depois, “complementar com os equipamentos e colmatar as necessidades de aquecimento e arrefecimento que irão permanecer”, destaca.

A VIII Semana da Reabilitação Urbana (RU) de Lisboa decorre até quinta-feira em formato híbrido e é organizada pela publicação Vida Imobiliária, com o apoio da Câmara Municipal de Lisboa e da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, contando, este ano, com o Portal da Construção Sustentável como parceiro estratégico.